Os caminhos da educação no Brasil

Os contrastes educacionais brasileiros ainda são evidentes em algumas regiões distantes dos centros do País. Não estão refletidos apenas nos indicadores sociais mundiais, mas também nas observações de especialistas e estudiosos do tema que não cansam de propor mudanças na educação do Brasil, como a recente aprovação e sanção do Plano Nacional da Educação, em junho, que estabeleceu o início de uma prometida reforma no sistema educacional brasileiro, um dos poucos consensos entre políticos, sociedade civil e população em geral, que expressou este desejo nas manifestações de 2013. Apesar disso, o Brasil ainda tem posições ruins nos rankings de educação mundiais: entre 87 países, é o 79° colocado na tabela de analfabetismo, com 10% de pessoas nesta situação, um dado que, porém, revela o fracasso das antigas políticas educacionais, já que a maior parte destes analfabetos são maiores de cinquenta anos, segundo a UNESCO.

Financeiramente, a tendência é de melhora com o PNE, que vai destinar 10% do PIB para o setor. Hoje, somos a 49ª nação que mais gasta com educação no mundo (5,8% do PIB), distante de Cuba, melhor latino-americano do ranking (12,8%) e de Lesotho, surpreendente africano líder neste quesito (13’%), de acordo com a CIA; e a sua melhor universidade, a USP, é considerada a 131ª mais bem avaliada pelo Center for World University Rankings, que pontua as melhores instituições de ensino superior do mundo. O Brasil é latino-americano com o maior número de faculdades da lista: 18. 

Universalização da pré-escola e metas orçamentárias

Daniel Cara, coordenador da Campanha do Plano Nacional de Educação. Foto: Agência Câmara
Daniel Cara, coordenador da Campanha do Plano Nacional de Educação. Foto: Agência Câmara

Daniel Cara

Coordenador da Campanha Nacional do Direito à Educação

“O desafio para a educação nos próximos anos é a implementação do Plano Nacional de Educação, sancionado em 2014 pela presidente Dilma Rousseff. São duas demandas que devem constar nos planos do próximo administrador do País: a universalização da pré-escola, do ensino fundamental e do ensino médio, replicando em metas que permitam o acesso de crianças de 4 até adolescentes de 17 anos nas escolas, e a determinação de metas orçamentárias para o plano, avaliando que nível estamos e, principalmente, dar o primeiro passo na organização do plano de educação. O desafio da educação precisa ser, enfim, também uma agenda de Estado”.

O papel do professor

Foto: Reprodução

José Marcelino de Rezende Pinto
Doutor em educação, professor da FFLCH/USP de Ribeirão Preto e criador do índice CAQi

“O Brasil teve avanços significativos nos últimos anos, mas mais por mobilizações sociais do que por iniciativas do governo. As mais significativas delas, acredito, sejam a inclusão do programa de creches no FUNDEP e a aprovação do Plano Nacional de Educação neste ano. A educação superior expandiu bastante, mas fortaleceu a privatização das instituições e não melhorou, de fato, a qualidade do ensino universitário, ainda que o segundo governo Lula tenha dado uma atenção melhor ao tema se tratando de faculdades públicas. O principal desafio é continuar ampliando o atendimento para que cada vez mais pessoas tenham acesso à educação básica e que não seja apenas o ensino como é atualmente, mas que forme um cidadão para a sociedade, para o mercado de trabalho, para a vida, enfim. É preciso, também, que haja um reconhecimento do papel do professor, que hoje não tem o reconhecimento social e econômico que ele precisa. Um profissional de matemática, de química, de física, pega o seu diploma e não quer dar aulas. Por que isso acontece? Porque não é interessante. Então, eu diria que o lugar onde queremos chegar é uma melhora considerável na formação dos professores e no reconhecimento do trabalho deles em todas as esferas e uma ampliação do atendimento e da qualidade da educação”.

Pobreza como obstáculo para a educação

Samira Zaidan
Professora da Universidade Federal de Minas Gerais e ex-diretora da Faculdade de Educação (FaE)

Foto: UFMG
Foto: UFMG
“A universalização da educação brasileira é uma ação governamental de 1990 pra cá, mas o maior desafio ainda é uma educação de boa qualidade para todos. Para essa ampliação, eu poderia elencar alguns fatores que teriam bons resultados: em primeiro lugar, ainda temos más condições físicas das escolas no interior do Brasil, digo espaços para recreação, quadras, estruturas bonitas e acolhedoras, por exemplo. Em segundo lugar, eu acho que podemos falar na ampliação do universo sociocultural do professor, ou seja, aumento do salário, que é muito baixo, e facilidades de acesso ao cinema, ao teatro, em exposições, por exemplo, porque o professor tem que ser formador de conhecimento escolar, mas, sobretudo, favorecer o acesso dos estudantes aos bens culturais disponíveis. Em terceiro, a fixação do professor nas escolas, com jornadas integrais e com tempos específicos para estudos e planejamentos. Em quarto lugar, a discussão sobre o número de alunos por sala, que eu considero uma ideia chave, porque precisa de uma diminuição relevante nesse volume e, por último, uma formação única para os professores, que atualmente precisam de alguns cursos universitários para conseguir um padrão de qualidade importante. Queremos, enfim, o desenvolvimento das principais propostas da Conferência Nacional de Educação (CONAE) e continuar caminhando – porque estamos caminhando com ações do governo e da sociedade – nas pautas colocadas pela CONAE. Há uma discussão também sobre a autonomia do sistema educacional, para que não sofra mudanças de governos sucessivos, mas tenha uma instituição própria, com os fóruns, os conselhos, etc. E há dois fatores determinantes em tudo isso: a pobreza e o tamanho do país. Nós estamos saindo dessa situação de pobreza agora, e ainda tropeçamos em problemas desse tipo, principalmente em locais distantes dos grandes centros. Como o aluno vai aprender se ele está com fome? Como ele vai aprender se tem que andar uma hora e meia pra chegar a uma escola? São situações que existem no Brasil afora. Temos muitos problemas, mas estamos caminhando e a tendência é só melhorar.”

Atendimento educacional para todos

Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Paula Louzano

Doutora em Educação pela Universidade de Harvard e pesquisadora da Universidade de São Paulo

“Os principais desafios e os objetivos para um futuro breve são proporcionar uma educação de qualidade para todos, onde a renda das famílias não seja determinante para a escolaridade das pessoas. Se pegarmos as médias dos indicadores sociais, o Brasil abriga pessoas que têm condições para uma educação acima dessas médias e outras que estão muito abaixo delas. Portanto, a média esconde diferenças. Se meu filho tem que aprender a ler no primeiro ano, o filho da pessoa mais pobre do Brasil precisa aprender a ler no primeiro ano. É preciso criar uma agenda educacional que foque programas aos mais pobres, porque eles é que necessitam de um acesso maior às escolas no País que vivemos hoje. Também precisamos entender o que compõe a formação de bom professor, porque isso ainda não está bem claro, em um País onde ainda temos profissionais se formando a distância ou que são improvisados de outras áreas”.

Em agosto, a edição impressa de Brasileiros trará várias opiniões sobre alguns setores da vida brasileira e os seus principais indicadores sociais, entre eles o sistema educacional. O material faz parte da reportagem intitulada “O que queremos do Brasil”.


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