Os dois lados da Raposa Serra do Sol

Os arrozeiros
No início era o caos, mas os raios de sol sobre as águas abundantes que desciam das montanhas tornavam o lugar perfeito para o crescimento do arroz dos Itikawa. Este lugar idílico é Roraima, estado natal de Izabel Itikawa, filha de pais cearenses que vinham em busca de melhores oportunidades de negócios em uma região ainda pouco explorada economicamente para além do garimpo. Seus pais eram pecuaristas, e ela conta que brincava com os índios que viviam “nas imediações” da fazenda. Nesta gênese da história do desenvolvimento econômico da região, em que brancos e índios brincavam juntos sob o clima aprazível, a boa e fértil terra da fazenda de seus pais estava disponível para ser semeada, já que a pecuária extensiva subaproveitava os recursos naturais. Desde os tempos de Marechal Rondon, aquelas terras ainda careciam de um projeto regional capaz de impulsionar o povoamento e o crescimento econômico. No início dos anos 1980, depois de várias tentativas malogradas dos projetos de colonização, o governo do Brasil contrata para o então território federal um profissional que deveria apontar “a vocação econômica de Roraima”. Era Nelson Itikawa, nascido no Paraná, engenheiro agrônomo, produtor de arroz e futuro marido de Izabel. Na fazenda de Izabel, cujo nome de solteira é Izabel Cristina Rocha Ferreira, o casal testaria a viabilidade da rizicultura. Começaram com sete hectares. Hoje, suas terras, que incluem a fazenda original e mais as fazendas Carnaúba e Vizeu, somam mais de 7.000 hectares destinados à produção de arroz. Em 1994, construíram uma fábrica de beneficiamento nas imediações de Boa Vista que, atualmente, é a segunda maior do Estado no ramo. Sua atuação estende-se por boa parte da região Norte do País. A história de amor do casal Itikawa parece mesmo enredar-se com a de seus negócios. Para Izabel, a união foi um casamento perfeito entre as terras de sua família e o conhecimento de seu marido. Nestes 27 anos de casados, as sementes do arroz trazidas por Nelson fizeram brotar na fazenda da família a prosperidade que Roraima tanto necessitava. “Decidimos juntos construir um patrimônio que pudesse contribuir com o desenvolvimento da região”, diz Izabel.

Na primeira metade da década de 1990, enquanto se expandia a produção de arroz no Estado, a construção da usina de beneficiamento exigia o sacrifício pessoal de Izabel. Com filhos pequenos, ela tem de combinar seus esforços de mãe com os de empreendedora em vias de estender suas atividades para a agroindústria. Ela precisa dedicar-se integralmente às atividades da Empresa Itikawa. A educação dos filhos foi feita ali, em meio aos improvisados barracões da recém-criada fábrica: “Eu lembro que eu trazia as crianças pequenininhas para cá, brincavam aqui quando nem tinha escritório, era ali fora, não tinha porta, era uma lona, foi com muita dificuldade, não tinha piso, e eu acreditei, eu ainda acredito no meu País”. É na justa medida de seu sacrifício para erguer a um só tempo seu patrimônio e o “desenvolvimento da Amazônia” que Izabel, agora, protesta contra a decisão do Supremo Tribunal Federal que garantiu a demarcação contínua da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol e determinou a desintrusão (processo de retirada ou remoção dos ocupantes ou invasores dos limites das terras indígenas já reconhecidas e demarcadas pelo Governo Federal, considerada exclusiva aos membros pertencentes àquela comunidade) das três fazendas da Empresa Itikawa, áreas de propriedade de não-índios no interior da reserva.

Resignada e nervosa, Izabel diz que o conflito em escalada crescente na região desde a primeira demarcação, em 2005, não opõe índios e arrozeiros. “Dizem que aqui há duas situações, a briga entre os índios e os arrozeiros. Eu sou brasileira, roraimense, e filha de cearenses que vieram contribuir com o desenvolvimento de Roraima. Eu não tenho nada contra índio, não. Eu cresci convivendo e brincando com índio.” Sua posição resume a de outros produtores de arroz e mesmo a de parte considerável da população branca de Roraima que compartilham de uma série de desconfianças em relação às disputas que envolvem a questão da demarcação. Na visão destes, a demarcação da reserva passa menos pelo reconhecimento do direito indígena que por interesses mais amplos: um projeto internacional de intervenção na Amazônia para o bloqueio da expansão econômica da região. A produção de arroz, atividade orientada para o desenvolvimento regional e nacional, seria um empecilho para a eventual exploração de recursos minerais e da biodiversidade por conglomerados de ONGs e empresas transnacionais que, sob o argumento preservacionista, defendem o despovoamento da região e veem nos índios interlocutores mais facilmente influenciáveis que os arrozeiros, instruídos na defesa de posições nacionalistas. “O que está em jogo é a exploração de minério que está no nosso pé. Eu não tenho culpa de ter nascido em uma região onde o meu subsolo é rico em minério”, diz Izabel.
[nggallery id=15422]

Mas então resta a pergunta: como o mítico passado de convivência pacífica entre brancos e índios, momento do avanço dos produtores de arroz em terras quase virgens, abundantes e férteis, deu lugar a uma situação tão conflituosa? A resposta é a chamada “intervenção estrangeira”. Paulo César Quartiero, líder dos arrozeiros, diz que a primeira intervenção estrangeira em Roraima veio da parte da Igreja Católica. Ainda nos anos 1970, padres missionários de origem africana, sobretudo angolanos e moçambicanos, surgem na região e enganam os fazendeiros que, segundo Quartiero, “eram católicos e construíram as primeiras igrejas para que os padres pudessem trabalhar”. Uma vez instalados na região, eles teriam mostrado suas reais intenções: criar um conflito em terras onde as crianças brancas “brincavam com os índios, numa região em que não havia problemas”. Tais padres não teriam feito nada além de “trazer o ódio racial”. A versão moderna desta forma de intervencionismo externo na ambiência pacífica do local, seriam as ONGs estrangeiras. Estas completariam o “trabalho de lavagem cerebral nos índios” iniciado pelos religiosos e que conduziria à criação do Conselho Indígena de Roraima (CIR), entidade apoiada por ONGs internacionais, e que lidera os esforços de defesa da demarcação contínua da reserva.

O que pode parecer uma implausível teoria conspiratória é um argumento bastante corrente na opinião de parte dos moradores de Boa Vista que, alertados pelas ocorrências de biopirataria internacional na região amazônica, se opõem à demarcação contínua. A formulação mais bem acabada desta hipótese parece estar no livro Máfia Verde 2 – Ambientalismo: Novo Colonialismo. Um de seus autores é Lorenzo Carrasco, primeiro dos depoentes da CPI das ONGs no Senado. O livro apresenta-se como uma proposta de “conscientização em prol do desenvolvimentismo socioeconômico e da defesa do Estado Nacional contra as ingerências exógenas deletérias, como a representada pelo aparato ambientalista-indigenista e seu exército irregular de organizações não governamentais”. Os autores situam os conflitos pela demarcação no quadro de uma “guerra de quarta geração” em que ONGs seriam formas de intervenção mais sofisticadas que exércitos regulares. “Tanto o ambientalismo como o indigenismo são ideologias anticivilizatórias, misantrópicas, anticientíficas e politicamente motivadas. Uma pretende um direito próprio ao meio ambiente, elevando a sua ‘proteção’ à condição de valor supremo para a organização da sociedade e a economia. A outra tenciona estabelecer uma segregação física e moral das populações indígenas, considerando-as inaptas às condições do progresso”, diz o livro.

Conspiração ou não, as opiniões de parte dos roraimenses que não acreditam na demarcação da reserva é de que, deixados a sua própria sorte, os índios vão “retornar à Idade da Pedra”, caos em que estariam antes da chegada dos arrozeiros.

Os índios
Sob o teto de uma maloca de quase seis metros de altura, lideranças indígenas de diversas etnias locais discutiam o incerto futuro da reserva Raposa Serra do Sol, no último dia 26 de abril. Os chamados Tuchawas, representantes das etnias Macuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona, têm, na comunidade de Maturuca, sul da reserva, sua “capital”. A comunidade, local frequente de debates e comemorações comuns, ganhou o apelido de “Brasília”, centro político de toda a área demarcada. Foi ali que, 32 anos antes, neste mesmo dia 26 de abril, foi criado o Conselho Indígena de Roraima (CIR). O CIR foi originalmente pensado como uma organização para conter o abuso no consumo de cachaça entre os indígenas e iniciar a mobilização em torno da questão da posse da terra. No conselho, agora quem tem a palavra é Dionito, atual presidente e um dos Tuchawas mais respeitados, descendente direto de uma linhagem de antigas lideranças e uma das principais figuras durante os momentos mais tensos de todo o processo de demarcação e homologação da reserva. Ao seu lado, representantes da Funai e do Incra debatem alguns dos dilemas desta nova fase da luta indígena.

Passada esta etapa da homologação contínua da reserva, os dilemas que se apresentam agora são talvez ainda mais difíceis de serem resolvidos. A posse da terra é o primeiro passo para a autonomia indígena, mas não mais do que isto: qual a validade das condicionantes impostas pelo Supremo Tribunal Federal para a homologação? Em que direção realizar o desenvolvimento econômico da reserva? Qual a capacidade técnica atual para realizar isto? Como lidar com a ausência de suporte do lado dos governos estadual e federal? Quais outras organizações estariam dispostas a auxiliar este projeto? Esses impasses estão longe de estar equacionados e ainda nem se trata do mais distante problema de sua possível operacionalização concreta. Problemas do desenvolvimento agrícola de pequeno porte que são comuns a muitos camponeses brasileiros e que ainda devem ser pensados em articulação com costumes tradicionais que são entre eles mesmos muito variados.

O que une esses índios é uma história comum dos contatos com a sociedade branca e a sua organização em torno da questão da terra. Maria, 41 anos de idade, índia Macuxi nascida na comunidade de Cumanã (parte serrana da reserva) e atual professora no Colégio Estadual Desilério de Oliveira em uma comunidade vizinha, relata uma história semelhante com a de muitos outros membros das organizações indígenas que conversamos. Conta que, quando os fazendeiros chegaram nas terras de sua comunidade natal, diziam que não havia ninguém habitando o lugar. De fato, eram regiões onde não havia casas construídas, mas que faziam parte da área onde os índios caçavam e pescavam, onde realizavam de maneira alternada o cultivo de algumas plantas ou então os chamados “lugares sagrados”, considerados importantes dentro da cosmologia nativa. No início da década de 1970, fazendeiros recém-instalados usavam a mão-de-obra indígena sem qualquer preocupação com os direitos trabalhistas, trocando trabalho por comida e cachaça. Às vezes, retribuíam apenas com parte da produção, insuficiente mesmo para a alimentação das famílias trabalhadoras. Os índios eram pagos individualmente, mas trabalhavam com a família inteira. “Pelo fato de as pessoas não saberem, eles não entendiam, eles pegavam as pessoas para trabalhar, aí, os parentes trabalhavam, né? Como eles não tinham noção de quanto valia o trabalho, os brancos se valiam deles. Eles não sabiam o valor, então eram assim quase escravos, né?”, diz Maria. Havia ainda casos mais extremos, mas não menos frequentes, em que os fazendeiros compravam os filhos dos índios para que futuramente estes trabalhassem nas fazendas. “Eles compravam um menino de um, trocavam por uma saca de sal. Teve até um senhor que trocou um filho dele por um garrote…”, diz. De uma forma quase normal, Maria relata uma situação em que seu próprio pai recebeu a proposta de vender um de seus filhos. “Teve um homem que falou com papai: ‘Você não quer dar uma destas criaturas pra eu criar?’ Como ele tinha estas histórias, ele já segurava, né: ‘Mas este é o meu filho!’ E o homem: ‘Mas como é que tu cria uns bichinhos destes, aqui, como se fosse uma criação? Você não tem nada’. Papai disse: ‘Eu caço, pesco, faço farinha e, assim, vou vivendo. Eu não dou um filho desse’. O homem insistia: ‘Eu pelejo pra fazer um diabinho destes…’ ‘Então, deixa o diabinho aqui’, respondeu meu pai.” As “histórias” às quais se refere Maria quando fala da resistência de seu pai em vender o filho eram os princípios sobre os quais se assentavam as organizações indígenas que deram origem ao CIR. O conselho pretendia confrontar muitas situações de abuso, que não passavam apenas pelos fazendeiros. Muitas vezes eram garimpeiros que usavam o trabalho indígena para carregar o “rancho” sem nada pagar, ou em troca de cachaça, o que disseminava o alcoolismo entre os índios. Não por acaso a abolição da cachaça foi o marco fundador do CIR, e este dia é comemorado todos os anos sem direito a brinde.

Quando os missionários católicos chegaram, deram as bases para a organização dos índios neste início turbulento. Dionito diz que os missionários ajudaram na conscientização de que os índios “eram o povo”, que deveriam “parar com a cachaça e lutar pelas terras”. Os missionários auxiliavam alguns dos índios que tentavam escapar desta difícil relação com os brancos e unir-se na direção de uma luta comum pela autonomia. O pai de Maria era um destes índios e, não por acaso, vai incentivá-la a prosseguir nos estudos. Com muitas dificuldades, Maria conseguiu completar o segundo grau e, na tentativa de fazer o magistério, partiu para Boa Vista, onde uma conhecida da família, casada com um garimpeiro, a acolheu. Como os rendimentos do garimpeiro mal davam para sustentar a casa, os pais de Maria começaram a produzir farinha para ajudá-la em Boa Vista. Ela ainda completava e auxiliava no orçamento da casa trabalhando como faxineira nas horas vagas. Conta que sofria preconceitos em casa, no trabalho e no curso de magistério. Depois de completados seus estudos, volta para a sua comunidade para dar aulas com o diploma recém-conquistado.

Mais do que uma história pessoal de dificuldades e sofrimento, a vida de Maria é parte da construção do movimento indígena local. Depois de 15 anos trabalhando como professora no norte de Roraima, em 2005, ela decide que deveria colaborar com a causa indígena, sobretudo a partir do fortalecimento do CIR no quadro da homologação das terras de Raposa Serra do Sol e os consequentes conflitos com os arrozeiros que se acirram nesse mesmo ano. Maria integra-se ao movimento de educação indígena, que procura atuar na fronteira entre os conhecimentos tradicionais nativos e a educação formal brasileira. Fez parte da segunda turma do curso de formação de professores indígenas no curso de licenciatura intercultural da Universidade Federal de Roraima. O curso tenta bloquear o que é visto como uma forma de intervenção da cultura branca na formação dos professores indígenas. Maria diz que, na educação, “vinha tudo de fora”, e que mesmo “sem perceber, a escola foi entrando como uma destas coisas que estavam modificando muito a realidade da comunidade, todas as normas padronizadas, os conteúdos…”. É nesse momento que Maria começa a perceber que a sua trajetória na educação estava vinculada ao conjunto mais amplo de reivindicações coletivas dos índios. “Junto com todas as lutas, tava entrando a escola” diz. Para ela, a ideia não é contrapor o conhecimento indígena e o conhecimento dos brancos, mas impedir que a escola continue “acabando com a comunidade” e articular ambas as formações. “Nós temos o conhecimento prático, como ensinar o aluno a resgatar a cultura dele? Não deixando de conhecer o outro lado, porque nós temos estas duas coisas”, afirma.

Este parece ser o projeto de desenvolvimento para a região que os indígenas almejam, alguma coisa que seja construída na articulação entre os saberes tradicionais e os saberes “dos brancos”. Isso pode ser encontrado nas histórias dos diversos membros do CIR que foram entrevistados, seja os que trabalham na questão da saúde, formados em parte pela organização internacional Médicos sem Fronteiras e em parte pelos pajés e familiares, seja o trabalho na questão alimentar, que busca algum tipo de equilíbrio entre as capacidades nutritivas da alimentação tradicional e a já incorporada comida industrial. Em cada um desses domínios, podemos encontrar as formas de construção da autonomia que o CIR procura construir e que vai muito além da conquista da terra. Dionito sonha com o momento em que os indígenas vão “se sustentar sozinhos”. “Isto não é separar do Brasil, mas você ter autonomia”, diz. Para tanto, uma série de dimensões tem de ser contempladas. Em primeiro lugar, a autonomia financeira, que, no entender de Dionito, quer dizer um contato direto com o governo sem a intermediação de instituições que normalmente realizam essa mediação. “Se o governo quiser fazer parceria ele tem que dar dinheiro para o índio, você faz licitação, prestação de contas tudo bonitinho e, aí, funciona. Eu acho que passar pela Funasa, pela Funai, pelo governo do Estado, aí, você acaba que não vê nada. Tem que ter parceria com o governo federal, mas o dinheiro tá aqui na mão dele”. Dionito diz também que se o governo “der responsabilidade pros índios”, tornará mais eficaz a organização dos recursos. “Se o governo tem um plano, tem um dinheiro, ele traz pros índios que estão na Raposa Serra do Sol e o índio vai administrar esse dinheiro aqui. A gente aceita prestar contas, coisa que os políticos não fazem”. Dionito acredita que, com os recursos suficientes, os índios seriam capazes de criar um plano de desenvolvimento para a região que passaria pela agricultura, a pecuária e o turismo. “Nós vamos criar gado qualificado, vamos ampliar as plantações de arroz, melancia, banana, além do turismo”. E mais, garante que fariam isso de forma articulada entre os saberes indígenas e dos brancos. “Vamos trabalhar a tecnologia do índio e a do branco juntas”. Ainda mais ousada é a proposta de gestão dos serviços de saúde, educação e infraestrutura de transportes a ser executada pelos próprios índios “Com esta autonomia de fato vamos ter saneamento, escola de qualidade, estradas…”, diz que em cooperação com a Funasa, “você já tem essa experiência na saúde e funciona”.

Não se pode dizer ao certo se essa disposição para a autonomia poderá ao menos ser experimentada na reserva Raposa Serra do Sol, seja pela ausência de apoio do governo a essas iniciativas, seja pela capacidade limitada de ação das próprias organizações indígenas, mas o que se pode dizer certamente é que esse projeto ousado de desenvolvimento indígena tem como horizonte não apenas mudar a história da integração destas populações à sociedade brasileira, mas oferecer novas perpectivas para a construção de propostas de desenvolvimento assentadas na autonomia popular.

NOVOS RUMOS
Um mês depois do processo de desintrusão na Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, Izabel Itikawa diz ser uma produtora de arroz com uma situação diferenciada em relação aos seus pares. Apesar de considerar que a produção de arroz no Estado de Roraima tende a diminuir e talvez mesmo estagnar, em seu caso ela pretende ao menos manter o nível produtivo. Sua estratégia foi muito mais precavida que a da maior parte dos arrozeiros: antes do processo de desintrusão, já tinha retirado da reserva mais de 70% do cultivo de arroz, realizado a colheita antes do dia primeiro de maio e retirado todos os equipamentos com antecedência. Pretende investir mais no desenvolvimento de sua empresa. De um lado almeja ampliar sua usina de beneficiamento, de outro espera um momento mais tranquilo para comprar outras fazendas na região. No momento todo o cultivo do arroz se faz em terras arrendadas; ela considera isso uma “medida de cautela”. Diz que enquanto a situação “não estiver definida” não vai se arriscar a comprar novas terras. Não se sente “segura” para esse investimento mais oneroso. Izabel espera “que o próximo presidente da República não pense como este”, considera que o atual governo impede o desenvolvimento de Roraima “engessando a produção através da questão fundiária e ambiental”. Reclama que primeiro “tomaram as terras dos produtores de arroz” e que agora a estratégia empregada para dificultar a produção é através da licença operacional concedida pelo Ibama*. Diz não ser contra a regulamentação na direção da sustentabilidade, mas que a verdadeira intenção das licenças é frear o agronegócio. Parece que sua épica história de construção da empresa não acabou. Diz que vai continuar apesar das dificuldades. “O que hoje mais dói no coração da gente que é brasileiro não é perder a propriedade, mas perder os direitos. Enquanto tiver vida vou fazer este Estado ter sucesso, o que depender de mim estou disposta a fazer.”
Se por um lado os arrozeiros continuam em uma situação de relativa incerteza, as organizações indígenas procuram construir estratégias de desenvolvimento diferentes para a região. O primeiro passo, segundo Dionito, foi a criação da “Federação Indígena”, uma entidade que pretende acabar com possíveis disputas entre as organizações. Mesmo a Sociedade dos Índios Unidos do Norte de
Roraima (Sodiur), que fizera oposição ao CIR e à demarcação contínua, agora integra a federação. Dionito diz que a federação está fazendo com que as diferenças entre suas organizações se tornem quase inexistentes por uma “união dos povos indígenas”. A federação será o carro-chefe da ideia de transformar o nome da reserva em uma marca daquilo que for produzido, provavelmente organizada a partir de uma cooperativa que irá armazenar, distribuir e vender os produtos da reserva. A dificuldade continua sendo os apoios para que isso tudo se realize. Pretendem fazer uma reunião em Brasília nos próximos meses para apresentar essas propostas. Para conseguir o apoio do governo federal esperam contar com o suporte técnico da Embrapa. Esta deveria realizar um diagnóstico preciso da “contaminação do solo e das águas feita pelos arrozeiros” e também “melhorar o que já está se produzindo.” Um contato preliminar com o MST do Sul do País já foi feito para que os técnicos do movimento ajudem no desenvolvimento do arroz orgânico que pretendem plantar: “Eles vão trazer a experiência de suas plantações”, na seleção de sementes e nas técnicas de cultivo. Em relação a um possível bloqueio desses projetos pelas condicionantes da decisão do Supremo, diz que “não vamos aceitar, não foi o que os índios decidiram e vamos levar estas questões na comissão que vai para Brasília.” Para Dionito, “a dominação em Roraima já acabou, não vai ter mais tutela, queremos agora parceiros ou aliados”*O licenciamento ambiental é “uma obrigação legal prévia à instalação de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente”. Ele é realizado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), pelos órgãos estaduais de meio ambiente e por audiências públicas. Durante o processo, o Ibama “ouve os Órgãos Estaduais do Meio Ambiente (OEMAs) e os órgãos federais de gestão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), das comunidades indígenas (Fundação Nacional do Índio-Funai), de comunidades quilombolas (Fundação Palmares), entre outros”.
Fonte: www.ibama.gov.br/licenciamento/


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.