Os desafios de Maria

Maria Ribeiro quer se surpreender. Aos 34 anos, a atriz, que despontou nos anos 1990 como parte do elenco da peça – depois série de TV – Confissões de Adolescente, busca desafios. Vinda de uma família sem vínculos diretos com as artes, seu primeiro interesse foi pelo jornalismo, profissão na qual é formada. A veia dramática, no entanto, falou mais alto. Em pouco tempo, o teatro, no início encarado apenas como atividade extracurricular, passou a ser praticado em tempo integral.

Fez novelas na Rede Globo e hoje é contratada da Record. Vê em sua estreia no cinema, com Tolerância (2003), de Carlos Gerbase, uma atitude quase política. Queria realmente chocar a família e romper com uma imagem de menina boazinha que seus papéis na TV poderiam sugerir. Hoje, confessa que as ousadas cenas de sexo do filme a deixam constrangida. “Vou ter de comprar todas as cópias para que meus filhos nunca vejam”, brinca.
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No ano passado, abriu o festival de cinema É Tudo Verdade, estreando na direção com o documentário Domingos, sobre o cineasta, ator, mentor e amigo Domingos Oliveira. Gostou da experiência e pretende dirigir outros filmes, inclusive um texto de ficção no qual já está trabalhando. Começou os ensaios para Tropa de Elite 2 quando estava grávida de oito meses, e as filmagens, apenas um mês após dar luz a Bento, seu segundo filho. Em entrevista a Brasileiros, fala sobre sua trajetória e de como foi seu reencontro com a personagem Rosane, mulher do capitão Nascimento no primeiro Tropa de Elite.

Brasileiros – Você não vem de um núcleo familiar ligado às artes. Estudou jornalismo, mas acabou por seguir a carreira de atriz. Como foi isso?
Maria Ribeiro –
É. Eu venho de uma família muito conservadora. Sempre gostei muito de teatro. Na verdade, desde menina eu sempre gostei de brincar de ser outra pessoa. Olhando agora para trás, acho que sempre foi muito clara a minha inclinação para ser atriz. Mas não era algo viável dentro da minha estrutura familiar. Na verdade, não pegava bem. Como eu sempre fui representante de turma, sempre falei bem, sempre gostei de escrever, achei que o jornalismo fosse o meu caminho. Só que decidi fazer teatro como uma atividade extracurricular. Fazia balé e teatro. Acabei sendo tomada pelo teatro e, quando vi, já estava em uma companhia e estreando peças. Aí, eu já era atriz e não dava mais para voltar atrás.

Brasileiros – Você começou a chamar a atenção com Confissões de Adolescente. Como o texto chegou às suas mãos?
M.R. –
O diretor era o Domingos Oliveira e o texto era da filha dele, a Maria Mariana. Foi um professor meu no Tablado quem me indicou para o Domingos, e eu fui fazer um teste. Passei e, a partir daí, iniciou-se uma relação muito forte minha com o Domingos. Acabamos fazendo uma sequência de uns dez trabalhos juntos.

Brasileiros – Domingos Oliveira, inclusive, é o foco de sua estreia como diretora. Como surgiu esse projeto?
M.R. –
O Domingos praticamente me formou. É certamente uma das pessoas mais importantes na minha carreira. Ele tem um tipo de dramaturgia com a qual eu me identifico muito. Dialoga com o Woody Allen. Digo dialoga porque os dois são contemporâneos. Não é uma coisa que ele tenha herdado do Woody Allen, como muita gente pode pensar. Ele fez Todas as Mulheres do Mundo, em 1966. O Domingos tem essa coisa de falar de coisas cotidianas de forma quase universal. Falar da filha dele, da mulher dele, da vida dele e, ao mesmo tempo, falar de todo mundo. Ele encontra poesia em coisas aparentemente prosaicas. Então, quando eu o conheci, foi um encontro também com o tipo de dramaturgia que eu queria fazer. Tem uma coisa romântica e humanística nele. Ele é meio hippie até. E quando eu o conheci, decidi que era esse bonde que eu queria seguir. Como ele também se identificou comigo, a parceria acabou rendendo bastante. A história do documentário surge com nossa convivência. Eu vivia repetindo frases dele em conversas com amigos. E percebi o quanto ele era importante e influente na minha formação. Então, decidi começar a registrar esses nossos encontros, ainda sem saber exatamente o que eu pretendia fazer. Esse processo durou sete anos. Nessa, eu acabei tendo a oportunidade de filmá-lo em momentos cotidianos, aos quais poucas pessoas têm acesso. Então, juntei esse material e mandei para a Jordana Berg, que é montadora do Eduardo Coutinho. Mandei para o pessoal do É Tudo Verdade (Festival de Documentários) e eles aprovaram. Gostaram tanto que acabei abrindo o festival no ano passado.

Brasileiros – Na época do É Tudo Verdade, li algumas declarações suas dizendo que não devíamos esperar por uma guinada para a direção de cinema de sua parte. Mas, agora, você já fala em outros projetos, como um documentário sobre o grupo Los Hermanos e até um filme de ficção.
M.R. –
Pois é, inclusive a história do documentário sobre o Los Hermanos parece que não vai rolar, porque eu insisti bastante com eles, mas eles não querem. Na verdade, meu projeto era sobre o reencontro da banda. Mas eles são super reservados e eu gosto muito deles e não quero ficar enchendo o saco (risos). Mas tenho outros projetos na cabeça. Eu tenho vontade de ser dona da minha carreira. Eu tenho esse projeto de ficção, cujo roteiro ainda estou escrevendo. Mas não dá para falar nada ainda, pois está bem no começo. Acho que nem é um desejo de dirigir, mas sim de contar algumas histórias. Como só vou saber contar essas histórias do jeito que eu quero, então eu penso: “Por que não dirigir?”. É difícil assumir todo o processo, mas acho que, nesse caso, tem de ser assim. Não há esse desejo de controlar todo o processo. Ser só atriz é mais gostoso até.

Brasileiros – Há pouco tempo, você declarou querer romper com a imagem de moça certinha que alguns personagens de TV imprimiram em você. Mas em sua estreia no cinema, em Tolerância, você já rompia com isso. As famosas cenas de sexo do filme são comentadas até hoje.
M.R. –
Eu gosto de romper com alguns modelos que as pessoas possam fazer de mim. Acho que, em Tolerância, foi muito importante, porque era uma atitude quase política. Eu tinha mesmo uma intenção de chocar minha família. Hoje, acho que vou ter de comprar todas as cópias para que meus filhos nunca vejam (risos). Mas foi uma grande experiência. O que não gosto é que, às vezes, as pessoas fazem de mim uma imagem de atriz séria e eu não sou assim.

Brasileiros – Você também disse que entre você e Caio Blat, seu marido, havia um acordo de nunca atuarem juntos. Recentemente, vocês contracenaram em Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos. O que influenciou tal mudança?
M.R. –
Hoje em dia, a vida privada dos atores, principalmente dos que fazem TV, fica muito escancarada. Então, decidimos manter um mínimo de mistério sobre nossa vida pessoal. O ideal seria que as pessoas soubessem o mínimo possível sobre nossas vidas. Assim, daria mais credibilidade aos personagens. Mas isso hoje em dia já não é possível. Todo mundo sabe que somos casados, então evitamos ao máximo fazer um casal. Só que esse roteiro nos encantou. É um triângulo amoroso. E acho que isso chamou mais a atenção, pois, se fosse só o casal fechado, talvez não topássemos fazer o trabalho para não parecer que era propaganda do casal. É o avesso do que vivemos, afinal, era um casal em crise. E acabamos gostando bastante do resultado final. A gente gosta bastante do filme.

Brasileiros – Como funciona seu processo para a escolha de um personagem?
M.R. –
É bem na base da intuição, sabia? No momento, tenho sido chamada para fazer muita coisa no teatro, mas não tenho aceitado nada. Afinal, sou mãe de um bebê de sete meses. Mas, normalmente, vou pelo desafio. Procuro coisas que ainda não fiz. Se acho que é alguma coisa que não vou conseguir, aí eu faço! Quando é algo que acho que vou tirar de letra, tenho menos vontade de fazer. Quero agora abraçar mais desafios. Eu quero me surpreender também.

Brasileiros – Falando na maternidade, você começou os ensaios com oito meses de gravidez e iniciou as filmagens um mês depois de dar à luz.
M.R. –
A preparação, grávida, foi legal. Embora tenha um esforço físico, no final da gravidez você já não vê a hora de que o nenê nasça. Para mim, trabalhar nos 45 do segundo tempo, foi legal. Afinal, gosto de trabalhar, e o Tropa é um projeto muito especial. Agora, filmar com um bebê de um mês em casa foi duro, embora eu tenha tido certa proteção da produção. Eu podia levar o Bento para as filmagens quando necessário. Na medida do possível, ficava menos tempo no set. Então, fui protegida um pouco. Mas foi duro também.

Brasileiros – Você sentiu o peso de estar trabalhando na sequência de um filme tão aguardado?
M.R. –
É bem tenso. Eu chego a ficar incomodada porque o importante para o Zé Padilha é que o filme seja bom. Conte uma história. Está muito além desse burburinho. Acho que o Padilha jamais teria feito uma sequên-cia se ele não tivesse o que dizer. O que a gente quer é que o filme seja tão bom quanto o primeiro. Se vai gerar polêmica, o que a maioria fica esperando, é o menos importante. O Padilha tem essa preocupação. Ele quer chamar a atenção para esses temas. Abrir para o debate. Ele quer falar do Brasil. Aí está a diferença entre ele e o Domingos, por exemplo. Ele não está numa de falar da vida privada. Ele quer levantar assuntos. Ele gosta de debater. Discutir. Pensar o Brasil. Ele quer provocar discussão. Se vai fazer muito ou pouca bilheteria, é o que menos importa. Aliás, não acho que o sucesso seja medida para nada. Nem tudo o que faz sucesso é realmente bom.

Brasileiros – Você e o Padilha são primos. Até que ponto a relação familiar ajuda ou atrapalha na relação profissional?
M.R. –
Eu acho que atrapalhar, não atrapalha. Mas acho que faltou pouco, por exemplo, para que eu não ficasse com o papel. Porque o Zé é muito profissional. E ele ficou com certo pudor de colocar a prima. Eu me lembro de ficar cobrando dele e ele despistando. Mas, mesmo assim, foi tudo muito profissional. Eu fiz três testes com a Fátima (Toledo, preparadora de elenco). Então, não sei se o fato de ser prima dele ajudou. Talvez, se não fosse, teria feito um teste só.

Brasileiros – Soube que sua personagem, a Rosane, mulher do capitão Nascimento, era diferente no roteiro do filme. Você teria dado certas características mais fortes à personagem durante a preparação ainda para o primeiro filme. Tudo teria saído de um desentendimento entre você e o Wagner. Como foi isso?
M.R. –
Na verdade, não houve bem um desentendimento entre mim e o Wagner. É que o processo de preparação da Fátima Toledo inclui certa aproximação física. Nós estávamos construindo um casal em crise. Afinal, era uma mulher que ficou grávida e teve do marido a promessa de abandonar o BOPE e, de repente, esse cara descumpre a promessa e, aliás, começa a optar mais pelo policial dentro dele. O que acontece no Tropa é que aquele personagem simplesmente não consegue sair daquilo ali. E ela fica tentando preservar a família. Então, estávamos criando um casal vivendo uma situação limite. Para isso, a gente discutia mesmo nas improvisações. E a Fátima tem essa coisa física de tapa na cara e tal. E numa dessas, o Wagner me deu um tapa e eu virei uma onça. E acho que essa personagem meio que nasceu aí. Porque é duro você tomar um tapa na cara (risos). Foi horrível.

Brasileiros – Em Tropa de Elite 2, já se passaram dez anos desde os acontecimentos do primeiro filme, e os personagens passaram por uma porção de coisas, a realidade é outra. Então, trata-se de reinventar esses personagens.
M.R. –
Nesse caso, acho que a experiência da maternidade acaba sendo o mais difícil. Porque no Tropa de Elite 2 o casal tem um filho adolescente. Eu já sou mãe, mas de um filho de sete anos (João) e um bebê de sete meses (Bento). É bem diferente. Então, eu tive de construir essa mãe. Mas acho que o mais importante no personagem, cuja função principal é ser mãe, é como explicar para esse filho, a caminho da idade adulta, o que o pai dele faz. Como mediar essa relação? O que importa aí é que ela tem um filho e quer criar uma pessoa especial para o mundo. E, para isso, ela tem de falar a verdade para o filho dela. Uma pessoa com 15 anos está na fase de questionar tudo. E aí entra em um grande dilema: como explicar para este filho que o pai dele já matou pessoas? E aí entra também a questão política. A questão da segurança no Rio de Janeiro. O próprio personagem do Wagner Moura, o capitão Nascimento, como na vida real, não deve ter entrado para a polícia com a intenção de matar pessoas. Quero crer que as pessoas que optam por essa carreira entram por uma questão ideológica. Ninguém vira policial para matar pessoas. Só que o meio pode transformar a pessoa.

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