Onde a zoeira não tem limite

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Um espectro ronda a web – o espectro da zoeira. Zoeira é um termo antigo, mas ainda usado, que quer dizer brincadeira. Explicações a parte, vamos imaginar um cenário: você se senta no sofá e liga a TV. No jornal, escuta que o PIB cresceu 0,2% neste trimestre, Míriam Leitão diz que isso é o fim do mundo. Você se encolhe na poltrona. A próxima notícia é sobre os protestos recentes. Hashtag não vai ter Copa. Imagens de um trânsito recorde pintam a tela de amarelo e vermelho. Encolhido, você começa a roer as unhas. A iminência das eleições e a linha editorial te deixa contrariado. “É só notícia ruim!”, você pensa. O mau humor quer te pegar. Então, você esquece a TV e pega o seu celular, laptop ou tablet e se prepara para o riso.

E não importa a sua idade, você já deve ter entendido que a timeline funciona como uma praça pública, todo mundo fala o que quer, publica o que acha interessante e, atenção, pode ser responsabilizado por isso. Aliás, em dezembro último, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que, ao curtir ou compartilhar algo, o usuário mostra que concorda com o que está ajudando a divulgar. Isso abriu jurisprudência inédita, que pode ser usada, por exemplo, no triste caso de Fabiane Maria de Jesus, a mãe linchada e morta no Guarujá, depois de um boato espalhado via Facebook.

Mas calma lá, aqui vamos tratar da cultura cômica na internet. “Humor? Como? Se a internet consegue disseminar o ódio e a desinformação”, perguntaria o desacreditado. Nossa resposta está nos personagens e histórias que vamos contar aqui. É um recorte pequeno, mas significativo.

Para se ter uma ideia, de acordo com PennyStocks – site que mede os números que a internet gera em tempo real –, em dois minutos de uma manhã de um dia ordinário, 340 horas de vídeo foram postados no YouTube, 4.600 textos publicados no WordPress, 4 milhões de likes em fotos no Instagram (70% delas selfies). Mais? Em cinco minutos dessa mesma manhã, foram transferidos cerca de 8 milhões de gigas de informação para o Facebook.

Entendeu porque chamam de Big Data? Está tudo lá. Piadas, memes, menes, imagens, podcasts e vídeos produzidos… Te cuida, Míriam Leitão! É a alternativa ao pessimismo. E o melhor, qualquer um pode produzir conteúdo. Assim, encontramos, aos montes, fotos de gatos vestidos, vídeos da molecada fazendo quadradinho de oito com o popozão. E qual é a revolução? O exemplo recorrente é o da Prefeitura de Curitiba que fundamenta o humor enquanto ferramenta eficaz de engajamento. Eles conseguiram reunir cerca de 200 mil pessoas em torno de pautas locais… com o humor. Se todo ano é tempo de marcha para Jesus, como contraponto eles ajudaram a divulgar a caminhada para ajudar o “Goku fazer a Genkidama” (personagem DragonBall – desenho japonês dos anos 2000). Não conseguiu reunir tantos, mas pelo menos uns 300 foram à caminhada.

Outro exemplo é o do ciberativista Rafucko, 28, que produz videoperformances irônicas no YouTube (e tem 3 milhões de visualizações). Em um vídeo, Rafael Barbacena personifica a cocaína para pedir que o debate eleitoral seja mais profundo, noutro brinca com clichês sobre a “ditadura gay”. Rafucko foi personagem recorrente nas manifestações de junho último, no Rio de Janeiro. Tanto que foi intimado a prestar depoimento na Polícia Civil por causa de uma “denúncia” publicada por Reinaldo Azevedo, na Veja. O colunista publicou que Rafucko teria roubado um manequim de uma loja para fazer uma performance. Rafucko compareceu à delegacia, mas foi de meia arrastão.

Ele agora tem um talk show. Um dos entrevistados foi Gregorio Duvivier, que aos 28 anos se consagrou como roteirista do Porta dos Fundos, case de sucesso de linguagem (e negócio) de humor na internet. O canal dos comediantes cariocas no YouTube soma mais de 900 milhões de visualizações.  

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O humor menos pretensioso e sem noção também tem espaço nessa dinâmica. O Tumblr é uma plataforma de microblog fundada em 2007, por David Karp (quando este tinha 21 aninhos), vendida no ano passado por US$ 1,1 bilhão. Podemos dizer que é quase a memória coletiva da rede (ou o museu da zoeira), já que é por lá que são agrupados e listados fluxos de virais datados (quantos Tumblrs com as piadas da vez foram criados desde que você começou a ler este texto?). Como é o caso “Fali Meu Amigo, criado por Vladislau Bühler Junior, que registra a conversa mais surreal que um homem e uma mulher poderiam ter. Mas o que o papo tem de mais? Nada. A mulher – que não conseguia pontuar de forma correta e deu uma série de lições de moral em Vladislau – cunhou o precioso termo “OLAR” (um “olá” mal grafado), que só no ultimo mês teve mais de 17 mil menções, segundo o medidor Topsy. Ele não é comediante profissional nem ganha dinheiro com a internet, mas ditou uma tendência.

Mas não é só disso que vive o humor na internet. Você deve se lembrar dos memes – carinhas mal desenhadas, bordões repetidos, troll e pokerface. O meme é o viral que toma outras formas em contextos diferentes. O termo foi criado pelo zoólogo Richard Dawkins que, em 1976, definiu o meme como “unidade de evolução cultural”.  

No contexto de interação 2.0, surgiu o “mene”, a sátira do meme. Thiago Schwartz, 29, analista de sistemas em Tubarão (SC), é o criador do Site dos Menes. Talvez você nunca tenha ouvido falar, mas a página, alimentada por 15 pessoas, tem 130 mil seguidores fiés no Facebook. As postagens são completamente sem noção. “A intenção era de fazer algo que fosse divertido de criar e não fizesse muito sentido”, diz ele. O “site” já deu entrevista a revistas de negócios. É que o engajamento que tem com a audiência é absurdo, sonho de qualquer marqueteiro.

Falando nisso, tem a satírica Dilma Bolada. A personagem criada por Jeferson Monteiro, 24, estabeleceu uma linguagem afetiva com seus seguidores. Especialistas em marketing digital tentam justificar seu sucesso no “storytelling transmídia”. Mas a verdade é que os usuários das redes queriam rir de histórias bem contadas. Jeferson apresentou uma presidenta que ninguém conseguiu: eficaz e meiga. Acertou tanto, que hoje é “acertado” por campanhas de opositores. “Fui procurado por uma agência de publicidade, que dizia que a equipe de Aécio Neves estava interessada em comprar a página. Especularam que poderia ganhar R$ 500 mil. Jamais tive a intenção de vendê-la.” Hoje, parece mais efetivo desmoralizar o personagem do que atacar a presidenta Dilma Rousseff. Vida longa à zoeira.


Comentários

Uma resposta para “Onde a zoeira não tem limite”

  1. Maravilhoso!

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