No meio da nossa conversa, de tanto acrescentar “um cacete a quatro” ao final de cada frase, o próprio entrevistado já tinha nos dado o mote para o título desta matéria, que não poderia ser outro para quem conhece esta excelsa e irreverente figura, o rei dos bordões.

Aos 74 anos de idade e 57 de vida artística, mesmo sendo o mais antigo narrador esportivo em atividade na televisão, ele é também o pai da alegria, o mais querido pela garotada, que vive repetindo seus bordões nas peladas de rua e brincadeiras de escola.

Ele mesmo parece um eterno menino, desses que ficaram grandes sem ficar bobos. Muito ao contrário, de bobo ele não tem nada. Radioator, ator de televisão, produtor, diretor de TV, comentarista, apresentador e narrador esportivo, aprendeu tudo sozinho, na prática e na marra.

Com ele, qualquer joguinho de futebol, por mais vagabundo que seja, vira um espetáculo pelo menos engraçado, que provoca comentários na sala. Vai fundo em tudo o que faz. Quando quis saber como funciona o submundo do futebol, fez um curso e virou juiz da Federação Paulista de Futebol, sem deixar de lado o emprego no rádio e na TV. Casado com a cantora Márcia, que fez muito sucesso na época dos festivais de música da TV Record, onde a conheceu, sempre teve de trabalhar muito para criar os três filhos.

No final de novembro, ao ser demitido sem mais nem menos da TV Bandeirantes, ao voltar de uma viagem de trabalho, sob a alegação de que a empresa precisava cortar custos, ficou ao mesmo tempo magoado com o tratamento gelado e burocrático que recebeu e muito preocupado com seu futuro.

Só nessa hora, o nosso septuagenário personagem parou de brincar, depois de nos divertir durante as mais de duas horas de entrevista na redação da Brasileiros. Conta que até já parou de pagar o plano de saúde e pensa em cortar outras despesas, enquanto não arranja um novo emprego. Ajeitou o boné, balançou a cabeça, pegou seu carro velho e foi à luta outra vez.Sylvio Luiz Perez Machado de Sousa é uma figurinha carimbada do rádio e da televisão que nos acompanha faz muito tempo. Seu primeiro registro na carteira de trabalho é de 23 de março de 1952, assinado pela Rádio Televisão Paulista S/A, na função de ator e narrador. Um ano antes, porém, sem registro e sem contrato, ele já estava atuando nas radionovelas da Rádio São Paulo, onde foi parar, ainda menor de idade, de tanto insistir com a mãe, a locutora Elizabeth Darcy, que trabalhava lá e era uma estrela da época de ouro do rádio.

Nas páginas seguintes, contamos mais uma história exemplar sobre a vida de artista no Brasil do terceiro milênio – quase sempre, na gangorra entre o barulho do aplauso e o silêncio da realidade. Ou melhor, em se tratando de Silvio Luiz, é melhor passar logo a palavra ao artista e deixar que ele mesmo conte a sua história, desde o começo.

Paulista, paulistano, de chuca-chuca…

Eu nasci em São Paulo, na Maternidade São Paulo. Estudei no Colégio Minerva, depois eu fui pro São Luis, fui interno no São Bento, daí eu fiz o colegial no Bandeirantes. Só cursei dois anos de direito, aí parei de estudar. Vocês se lembram de uma faculdade que tinha no sul de Minas, em Pouso Alegre, em que você só precisava ir a cada 15 dias? Pois é, eu chegava no sábado de noite e ia embora no domingo ao meio-dia. Era aula pra cacete, ficava hospedado em hotel. Depois não estudei mais nada. Eu tinha de trabalhar…

Comecei fazendo novela na Rádio São Paulo. A minha mãe, Elisabeth Darcy, era locutora, foi a primeira locutora do Brasil. Ela hoje está com 96 anos, completamente fora de sintonia. Não está mais conectada. Ela teve um AVC (acidente vascular cerebral) faz três anos e meio, se alimenta por sonda, não conhece mais ninguém.

Como radioator, trabalhei com Waldemar Silhome, Waldemar de Moraes. A rádio ficava na Avenida Angélica, naquela esquina que é uma churrascaria hoje. E, como a minha mãe ia pra lá trabalhar, eu ia atrás, aí o mosquito pegou.

A família morava em Perdizes, na Rua Cândido Espinheira. Tem um negócio na minha cabeça, com 74 anos esta fotografia não me sai da cabeça. Minha mãe tinha mania de fazer um chuca-chuca na minha cabeça e eu ficava puto da vida com aquele troço. Porra, bicho, um dia eu subi na janela, eu era molequinho de tudo, devia ter uns cinco anos. Eu subi, sentei na janela, peguei uma tesoura e crau, crau, crau, cortei todo o chuca-chuca que a minha mãe adorava. Puta que pariu, foi uma sacanagem. Essa fotografia não me sai da cabeça. De muita coisa não me lembro mais, mas esta eu não esqueço…

Meu pai era engenheiro eletricista da Light (Light Serviços de Eletricidade S.A). Quando ele morreu, eu era muito moleque, devia ter uns 10 anos. Meu pai trabalhou na construção da Usina Cubatão, descia de carrinho aquela encosta toda.

Repórter de “latona” no começo da Record

Fiquei pouco tempo na Rádio São Paulo. Minha mãe foi trabalhar na TV Paulista, o antigo canal 5, que depois a Globo comprou. Ficava ali na Rua da Consolação, onde hoje é uma lavanderia, quase na esquina da Paulista.

Ali foi que eu comecei a fazer reportagem de campo com o Moacir Pacheco Torres narrando e o Leônidas da Silva comentando. O José, irmão do Flávio Iazetti, era o comentarista de arbitragem. Depois, minha mãe foi convidada pra ir pra Tupi e eu fui convidado pra ir pra Record. O Leônidas me levou pra Record quando a emissora abriu. Eu cheguei com 17 dias de inaugurada.

O Raul Tabajara, o Hélio Ansaldo e o Paulo Planet Buarque, todos vieram do rádio. Quando inauguraram a TV Record, esse pessoal que era da Rádio Panamericana (hoje Jovem Pan) foi para a televisão. E eu fui convidado pelo Leônidas para ir com eles.

Eu trabalhava com aquela latona que chamavam de latinha. Pesava seis quilos aquele troço. Não dava choque porque não tinha conexão nenhuma, era movida a bateria. Eram duas caixas, uma comigo e a outra que ficava com o locutor na cabine. Só que tinha uma coisa: você não ouvia o que o cara falava. Você pra ouvir o que o cara falava tinha de vir um fio lá de cima, lá da cabine até o campo. A hora em que você ia entrevistar um cara lá embaixo no campo, precisava tirar o fone, e você não sabia se estava saindo ou não estava saindo, se estava no ar.

Era o tipo do negócio engraçado porque à noite o cara que operava o rádio, que recebia esse som lá debaixo, era um crioulo que se chamava Geraldo Campos. Quando a transmissão era à noite, eu tinha de ligar aquele negócio e falava “alô, Tabajara”. O negão acendia uma lanterna, só via a luzinha piscar pra saber que eu estava no ar…

Quando a gente ia pra Vila Belmiro, o Geraldo Campos era também o motorista do ônibus. Era motorista e operava o som porque ganhava dois salários, como motorista e como operador de som. E ainda piscava a lanterna de noite… “Alô, Tabajara”, quando ele piscava, eu podia entrar. Recebia o retorno num receptor de FM na mesma frequência do microfone. A frequência do microfone era um cristalzinho que entrava naquela frequência do rádio. O Tabajara ouvia, enfiava o plug, o Geraldo acendia a lanterna e eu ia embora…

Quando um palavrão no ar ainda escandalizava

Eu acho que foi num jogo do Corinthians, no meio de semana, que aconteceu uma grande cagada. O Brandão era o técnico do Corinthians, se não me engano, e o Luizinho foi expulso. Aí eu, naquela minha impetuosidade de repórter, que quer chegar sempre na frente de todo mundo, chamei “Alô, Tabajara”, e fui em frente. Botei o microfone na boca do Luizinho. E o Luizinho lascou no ar: “Este filho da puta de juiz…”.

O filho da puta daquela época era diferente do filho da puta de hoje. A história do filho da puta foi parar na Câmara Municipal, queriam proibir repórter de campo, queriam cassar minha credencial, o cacete a quatro. O Brandão veio me defender: “O rapaz não teve culpa”. Entendeu? Este filho da puta, naquela época, deu muita confusão, mas hoje não tem mais problema com palavrão.

Agora, é a tradicional família paulista que fala palavrão. Hoje filho da puta sai em novela. Você liga a televisão de madrugada, está cheio de filho da puta, de merda, sai um monte de coisa.

Melhor momento: furo na chegada da Seleção de 1958

Não foi nenhum jogo, mas a chegada da seleção brasileira campeã do mundo de 1958 foi o que mais marcou a minha carreira. Fomos pra Congonhas, aquele puta monte de gente, um puta aparato, polícia da Aeronáutica, o cacete a quatro. E eu era aquele moleque que queria chegar sempre na frente. Não precisava, mas queria. Eu me escondi debaixo daquela escada que vai até a porta do avião. E eu fiquei lá, esperando o vôo que vinha do Rio, com aqueles seis quilos de equipamento e uma camisa amarela que tinha um enorme sete (a TV Record era o canal 7) nas costas. Era muito discreto… Fiquei ali parado e veio um guarda, um cara da Aeronáutica, que me falou: “Você não pode ficar aí!”. E eu respondi: “Mas, pô, eu preciso trabalhar…”.

Ficamos ali conversando, chegou o avião, os caras da Aeronáutica começaram a empurrar todo mundo, e eu escondido atrás da escada. Quando encostaram a escada no avião, eu falei pro cara de farda: “Segura pra mim!”. Eu pendurei a maleta no ombro, ele me deu o microfone, subi pra ponta da escada e entrei no ar: “Estamos aqui e o cacete a quatro”. Se saiu no ar ou não, até hoje eu não sei. Bom, mas deve ter ido porque ninguém reclamou depois… Se não tivesse ido, nego tinha reclamado. Eu já liguei o microfone e fui em frente, entrevistando todo mundo. Não teve “Alô, Tabajara!”, não teve porra nenhuma: “Estamos aqui junto com os campeões do mundo”, e fui entrevistando quem encontrava pela frente. Esse momento foi um negócio que me marcou, um puta de um furo.

Por causa do Luizinho, que foi um furo também, o primeiro filho da puta que se ouviu na televisão, veio então a proibição: não podia mais fazer reportagem dentro do campo, como é hoje na Taça Libertadores e na Copa Sul-americana. Como é que eu vou fazer se eu tenho de entrevistar o cara?

Num jogo São Paulo e Portuguesa, cheguei pro Alfredo Ramos, que era uma pessoa mais ou menos letrada, expliquei pra ele: “Eu não posso entrar no campo. Vou te dar o microfone e você vai entrevistar os caras pra mim”. “Alô Tabajara!”, eu não posso entrar no campo por causa do palavrão, mas quem vai me ajudar hoje a fazer esta reportagem é o meu amigo Alfredo Ramos. Ele entrevistou o Mauro, o Poy, foi lá no meio do campo para acompanhar o sorteio. Voltou e me entregou o microfone. Então eu falei: “Não adianta proibir, moçada, nós estamos aí…” Isso foi um negócio que também me deixou profundamente marcado. Não pela criação, mas pela maneira como a gente tinha de se virar para informar os caras. Ninguém pode proibir jornalista de falar bem ou mal.

“Cafajeste, jogo da paz é o cacete…”

Você vê como é a incongruência do negócio. Você lembra de um jogo da paz entre Palmeiras e São Paulo, em que soltaram bomba, e o Edmundo deu uma voadora num cara? E eu lá em cima, na cabine da TV, metendo bronca: “Cafajeste, jogo da paz é o cacete, não sei o quê mais”. Larguei o cacete nele. E a torcida do Palmeiras começou a distribuir uns panfletos contra mim. Não xingavam, não tinha palavras de baixo calão, mas me chamavam de “inimigo mortal”. Distribuíram isso na porta do Pacaembu. Aonde eu ia tinha esses papéis. Mas, ao mesmo tempo em que isso acontecia, uma outra facção da torcida do Palmeiras me dava prêmio no fim do ano.

Isso aí me deixou preocupado. Passavam na porta da minha casa, jogavam ovo. Como se eu tivesse cometido uma puta de uma heresia chamando o Edmundo de cafajeste. Daí ele falou que ia me processar. Eu procurei um advogado e falei para ele: “Doutor, é o seguinte, ele vai me processar porque eu chamei ele de cafajeste”. Ele falou: “Junta jornal, vai juntando tudo que você puder, deixa ele processar. Ele não vai processar nada, vai juntando jornal”.

Nesse meio tempo, quando eu transmitia jogo do Palmeiras, eu não falava o nome dele. Eu falava “lá vai o sete”. Não era Edmundo, era o número sete que estava jogando.

“Minha primeira Copa, com Garrincha e Amarildo”

Minha primeira Copa do Mundo foi em 1962, no Chile. Eu era repórter da Rádio Bandeirantes. Fizemos a cobertura desse mundial junto com a Rádio Guanabara. Foi a copa do Garrincha, em que o Pelé se machucou e entrou o Amarildo. Os narradores da Bandeirantes eram o Pedro Luís e o Edson Leite, e o comentarista, o Mário Moraes. Aí o que aconteceu? Aconteceu que no final do jogo em que fomos bicampeões, quando viu um microfone da Bandeirantes, o chefe da delegação, doutor Paulo Machado de Carvalho, que era dono da Record, mandou ver: “Engole mais essa, Pedro Luís”. Ele achava que a gente era muito crítico com a seleção.

Aquela equipe era fogo, era boa demais. Depois, degringolou tudo. Não é que degringolou tudo, vieram outras emissoras, com cara nova. O Edson Luís depois foi diretor-geral da TV Excelsior, que era a Globo da época. A espinha dorsal da programação da Globo até hoje é exatamente o que era a da Excelsior: novela, jornal, novela, musical.

Na primeira narração, Pelé defende pênalti

A Excelsior não tinha transmissão de futebol. Só de vez em quando o Geraldo José de Almeida gravava um jogo em videoteipe. E numa dessas aconteceu um negócio gozado. Eu fui gravar um jogo no Pacaembu para ser passado em Porto Alegre e o Geraldo não foi. Naquela época eram duas câmeras só, uma no geral e a outra fechada no detalhe. Eu, que era o diretor de TV do futebol, então falei: “Pendura o microfone em mim que eu vou transmitir e cortar as imagens ao mesmo tempo, não tem erro”.

Combinei com os câmeras, narrei o jogo e cortei ao mesmo tempo pra mandar o teipe pra Porto Alegre. Se não me engano, foi aquele jogo onde o Pelé foi jogar no gol e defendeu um pênalti. Já fiz muitas peripécias pela vida… Foi a primeira vez que narrei em televisão. Narrei e cortei ao mesmo tempo… Antes, só tinha sido repórter com o Raul Tabajara.

“A Record era a Meca da televisão”

Quando eu voltei pra Record, levei a bagagem adquirida na Excelsior. Era a época dos festivais de música, da Jovem Guarda com o Roberto Carlos, do Fino da Bossa com a Elis Regina. Na segunda-feira, era a Hebe Camargo gravando, tudo gravadinho. Eu sei que tinha Família Trapo, Wilson Simonal, Elizeth Cardoso, Agnaldo Rayol, um timaço…

A Record era a Meca da televisão. Aquele auditório da Rua da Consolação vivia lotado, era uma festa. Como diretor de produção, eu tinha de escalar câmera, escalar estúdio, escalar diretor de TV para dois teatros. Além daquele da Consolação, tinha ainda o Paramount, na Brigadeiro Luís Antônio, eram os dois teatros da Record. Fora isso, eu tinha quatro estúdios pra determinar hora de gravação. As novelas eram gravadas na Vera Cruz, em São Bernardo do Campo (cidade da região metropolitana de São Paulo).

“Leva um pé na bunda de Milton Neves e sai de fininho…”

Vários colegas meus entraram na política – o Tabajara, o Hélio Ansaldo, o Blota Júnior, o Aurélio Campos, mas eu nunca quis saber disso. Uma vez recebi um telefonema de um político na minha casa e falei pra minha mulher: “Acho que eu vou me candidatar”. Ela botou minhas malas na porta e falou: “Pode ir embora porque daqui pra frente você vai ser ladrão e eu puta”.

Eu não gosto de confusão. Só teve essa briga com o Edmundo. Com quem mais que eu briguei? Teve só uma vez que nem cheguei a brigar porque o cara era muito maior do que eu. Levei um pé na bunda, o Milton Neves me deu um pontapé pelas costas.

Eu tinha ido na Record para dar uma entrevista no programa do Raul Gil, aquele do tira o chapéu, põe o chapéu. O Raul me perguntou se eu queria colocar algum nome no chapéu. Eu falei: “Vim aqui pra fazer o programa, não vim aqui pra combinar nada com você, põe o nome que você quiser”. E, evidentemente, o cara devia estar sabendo que eu não topava o cidadão, esse Milton Neves. Aí quando apareceu o nome dele eu falei que para esse eu não tiro o chapéu.

Eu já sabia da vaidade dele, e o Raul começou com aquele negócio dele, perguntando “por que você não tira?”. Eu respondi: “Não vou tirar porque eu não conheço esse cara, nem sei o que ele faz”. Acabou o programa, estou saindo, estava recém-operado, saindo com o meu sobrinho que trabalha lá também. Ele já estava parado na porta me esperando, me deu um pontapé na bunda e falou: “Você é um cafajeste, um cafajeste!”. Eu olhei pra trás e continuei andando, seguraram ele e eu fui andando. Esse é o glorioso…

Como surgem os bordões, a sua marca na TV

O primeiro foi “olho no lance”. Eu não me lembro como surgiu. Veja bem, como eu acho que a mulher não entende muito de futebol, só vê futebol quando a seleção joga, eu procuro ligar os bordões ao que elas fazem. Por exemplo, você vai pra cozinha, se você desanda a maionese, o que acontece? Faz uma cagada. Então, o zagueiro faz uma merda “desandou a maionese”, “sujou o avental”.

Quer ver outra? Você já viu lugar mais alto que o pescoço da ema? Pode ser a orelhinha da girafa. Eu também falava “na orelhinha da girafa, no gogó da ema”. O cara fala no ninho da coruja. Eu não, eu falo no gogó da ema, porra, porque a coruja pode fazer ninho no chão. Em vez de falar lateral eu falo “está perto do meio fio”. Quer dizer, procuro associar a atividade do dia-a-dia à transmissão de futebol, que é um negócio muito fácil de você fazer. O “ladrão de bola” eu peguei quando eu apitava futebol porque os caras falavam assim: “Olha o ladrão! Cuidado com o rabo!”.

“Como juiz de futebol eu passei cada uma…”

Eu virei juiz porque naquela época estava uma roubalheira filha da puta no futebol de São Paulo. Aí eu falei lá na rádio: vamos fazer um curso de juiz, vamos nos misturar no meio deles, saber como funciona a coisa. Fomos fazer o curso na Federação Paulista de Futebol, passamos e começamos a apitar jogos na Penitenciária, no campeonato dos presos. E era pesada a coisa. Apitava jogos de infantil, juvenil, segunda divisão, primeira divisão. Cheguei a apitar no campeonato brasileiro. Eu não diria que era uma merda de juiz, era até muito melhor do que esses que estão aí hoje. Hoje nego tem telefone, fone, fax, tem tudo, vibrador, tem tudo. E fazem um monte de cagada…

Como juiz de futebol eu passei cada uma… Aqueles joguinhos de segunda divisão, em que você é obrigado a ir de trem, porque não tinha condução da federação. Chegava na cidade, já estavam lá os negos na estação te esperando. Prefeito, delegado, toda aquela cena que vocês conhecem: “Aqui não vai ter problema!”. Uma espécie de suborno moral… Aí, quando a coisa ia bem, ia bem; quando ia mal, sumia todo mundo. Sumia o prefeito, sumia o deputado, sumia o delegado. E você ficava esperando a polícia te tirar de dentro do campo…

Quando dava, eu ia com meu carro. Queimei dois Karman Guia na segunda divisão. Chegava na cidade e deixava o carro na porta da delegacia. Queimei os dois carros de tanto rodar. Cada semana era num lugar a mais de 200 quilômetros de São Paulo. Uma vez, em Bauru (cidade do interior de São Paulo), num jogo do Noroeste, entrei numa fria. Vou eu com os bandeirinhas, o carro da federação, tudo. Você chegava pro motorista da federação e combinava assim: “Ataliba, se der cagada, eu te encontro no trevo”.

Por quê? Porque a responsabilidade da polícia era te levar pra delegacia. A gente ficava na delegacia um monte de tempo e o Ataliba esperava no trevo. Qual era a manha que você tinha naquela época? Quando via que o negócio estava engrossando, você terminava o jogo perto da boca do túnel. E eu, cabaço de tudo, terminei o jogo na área do outro time lá embaixo.

Acabou um a zero, eu nem ligo, sempre com a consciência absolutamente tranquila, cumpridor dos meus deveres. Porém, o goleiro do Noroeste era um crioulo que parecia uma locomotiva. Você já viu aquele desenho do pica-pau em que a locomotiva vem vindo em cima dele? Eu vi aquilo. Eu pensei que ele fosse me cumprimentar, mas quando ele fez assim eu percebi, foi o instinto, dei um drible de corpo nele, e caí na escada do vestiário.

Eu escorreguei no penúltimo degrau, como se fosse o Rivelino naquele jogo da seleção contra o Uruguai, no Maracanã. Aí vi uma cadeira que passou voando por cima da minha cabeça, quebrou uma porta de vidro. Acertaram o bandeirinha, que ficou todo fodido. Embaixo do chuveiro, a gente tomando banho, meteram um foguete lá dentro.

Pra gente sair de lá, encostou um camburão. Subimos a escadinha do campo, encostou um camburão no campo, entramos lá dentro os quatro – os dois bandeiras, eu e mais o representante, como se fossem quatro assaltantes, sequestradores, sei lá, e fomos pra delegacia. Lá o delegado já foi logo falando: “Você não deu 17 pênaltis pro Noroeste, eu sei como vocês são”.

“Vai ser difícil sair daqui. Vou dormir aqui mesmo”, pensei comigo. Os tiras que estavam na porta da delegacia foram embora. O delegado então mandou a viatura nos levar até o trevo, onde o Ataliba estava à nossa espera, preocupado que não amassassem o carro dele.

Juiz ganhava mal naquela época, fazia isso mais por diversão, pra ganhar know-how, mas sem sair da rádio. Fiquei com os dois empregos. Essa vida de juiz deve ter durado uns dez, 12 anos. Quando eu me casei, a minha mulher falou: “Se aparecer um dia marcado em casa, não precisa voltar mais”.

Olho no lance: livro com 400 horas de gravação

Eu só tenho um exemplar em casa do livro que conta toda a história da minha carreira. Não fui eu que fiz. Eu nem queria que fizessem. Foi o meu filho mais velho, Alexandre, que insistiu com um rapaz, o Wagner William, para escrever o livro. O cara pesquisou muito em arquivos de jornais, fez muitas entrevistas, demorou acho que um ano pra fazer.

O título é Olho no Lance. Saiu quando eu fiz 50 anos de profissão, em 2002. Eu recebi cinco paus adiantados e ele também recebeu cinco paus da editora. Eu recebi outro dia os direitos autorais: um real e noventa e poucos centavos que a Editora Best Seller me pagou. O William fez mais de 400 horas de gravação comigo. Puxava um assunto, eu lembrava, puxava outro, eu ia falando, que nem nós estamos fazendo aqui. Minha mãe tinha guardado uma porção de fotos que usaram no livro.

Agora ele só torce para os amigos

Depois de tanto tempo no mesmo meio, você passa até a não torcer mais pra um determinado time, nem pra própria seleção. Você passa a torcer por seus amigos. Por exemplo, eu estou louco pra que o Muricy ganhe esse campeonato (a entrevista foi feita antes da decisão que deu o hexacampeonato ao tricolor – São Paulo Futebol Clube) porque ele é meu amigo. Ele sai comigo pra tomar uma cerveja, comer uma pizza. Se eu ligar pra ele agora, ele atende, é meu amigo. Eu quero que ele seja feliz.

Quando o Oswaldo Brandão, que foi meu comentarista depois que deixou de ser técnico, dirigiu a Ponte Preta, eu torcia pela Ponte Preta, quer dizer, não pela Ponte Preta, mas por ele. Você entendeu? O Careca, se eu pegar o telefone e falar pro Careca vir aqui agora, ele vem. Por quê? Ele sempre fala “você não sabe o que você me ajudou”. E assim muitos outros técnicos e jogadores.

Por incrível que pareça, meus melhores amigos são quase todos pessoas que não vejo há muito tempo. O Dunga, por exemplo, os caras metem o pau no Dunga. Que culpa tem o Dunga de ter sido convidado pra dirigir a seleção, pra arrumar o estrago que foi feito lá? Ele não pediu. Na Copa de 2006, trabalhando para a Bandeirantes, eu convivi com esse cara na Alemanha durante 40 dias. A gente caminhava todo dia durante uma hora.

É um cara altamente profissional. Você marcava uma gravação às dez horas, ele estava lá quinze para as dez. Marcava um carro pra sair às sete da manhã, ele estava às seis e meia. Quer dizer, um cara linha dura. E o que estavam fazendo na seleção? Tiravam jogador da cama às seis horas da manhã pra dar entrevista no Bom Dia Brasil, da TV Globo. Aí o Ricardo Teixeira percebeu que precisava de alguém como o Dunga, que estava só fazendo as suas palestras, cuidando da sua instituição de caridade e do pai dele que está doente. Por isso que às vezes a gente vê entrevista dele em que o Dunga mostra muito ressentimento.

Burrices ele já cometeu inúmeras, pela ingenuidade dele, pela inexperiência dele. Agora, que ele é um cara que tem uma bela de uma boa intenção, tem. E ele sabe que o dia em que o resultado não vier, ele vai cair fora. Outro que é meu amigo é o Rubens Minelli, esses caras da antiga, qualquer um deles. Esse pessoal jovem eu não tenho muita convivência. Antigamente você ligava pra um jogador e falava “vamos tomar uma cerveja”. Eu cansei de sair pra noite com o Canhoteiro.

Demissão na Band:
”Logo eu? Por que eu?”

Eu fui fazer o jogo entre Atlético e Botafogo no domingo. Fui sábado pra Belo Horizonte, fiz o jogo, voltei. Na segunda-feira, não fui na televisão. Na terça, fui prestar contas da viagem. Aquele negócio de refeição, hotel, e tal. Prestei contas, devolvi uma grana. Aí o Carlos Gomes, o CG, que é o chefe do esporte, me chamou e começou aquela conversa:

– Vou ter de fazer corte de pessoal, vou ter de cortar um narrador, e é você.

– Mas logo eu?! Por que eu?!

– Porque você não faz apresentação de programa, você só narra.

– CG, eu tenho 56 seis anos nessa porra aqui. Não faço apresentação porque nunca me pediram pra fazer.

– Eu tenho de cortar um e é você.

Ia fazer dez anos que eu tinha voltado pra Bandeirantes. Tudo bem, acontece. Mas o que me magoa é a falta de respeito, como se eu fosse um “João das Couves”que estivesse começando agora… No mesmo dia que eu recebo essa notícia, tem uma bandinha de música comemorando a contratação da Adriane Galisteu ganhando um caminhão de dinheiro. A vida é assim mesmo, o que eu vou fazer?

E agora você vê que gozado: uma semana antes disso acontecer, eu sou convidado pela empresa pra inaugurar uma televisão lá em Tocantins como uma das estrelas da companhia. Fui com o dono, o Johnny Saad, inauguramos a televisão, com discurso e o cacete a quatro. Depois de uma semana, a ficha não caiu ainda. Já tomei um puta monte de providências, até cortei o plano de saúde.

Depois de uma semana fui lá acertar as contas, a paulada foi tão forte, que eu fiquei no córner a nocaute, de guarda baixa. E assim se encerrou um ciclo, meu senhor, a porta se fechou para mim.

“O que eu quero, porra, é o direito de trabalhar, porra!”

Eu digo uma coisa com toda sinceridade para vocês: eu preciso continuar trabalhando porque tenho de pagar minhas contas. Eu não tenho vaidade de desfilar com carro do ano. Eu ando com um Celta que está com 92.000 quilômetros. Minha mulher tem um Vectra 96. Minha filha tem um Corsa 2001. Eu não tenho vaidade de aparecer, nem de porra nenhuma, porque eu sei o valor que eu tenho. Eu não tenho de provar nada pra ninguém mais. O que eu quero, porra, é o direito de trabalhar, porra!

Estão entendendo como é que é? Se falasse: você não sabe fazer nada, você enganou a vida inteira… Eu não enganei a vida inteira. Me contrata, então, como consultor pra dar palpite. Aonde que eu estou me segurando? Estou me segurando numa beirada que ficou no Bandsports, a emissora a cabo deles. Ainda ontem eu fiz um jogo pelo campeonato português.

A primeira transmissão de televisão Rio-São Paulo eu estava nela. Hoje você conversa com o telespectador, você não tem de legendar a imagem, não precisa dizer que a bola saiu, que o nego cabeceou, você tem de botar a tua pimenta. Entendeu? Tem de brincar, conversar, é essa a jogada.

Um grande momento da minha carreira foi quando, acho que faz uns três anos, eu recebo um e-mail do cara do Comunique-se (portal de comunicação) dizendo que eu tinha sido escolhido pra disputar a final de narrador com o Luciano do Valle e o Cléber Machado. Esse foi um grande momento porque, com 72 anos na época, eu ainda fui lembrado pelos companheiros numa premiação que é feita em eleição direta. Foi um grande momento. Eu não sou melhor nem sou pior do que ninguém. Eu sou diferente. Esse que é o negócio.


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