O poeta Roberto Piva morreu no sábado (3), de falência múltipla dos órgãos, em consequência de uma insuficiência renal. No início da tarde de domingo, Piva foi cremado em São Paulo.
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Ele estava internado no Instituto do Coração (InCor) desde maio, quando foi descoberto um câncer na próstata, já em fase de metástase. Piva também tinha Mal de Parkinson há 10 anos.
Natural de São Paulo, o poeta escreveu sua grande obra, Paranoia, aos 22 anos. O livro é uma forte descrição da capital paulista e teve grande inspiração no movimento beatnik e no Surrealismo. Em 2010, o Instituto Moreira Salles reeditou Paranoia.
Leia abaixo texto de Carlos Minuano sobre Roberto Piva e a reedição de sua grande obra:
A imprensa comete equívocos às vezes irreparáveis. Uma escorregada recente, felizmente, ainda está em tempo de ser corrigida. A inspiração para a antológica obra Paranoia, escrita pelo poeta visionário, Roberto Piva, nada teve haver com um suposto “chá de anfetamina”, ou que teria sido “filtrado pelas lentes róseas e sombrias dos alucinógenos”, menos ainda com “a velocidade artificial das drogas”, conforme sugeriu reportagem do jornal Folha de S. Paulo, na ocasião do lançamento da reedição do livro, no início deste ano, pelo Instituto Moreira Salles.
A poesia visceral de alta voltagem que transborda de Paranoia, jorra da mente visionária de um dos mais importantes poetas do País, na época, sem aditivos químicos. O clássico, que marca a estreia de Piva, foi escrito no início da década de 1960, e editado por Massao Ohno, em 1963, quando o LSD sequer havia chegado por estas bandas. É fato que, alguns anos depois, Piva enveredou por trilhas xamânicas e experiências psicodélicas ousadas, mas durante o período de gestação de sua obra primogênita, ele não teve auxílio de nenhuma substância que alterasse sua consciência, segundo afirma o amigo, poeta e ensaísta, Cláudio Willer. “Foi escrito entre 1960 e 1962, quando ele havia até parado de beber”.
Em perfeita sintonia com a onda que começava a subverter a literatura nos EUA, nosso mais legítimo representante da geração beat perambulava sóbrio, porém, inquieto por uma São Paulo ainda provinciana (apesar de já transbordada de gente). Feito uma metralhadora em estado de graça (como se definiu na ‘Poesia Vertigem’, em Ciclones, de 1991), o ‘xamã tecno pagão’ estava apenas começando a emitir seus estranhos sinais.
Para esclarecer essa história e divagar sobre outras, tentei uma entrevista com Piva. Ele topou no ato. Porém, não foi possível falar com nosso querido e exuzado poeta. Por problemas de saúde, seu cotidiano mais recente foi ocupado pelo tratamento médico e, infelizmente, por internações frequentes, decorrentes da convergência de três problemas. Desde 1997, ele sofreu do Mal de Parkinson, em 2010 a situação se agravou com a descoberta de um câncer na próstata. Para piorar, mais recentemente foi detectado um problema cardíaco, por ora contornado por uma angioplastia.
“Eu sou o tambor do xamã”
(Poesia Vertigem, Ciclones,1991)
Semelhante às estradas percorridas por Jack Kerouac e seu bando beatnik, em meados da década de 1950, na obra de Roberto Piva é possível sentir que há bem mais do que poesia de alta qualidade. Seu mundo delirante e transgressor revela uma intensa busca interior.
Um anseio que o levou a percorrer caminhos nada ortodoxos, como o do xamanismo. “Para mim é uma forma de crescimento espiritual”, disse Piva, em entrevista à Globo Livros, em 2008, quando a editora lançava o Estranhos Sinais de Saturno (Editora Globo, 216 páginas, R$ 39), terceiro volume de uma coleção que reuniu toda a obra de Piva.
O organizador da coleção, Alcir Pécora, diz que a publicação da poesia de Piva em volumes buscou destacar três diferentes fases do autor: a beat, que abriu caminho para sua escrita livre; a psicodélica, mais experimental e a mais recente, de traços místicos, construída em torno da figura do xamã. Entretanto, ele ressalta que elementos mais relevantes de um período, permanecem em todos os outros. “Há aspectos de continuidade e coerência em todo o conjunto”, diz.
Na poesia de Piva é possível encontrar outras inúmeras referências, observa Cláudio Willer. “Há incontáveis menções a outros poetas ao longo de toda a obra”. Ele salienta que há também um caráter pedagógico transgressor na face erudita do velho amigo. “É uma erudição não curricular, nada acadêmica”.
Piva tinha razão
O manifesto, quase profético, publicado em 1985, O século XXI me dará razão, parece estar certo. Marginalizado no passado, a circulação da obra de Piva cresceu nas últimas décadas e cada vez mais passa a ser tema de novos ensaios, artigos, pesquisas e trabalhos acadêmicos. O poeta também já foi parar em dois documentários. No media-metragem, Assombração Urbana, de Valesca Dios (2005), e em Uma Outra Cidade, de Ugo Giorgetti (2000).
Para Valesca Dios, ele tem a cara de sua poesia. “É uma figura difícil e apaixonante”, diz. Ela conta que o maior desafio foi extrair algo do poeta. “Com a câmera ligada não queria falar ou ler poesia, mas quando desligávamos o equipamento disparava tudo o que queríamos”, recorda a diretora. Já o diretor Ugo Giorgetti ressalta o lado visionário de Piva. “Ele atrai jovens porque fala em sua poesia de uma cidade que surgiu trinta anos depois, que está aí hoje”.
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