A Polícia Civil faz hoje (23) uma operação na Cidade de Deus, zona oeste do Rio, com o objetivo de cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão contra nove suspeitos de envolvimento nos confrontos armados do último final de semana. A ação conta com a participação de aproximadamente 400 policiais civis, dentre eles 25 delegados.
O titular da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), Felipe Curi, informou que os indiciados responderão pelos crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico e porte ilegal de armas de fogo.
A Secretaria Municipal de Educação informou que, a exemplo de outros dias, de acordo com a 7ª Coordenadoria Regional de Educação, 12 escolas, 3 creches e 7 Espaços de Desenvolvimento Infantil (EDIs) não tiveram aulas no turno da manhã de hoje, na região da Cidade de Deus.
UPP Santa Marta
A Unidade de Polícia Pacificadora Santa Marta, em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro, foi alvo de um ataque de criminosos na tarde de ontem. Uma viatura também foi atacada esta tarde nas proximidades do Morro da Providência, atrás da Central do Brasil, área central da cidade.
Segundo o comando da UPP Santa Marta, policiais foram atacados por criminosos armados durante patrulhamento de rotina, na localidade conhecida como Arena, próximo à região de mata da comunidade. Durante a ação, um homem foi ferido e levado ao Hospital Municipal Miguel Couto, na Gávea. Com ele, foi apreendida uma pistola automática. Um armário de um Posto de Policiamento Avançado da Polícia Militar foi atingido por um artefato de fabricação caseira, que explodiu e destruiu parte do móvel. Nenhum policial militar ficou ferido.
Nas proximidades da UPP Providência, uma viatura policial foi atingida por disparos de arma de longo alcance, próximo ao Túnel João Ricardo, no Santo Cristo. Até o momento, não há registro de feridos, prisões ou apreensões. O túnel chegou a ser interditado por alguns minutos. O policiamento está reforçado e buscas pelos suspeitos estão sendo realizadas na região.
Inaugurada em dezembro de 2008, a UPP Santa Marta foi a primeira experiência da política de pacificação das comunidades cariocas. A unidade serviu de modelo para as demais e sua implantação permitiu a legalização dos serviços básicos à população, como água, luz e TV a cabo, além da formalização do comércio existente.
Sete Mortos
Familiares dos sete homens encontrados mortos na Cidade de Deus no último fim de semana foram contaram a jornalistas como os encontraram na manhã de domingo. Para os moradores, seus familiares foram executados por policiais militares.
“Encontrei meu esposo com a perna decepada, com quatro facadas, dois tiros na nuca, e de costas”, conta Viviane Gonçalves, de 32 anos, que era casada e tinha uma filha com Rogério Alberto de Carvalho Júnior, 34 anos, que foi um dos encontrados sem vida. “Se eles estavam errados, que fossem presos, mas que não esculachassem do jeito que eles fizeram. O que eles fizeram foi uma chacina”.
Viviane conta que soube por vizinhos que seu marido estava entre os baleados na noite de sábado, mas que policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) não deixaram que eles fossem até o local onde estariam os corpos.
O pastor da Assembleia de Deus Leonardo Martins da Silva, de 45 anos, encontrou o filho, Leonardo Martins da Silva Júnior, de 22 anos, entre os mortos na localidade conhecida como Brejo, em uma área alagada. Ele repete o relato de que havia homens de bruço, com tiros na nuca e em outras partes do corpo, além de facadas. “Eles foram executados”, acredita ele, que lamenta a morte do filho. “Ele trabalhava comigo, mas também ficava no meio dos garotos lá [tráfico]”.
Leonardo conta que os moradores só conseguiram ter acesso aos corpos depois que pediram a outros policiais militares que estavam fora da favela, e eles chamaram o transporte funerário e a Divisão de Homicídios. Ao ver a imprensa entrando na Cidade de Deus no domingo, Leonardo conta que pediu para que fotografassem seu filho morto. “Deixei tirar foto porque o mundo tem que ver isso”.
Raíssa da Silva Monteiro, de 21 anos, acredita que quando os moradores tiveram acesso bloqueado seus familiares ainda podiam estar vivos. Eles chegaram ao local na noite de sábado, mas só conseguiram entrar no fim da manhã de domingo. “Acho que íamos encontrar eles com vida. Quando chegamos lá, foi um estrago o que a gente viu”, diz ela, que viu a irmã trazer da lama o corpo de seu irmão, Renan da Silva Monteiro, de 20 anos.
A esteticista Gisele Beija afirma que seu sobrinho, de 17 anos, e outros vizinhos observavam a movimentação na favela quando os tiroteios se aproximaram e eles correram para dentro de uma mata. “A partir daí ninguém sabe o que aconteceu. A gente ouviu muito tiro”, diz ela, que acrescenta: “Pelo modo que eles foram encontrados, eles se entregaram. Foi execução, está claro”.
As circunstâncias das mortes estão sendo investigadas pela Polícia Civil, que está realizando diligências para esclarecer os fatos. A Polícia Militar não comentou o caso e disse que a Civil é a responsável pelas investigações, por meio da Divisão de Homicídios.
Roberto Sá, Secretario de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, disse que nenhum excesso será tolerado. “Eu tenho a certeza de que eles [da DH] não vão deixar sem resposta as mortes dessas pessoas que foram encontradas na Cidade de Deus, falei com eles e, podem ter certeza, nós estamos aqui para preservar vidas, nenhum excesso será tolerado, nenhum excesso vai ficar impune, eu confio muito no trabalho da Divisão de Homicídios”
Helicóptero
Já a perícia inicial feita no helicóptero, que caiu na noite de sábado na Avenida Ayrton Sena, perto da Cidade de Deus, e que dava apoio a uma operação contra o tráfico de drogas na comunidade, não encontrou perfurações por arma de fogo. A informação foi dada por Roberto Sá, após participar domingo (20) , no Batalhão de Choque, do velório de três dos quatro policiais mortos no acidente.
Roberto Sá informou que as causas do acidente estão sendo investigadas e que ainda é cedo para descartar qualquer hipótese. “O laudo de necropsia dos quatro policiais que estavam no helicóptero já saiu, a perícia foi muito rápida e muito eficiente, não há perfuração por arma de fogo nos corpos. A perícia está sendo feita pela Delegacia de Homicídios e pela Aeronáutica. Na aeronave, até o momento, não se encontrou nenhum tipo de perfuração, mas é muito cedo ainda para qualquer conclusão. A perícia vai levar mais tempo, para ser uma perícia conclusiva. Então, não se descarta nada até o presente momento”. Segundo o secretário, a PM garantiu que a manutenção da aeronave estava em dia.
UPP
As últimas cenas de violência na Cidade de Deus são decorrentes de um desgaste do projeto da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), implantado na comunidade em 2009, sendo a segunda inaugurada no Rio. A queda do helicóptero da PM e a morte de sete pessoas no último sábado (19), tornaram visível uma situação que vinha piorando há anos na comunidade.
A avaliação é de moradores e de lideranças comunitárias locais, que nesta segunda-feira (21), ainda estavam assustados com os confrontos dos últimos dias entre traficantes, PM e milicianos da vizinha Gardênia Azul.
“A UPP funcionou só até a página 3. Dentro do que está no papel, é uma coisa. A prática foi outra. O grande erro do Estado foi não querer dialogar com as bases cultural e social da comunidade. Acharam que o bom era o que vinha de fora. O projeto não é ruim. Ruim foi a execução do projeto. Precisa agora desenvolver uma ação social com aqueles que têm a vivência da comunidade, para podermos trabalhar o cidadão de amanhã”, disse Sérgio Leal, conhecido como DJ TR, que desenvolve um projeto de boxe e de hip-hop.
Para o produtor cultural Bruno Rafael, a UPP não trouxe o diálogo. “A realidade hoje é difícil. Essa guerra que não é nossa atinge pessoas comuns. É muito triste ver isso acontecendo. A gente fica no meio. Eles acham que vão pacificar, mas na verdade não está pacificando nada. Não procurou outras lideranças para dialogar e ver de que forma eles poderiam se inserir na cultura local. Estavam proibindo festas nas praças. Tem que refazer o projeto. A ideia foi boa, mas para melhorar tem que ter diálogo e saber qual o tipo de projeto que se insere aqui. Cidade de Deus tem um modelo, Complexo [do Alemão] tem outro, Babilônia tem outro e Rocinha tem outro”, disse.
O medo está fazendo com que alguns moradores queiram deixar a Cidade de Deus. “Eu moro há três anos na comunidade e pretendo sair daqui. Fiquei traumatizada com o que aconteceu neste final de semana, estou há três dias sem dormir, com medo. Para mim, a Cidade de Deus vai de mal a pior. Não acredito em UPP e nada que eles dizem que vão fazer em benefício da comunidade. Não deu certo, não dão assistência a ninguém nem respeito aos moradores”, disse uma moradora do Karatê, que pediu para não ser identificada. Ela trabalha como auxiliar de serviços gerais, mas atualmente está desempregada.
Em nota, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, informa que colocou à disposição o efetivo da Força Nacional que está no Rio para “prestar apoio à segurança pública da Cidade de Deus”. A nota informa ainda que o ministro está em contato direto com o secretário estadual de Segurança.
*Com reportagem da Agência Brasil
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