Uma das homenageadas do evento de cinema de Sergipe deste ano, a jornalista Maria do Rosário Caetano, diz que um festival só se segura se tiver uma boa seleção de filmes, ainda mais no Brasil, onde temos mais de duzentos festivais espalhados por todas as regiões do País. O Curta-SE é mais um deles, e um dos bons. Se saiu muito bem na noite de quarta-feira (15), com uma boa seleção de curtas em 35 mm em competição. Até mesmo alguns vídeos produzidos na região de Sergipe não fizeram feio. Vamos aos filmes:
Diversidade temática e de estilo
A primeira mostra competitiva de curta em 35 mm aconteceu ontem à noite, dia 15 de setembro, em uma sala da rede Cinemark em um dos shoppings de Aracaju, e trouxe dois filmes espanhóis; o bem intencionado Amona Putz!, de Telmo Esnal, que aborda, de forma engraçada, daí sua natureza perversa, a maneira como os jovens tratam os idosos. No filme, a “vovó”, vira literalmente um utensílio de plástico, servindo apenas para cuidar de três crianças de um casal que vai acampar, nada mais cruel.
O outro filme espanhol exibido logo após Amona Putz! foi Mie², de Iván Ruiz Flores. O filme fala sobre a incomunicabilidade, mostrada de forma metafórica, entre um casal. Temos a sensação de que eles vivem em mundos paralelos. Apesar de bem construído, o filme peca pela pretensão em algumas situações e o uso excessivo dos diálogos, que muitas vezes não se comunicam entre si, e aí somos nós que não nos comunicamos com o filme.
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A seleção de curtas nacionais se saiu melhor no quesito qualidade. Começou com o inventivo e divertido O Divino, de Repente, de Fábio Yamaji, que segundo nos falaram, ganhou mais de 70 prêmios nos festivais que participou. O narrador do filme, um personagem real (um dos muitos nordestinos que vão tentar a vida na cidade grande, nesse caso São Paulo), conta em embolada ou repente as histórias anedóticas que são passadas, na região Nordeste, de uma geração para outra. Como embolada ou repente é cantada de forma rápida, e o sotaque do narrador é bastante carregado, o diretor, de forma inteligente, utiliza a animação para ilustrar o que ele vai contando/cantando. A plateia se divertiu muito com os “causos”.
O curta Senhoras, de Adriana Vasconcellos, tratou da velhice, assim como o espanhol Amona Putz!, mas de forma bastante séria e trágica. O ponto nevrálgico do filme é a solidão que acompanha a idade, nesse caso, a de duas velhas senhoras, mãe e filha. A filha cuida da mãe que vive presa em cima de uma cama, vagueando em pensamentos desencontrados, esquecendo da vida de outrora. Esquecimento parece não ser só o sentimento que a mãe tem quando a filha deixa de ir até seu quarto, mas a sensação do próprio espectador que assiste ao filme, que se vê diante da fragilidade da vida humana nesse caso.
Outro destaque da seleção de ontem foi Azul, de Eric Laurence, que fala da relação entre uma mãe nordestina com seu, ao que parece, único filho. O filme se inicia com uma belíssima fotografia, quando a mãe deixa sua casa, no descampado, coberto por um infinito azul. Ele carrega uma carta do seu filho ausente, para ser lida por uma vizinha. As palavras escritas pelo filho ajudam a aplacar sua espera exasperante. O filho retorna à casa e ela vai recebê-lo, já devidamente penteada e perfumada. As mães nordestinas têm uma relação bastante amorosa com os filhos homens, que beira a possessividade, uma relação quase carnal. O diretor usa a ausência das palavras para tratar da espera dessa mãe, que não tem fim, assim como nunca acaba o céu azul que abriga aqueles seres.
Prata da casa
O longa em competição, exibido no segundo dia do festival, foi Domingos, de Maria Ribeiro, que fala do nosso “Woddy Allen dos trópicos”, o diretor, teatrólogo e nas horas vagas, se é que as as têm, ator, Domingos de Oliveira. O filme traz fragmentos (lembranças) do diretor sobre seus filmes, e, consequentemente, sobre sua própria existência e os sentidos de sua sua vida. Uma das cenas mais interessantes do filme é quando Domingos reconhece que seus filmes são veículos para ele se mostrar por inteiro, mas essa auto-exibição o torna indecifrável, mostrando a dialética da arte.
A mostra competitiva dos vídeos sergipanos foi exibida por último. Entre os cinco filmes exibidos, vale destacar o documentário Dona, Josefa: A Guia da Serra, da diretora Rita Simone. O filme conta a história da senhora que diz ter ajudado a trazer ao mundo mais de duas mil crianças, e que nunca uma criança morreu desses partos. Mesmo acreditando na eficácia dos seus serviços, Dona Josefa reconhece que não pode fazer tudo, em uma demonstração de humildade. Quando uma mulher não pode realizar um parto normal, ela a encaminha para o hospital. Uma bela história do nosso povo, que não foi afetado pelo consumismo e pela indústria de massa desses tempos insanos e profanos.
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