Organizações denunciam violações de direitos humanos em ações na Cracolândia

O "fluxo" da cracolândia, região da Luz, centro de São Paulo. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O “fluxo” da cracolândia, região da Luz, centro de São Paulo. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Representantes de diversas organizações denunciaram, em ato público no Largo General Osório, na capital paulista, arbitrariedades e violações de direitos humanos observadas desde a operação policial no 21 de maio na Cracolândia, que tinha a maior concentração de usuários de drogas na Alameda Dino Bueno. Aquela ação se desdobrou em desapropriações de imóveis, demolição de prédio com pessoas dentro, além do pedido da prefeitura à Justiça para que autorizasse a remoção de pessoas das ruas à força para avaliação médica, o que foi permitido a princípio, mas descartado em decisão judicial posterior.

A advogada e diretora executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Marina Dias, considera fundamental o envolvimento de diferentes organizações em torno do debate sobre ações na Cracolândia.“O que assistimos aqui foi uma série de violações a direitos, desde direitos de ir e vir, direitos de ter acesso a uma saúde pública decente, direito de ter os seus direitos respeitados. O que assistimos aqui foi um ato de extrema truculência e precisamos no unir, porque é algo que, se não fizermos um movimento muito forte, a tendência é termos um autoritarismo cada vez mais crescente”, disse.

Segundo Marina, a Cracolândia é uma questão de saúde pública e não de polícia e o tratamento para o usuário deve ser uma escolha de cada um. “Para ser uma escolha, muitas vezes, você tem que cuidar de outras necessidades que são muito prementes, como você ter direito a ter um lugar para morar, você ter um resgate da dignidade dessas pessoas, que na sua grande maioria tem uma história de negativa de direitos”.

Internação compulsória

Marina avalia que a internação compulsória é uma alternativa para casos extremos de pessoas que estão em situação de risco de vida. “São nessas situações absolutamente pontuais [que a internação compulsória é uma opção] e que devem ser individualizadas e absolutamente justificadas. Se não a gente corre o risco de entrar em um ambiente de totalitarismo”, disse.

A presidenta da Associação dos Juízes para a Democracia (ADJ), Laura Benda, disse que o posicionamento da entidade em relação às ações feitas na Cracolândia é de “absoluto repúdio”. “Entendemos que se trata de uma política autoritária, de intenção higienista, que é então para eliminar os indesejáveis de um determinado espaço da cidade, inclusive para fins de especulação imobiliária certamente e completamente contra o Estado Democrático de Direito”, disse.

Segundo Laura, a desapropriação feita pela prefeitura na região não seguiu o rito processual necessário, o que incluiria inclusive indenizar previamente os proprietários.  “Muito mais grave do que isso [desapropriações] – porque isso seria só no sentido de que não estão seguindo os trâmites previstos na Constituição para nenhum tipo de ação – é a questão do desrespeito aos direitos humanos nessa política. A internação compulsória de um indivíduo por si só é bastante discutível, porque desrespeita toda as diretrizes de política antimanicomial”, disse.

Para Laura, a tendência atual é tratar a questão pelo viés da saúde pública, de acolhimento e de programas multidisciplinares, e não com a possibilidade de internação em massa. “Não tem lógica que o Judiciário decida uma suposta internação de pessoas que nada fizeram, que não praticaram nenhuma conduta criminosa ou delituosa. Ainda que o tivessem feito, teria que ser visto caso a caso”, disse.

O ato reuniu representantes da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, da Associação Juízes para a Democracia (AJD), do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), da Cia. Pessoal do Faroeste, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), da Ouvidoria e do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública, do Centro Acadêmico XI de Agosto (da Faculdade de Direito da USP), do Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais da Faculdade de Direito da USP (CPECC) e do Conselho Municipal de Política sobre Drogas e Álcool (Comuda).

A prefeitura e o governo do estado foram procurados, mas não responderam até a conclusão da reportagem.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.