Enquanto falta neve em Vancouver, aqui em Nova York estamos com o produto até as orelhas. Esse fenômeno torna os jogos de inverno daqui em espetáculos muito mais interessantes do que aqueles do Canadá. Confesso que não tenho acompanhado com muita atenção às competições oficiais do esqui, luge ou curling. Em compensação, observo com fervor entusiasmado, os esportes praticados nas ruas da minha cidade. São as Olimpíadas Urbanas, onde a torcida também pratica as modalidades. As categorias são diferentes daquelas reconhecidas pelo COI, mas trazem muito mais emoções. Para os não iniciados – aqueles felizardos que curtem a ressaca do Carnaval a 40 °C no baixo equador – apresento uma pequena lista das atividades físicas a que estamos submetidos no Hemisfério Norte.
Patinação no gelo de calçada. Trata-se do esporte mais praticado pelos cidadãos. O atleta – de qualquer idade – simplesmente tenta ir do ponto A ao B, negociando seus passos em terreno mais escorregadio do que político brasileiro. No programa estão corrupios, nem sempre com graça artística, e saltos mortais. Vence quem não receber “medalha roxa” – ou hematomas, nas quedas – ou “troféus de gesso” com fraturas. Trata-se de exercício brutal para os envolvidos, mas espetáculo de grande entretenimento para a torcida.
Cavar. Aqui existem várias modalidades. A primeira implica retirada de vários palmos de neve acumulada desde a porta da casa do atleta, até os lados direito e esquerdo na calçada da frente da residência. O objetivo é fazer uma trincheira, por onde possam passar não apenas o cavador, mas também os transeuntes. O piso tem de ficar completamente desimpedido e seco. Não se quer a formação de rinque de patinação para pedestres (vide categoria anterior). O maior risco é ser processado por aqueles que ganharam “medalha roxa” ou “troféu de gesso” ao escorregar em frente à propriedade. Trata-se de exercício equivalente a enxugar gelo. Vence a competição quem não sofrer um infarto, mau jeito nas costas, ou ação judicial.
Desenterrar carro. Na verdade, essa é uma subcategoria da modalidade anterior, mas que envolve um veículo soterrado por acúmulo de neve equivalente à Cordilheira dos Andes. Os equipamentos necessários são: pá, vassourinha, espátula, pano e luvas. Novamente, os riscos envolvem ataques cardíacos e contusões. Em vez do processo judicial movido por outros cidadãos, a falha na conclusão do jogo pode implicar uma multa de US$ 45 por estacionamento proibido, durante o revezamento de lados da rua nos dias de limpeza pública.
Revezamento de estacionamento. Mais uma subcategoria. Essa implica estacionar o carro em local permitido – o que depende do calendário preestabelecido pelo Departamento de Vias Públicas. O desafio maior é conseguir mover o veículo que está sobre uma camada de gelo. Para criar tração, vale o uso de areia de banheiro para gatos – jogada no piso e santo remédio contra patinação – ou o emprego de dois mexicanos empurrando o veículo.
Corrida de obstáculos. Os participantes devem trafegar percursos repletos de montes de neve congelada – na verdade, blocos sólidos esculpidos pelo vento frio -, montanhas de lixo não recolhido, pedestres que empacam e poças d’água, com enganosa aparência de solidez, mas que ao serem pisoteadas, engolem a perna do incauto. Estes são os chamados “slush”, um líquido traiçoeiro capaz de provocar hipotermia no pé, calcanhar ou até na tíbia. Quem conseguir chegar ao destino escolhido, sem ter caído, congelado ou enlouquecido vence a competição. Mas cuidado ao subir no pódio, que está congelado.
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