Os 90 anos de Norman Mailer

Foto de abertura Tanit Sakakini/ Fotos dos livros reprodução

Normal Mailer

O jornalista e escritor norte-americano Norman Mailer completaria 90 anos nesta quarta-feira, 31 de janeiro. Morto em 2007, aos 84 anos, em decorrência de problemas pulmonares, Mailer foi um dos intelectuais mais provocativos e instigantes do século 20 – ao lado de outros pilares do New Journalism, movimento que elevou o jornalismo à condição de gênero literário sob a pena precisa de autores como Gay Talese, Tom Wolfe, Truman Capote e Gore Vidal.

Figura central para a compreensão das revoluções comportamentais do Pós-Guerra, Mailer atuou como uma espécie de crítico social, dos mais polêmicos, e fez profundas análises sobre as transformações geracionais percebidas na segunda metade do século 20. Nascido em uma família de origem judaica, Norman Kingsley Mailer estudou engenharia aeronáutica em Harvard, e formou-se engenheiro em Paris, na Universidade de Sorbonne. Pouco depois, serviu ao exército norte-americano atuando no Japão e nas Filipinas. A experiência no front inspirou um de seus maiores clássicos, o romance Os Nus e Os Mortos, publicado em 1948.

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Mailer começou a ganhar proeminência na carreira jornalística ao atuar, no início dos anos 1950, como repórter e cofundador do jornal Village Voice ao lado de Dan Wolf e Ed Fancher. Escreveu outros 38 títulos, entre livros-reportagens, coletâneas de contos, romances, biografias, como sua célebre leitura da vida e obra de Marylin Monroe, e ensaios divisores como The White Negro. Publicado em 1957, pela City Light Books, do poeta Lawrence Ferlinghetti, o ensaio antecipa que as manifestações contraculturais dos anos 1950 e 60 teriam origem na absorção de elementos da cultura negra por parte de jovens brancos americanos nas décadas de 1930 e 1940, os chamados hipsters – hoje, novamente em voga, mas em um contexto absolutamente frívolo, diga-se. Mailer argumenta sua tese, sobretudo, partindo da influência capital que o jazz dos negros exerceria sobre a juventude nascida no Pós-Guerra. Branco, de ascendência judaica, o clarinetista e saxofonista de jazz Mezz Mezzrow é um dos personagens que sustentam a teoria de Mailer.

Reiterando a tese do jornalista, a própria editora que publicou The White Negro, se tornaria vitrine de outros embriões das transformações comportamentais da juventude dos anos 1960. Foi na City Lights que Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Gregory Corso, Neal Cassady e o próprio Ferlinghetti, entre outros, encontraram espaço para publicar livros que se tornariam “bíblias” dessa nova geração, como On The Road (Kerouac) e Uivo! (Ginsberg). Defensores de um pensamento libertário e de um existencialismo despudorado, como Mailer, os pontas de lança da geração beat, como foi denominado o movimento literário, também assumiram a enorme influência do jazz – sobretudo o improviso livre do be-bop – para suas criações literárias.

Sempre integrado às questões de seu tempo, Mailer foi também um dos maiores opositores da Guerra do Vietnam e tornou-se porta-voz da juventude que não concordava com os caminhos conservadores que a América tomava, sob a condução de Richard Nixon. Em 1967, ano em que o psicodelismo e a contracultura chegou ao ápice, Mailer publicou o livro-reportagem Os Exércitos da Noite, que narra a grande marcha pacifista que levou milhares de jovens a Washington D.C. para protestarem contra a Guerra do Vietnam. O livro rendeu a Mailer o primeiro prêmio Pullitzer, em 1969. Em 1980, ele seria novamente laureado com a maior premiação literária de seu país, com o romance A Canção do Carrasco, baseado na história do assassino Gary Gilmore – como em toda sua produção, a faceta romanesca de Mailer também foi permeada pelo misto de fato e ficção que em seu país ganhou o trocadilho faction (misto de fact e fiction).

Na vida pessoal, Mailer foi também figura controversa. Boêmio incorrigível, afeito a brigas e mulherengo – foi casado por seis vezes e teve nove filhos – o jornalista foi acusado de machismo não só pelas inúmeras relações extra-conjugais que teve, mas por, bêbado, durante uma briga, ter agredido com um canivete sua segunda ex-mulher, Adele Morales, com quem teve as filhas Elizabeth e Danielle, tornando-se alvo de severas críticas de feministas, embora a própria Adele tenha saído em defesa do escritor, após o episódio e em seu livro de memórias The Last Party, publicado em 1997.

Nestes dias em que parte da imprensa brasileira vem sendo alvo de severas críticas pela falta de ética e profundidade na cobertura da tragédia de Santa Maria, nunca é demais lembrar o exemplo de alguém como Mailer que, há tempos, explicitou o óbvio: ofício do jornalismo é, sobretudo, pautado pela coerência de formar opinião a partir do máximo de dados esclarecedores, informação com profundidade e não pela prática de disseminar verdades frívolas, absolutas e, o pior, de um sensacionalismo abjeto e desprezível.

Viva, Mailer!


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