Os 300 de Charles

Sob qualquer prisma, olhar ou julgamento o livro 300 Discos Mais Importantes da Música Brasileira, organizado por Charles Gavin, é indispensável. Que se dane o preço (ver abaixo). É um marco para quem manja, gosta, quer recordar, entender, mas, principalmente, é uma referência para nossos filhos, para quem precisa aprender e apreender o que somos e de onde viemos. Gavin é baterista dos Titãs. Sabe lá o que é isso? É membro de um octeto que perdeu Marcelo Frommer, Arnaldo Antunes e Nando Reis e que continua aí. Ele, Belloto, Miklos, Britto e Branco. Arrepiando. Levando a diversidade para o palco. Graças aos Titãs ou ao prestígio destes junto à indústria fonográfica, Gavin desde 1998 passou a lidar com o espólio musical brasileiro enfurnado nas prateleiras das gravadoras. Começou relançando os primeiros discos dos Secos & Molhados. Nos anos seguintes, fuçou, achou, recuperou e lançou uma quantidade inimaginável de músicas dadas como perdidas. Afinal, só de discos relançados, são mais de 450. Projetos como Som Livre Masters, RCA Essential Classics, a caixa Todo Caetano e a Série Elenco, com 20 títulos do célebre selo independente, levam sua assinatura. Seu trabalho mais recente nessa área é o livro Bossa Nova e Outras Bossas: Design e Arte das Capas dos LPs, que dividiu com um dos maiores, se não o maior, colecionadores do gênero, Caetano Rodrigues, a quem os 600 títulos exibidos pertencem.

O formato desse livro, 31 X 31 cm, o mesmo tamanho de uma capa de LP de vinil, foi inspirado na série inglesa Illustrated Records dos anos 1970, dedicada exclusivamente à obra de grupos, a começar pelos Beatles e os Rolling Stones. Como o CD ainda não existia, os livros tinham pouco sentido para os fãs que possuíam os álbuns originais. No caso de 300, às pérolas encontradas por Gavin acrescenta-se a feliz escolha dos autores dos textos. Tárik de Souza, Carlos Calado e Arthur Dapieve são jornalistas experimentados e coerentes, que dispensam apostos, cuja classificação seria molhar o chovido. Dignos, em um gênero permeado por modismos, a crítica musical, Tárik, Calado e Dapieve são referências, testemunhas e avaliadores insuspeitos. Ou seja, além da imagem dos discos, o leitor recebe informação direta da fonte, lapidada pelo tempo. Ao lado do trio, Gavin contou com a colaboração de Caetano Rodrigues (bossa nova), Valdir Siqueira (colecionador) e Zeca Loro (do blog Loronix) para a confecção do livro que traz dois CDs, O Último Malandro, de Moreira da Silva (1958), e Baterista Wilson das Neves (1968), de Elza Soares. Não há nada de aleatório nisso. Gavin apresentou o projeto para a Petrobras incluindo dois CDs. A opção primeira seria uma coletânea, “o melhor de…”. Ocorre que as gravadoras, com o tempo, aprenderam o valor do que guardam e passaram a cobrar muito alto pelas cessões de músicas. Elza e Moreira haviam sido liberados para outro projeto.

Por que 300? Porque listas são redondas e 100 seria pouco. Diante de nossa história, como diria Tim Maia citado por Gavin “a música brasileira é a melhor do mundo e a menos divulgada”, 300 é pouco também. Mas já é muito. Dividido por cronologia, 1929 a 1959 (31 discos), 1960 a 1969 (77), 1970 a 1979 (104), 1980 a 1989 (47) e 1990 a 2007 (41),o desfile é completado por escolhas de Gavin, Tárik, Calado, Dapieve, Caetano, Valdir e Loro que criaram, cada um, uma lista dos “30 discos que deviam ter entrado e não entraram”. Aqui Brasileiros seleciona alguns que entraram e outros que não entraram.

DISCOS QUE ENTRARAM

Aracy de Almeida – Noel Rosa (1950 – 1951)

Os dois 78 rpm contendo seis músicas cada foram responsáveis pela redescoberta de um dos maiores nomes de nossa música, falecido em 1937 e praticamente esquecido. Os arranjos pertencem ao maestro Radamés Gnatalli e a capa é de Di Cavalcanti. Págs. 12 e 13

Native Brazilian Music (1987)
Disco lançado pelo Museu Villa-Lobos trazendo 16 das 40 músicas gravadas em 1940 por um grupo reunido por Villa a pedido do colega britânico Leopold Stokowski. Estiveram a bordo do navio SS Uruguai, entre outros, Cartola, Pixinguinha, Donga, João da Bahiana, Jararaca e Ratinho. Págs. 48 e 49

Fa-Tal, Gal A Todo Vapor (1971)

Gravação do show dirigido por Waly Sailormoon, trazendo Gal Costa no auge da carreira. A exemplo de vários discos do livro, o item tem mais fotos além da capa, no caso o precioso interior do álbum duplo criado por Luciano e Oscar Ramos. Págs. 216 a 219

Época de Ouro vols. I e II – Elizeth Cardoso – Zimbo Trio – Jacob do Bandolim (1968)

Um dos highlights da carteira de produções de Hermínio Bello de Carvalho, o disco é por si só um acontecimento. Elizeth foi descoberta nos anos 1930 pelo chorão virtuose e em sua maturidade artística apresentava-se exclusivamente com o trio jazzístico. Para completar a magia, o pianista Amilton Godoy, o baixista Luiz Chaves e o baterista Rubinho Barsotti, o Zimbo, e o bandolinista Jacob Bittencourt só se conheceram no dia do concerto. Pág. 96

Beleléu, Leléu, eu – Itamar Assumpção e Banda Isca de Polícia (1981)

Como os Beatles em Sgt. Pepper’s, Itamar inventou uma banda (que só seria formada de fato para o lançamento do disco e teria como guitarrista Luiz Chagas, colaborador da Brasileiros); como David Bowie no início da carreira, inventou e vestiu um personagem (com o qual passou a ser confundido); como um azougue, tomou a música brasileira de assalto valendo-se dos principais ingredientes dela própria, suingue, criatividade, tradição. Págs. 324 e 325

DISCOS QUE NÃO ENTRARAM
Grande Circo Místico (1983)
Música escrita especialmente para o Balé do Teatro Guaíra, de Curitiba, por Edu Lobo e Chico Buarque e interpretada por Gal Costa, Milton Nascimento, Zizi Possi, Tim Maia, Simone, Gilberto Gil e Jane Duboc.

Dança das Cabeças (1977)
Depois de se encontrarem por acaso em Paris, o percussionista Naná Vasconcelos e o multi-multi Egberto Gismonti gravaram esse disco em três dias no estúdio da ECM norueguesa. Foram direto para a capa da Down Beat.

Estopim (1999)
Quarto disco de Ná Ozzetti, com arranjos de seu irmão Dante, autor das composições ao lado de Luiz Tatit, José Miguel Wisnik, Itamar Assumpção, várias delas em parceria com a própria Ná. Traz ainda Princesa Encantadada dupla Cacique e Pajé

Ouro Negro (2001)
Disco que recuperou a importância dos arranjos do maestro Moacir Santos. CD duplo.


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