Cacau, café, borracha. Difícil dissociar a história do Brasil de seus ciclos econômicos. Um dos maiores exportadores de grãos do mundo, o País assiste, em pleno século 21, ao ressurgimento de duas atividades históricas. Resgatados pela engenharia genética, o cacau e a borracha ganham hectares e produtividade.
Imortalizado nos romances de Jorge Amado, o cacau chegou ao Brasil pelas mãos do francês Louis Frederic Warneaux ao desembarcar no Pará em 1746. Seis anos depois, iniciava-se o cultivo no sul da Bahia. Na metade do século seguinte, o Brasil já era o maior exportador de cacau do mundo.
O negócio se desenvolveu bem por todo o século 20. Em 1987, o Brasil exportou 400 mil toneladas, um recorde. Mas os anos 1990 chegaram e, com ele, a vassoura-de-bruxa. O fungo derrubou a produção brasileira de cacau em 60%, falindo produtores e transformando o Brasil em importador. “Nos anos 1990, um fazendeiro com 500 arrobas perdia 90% da produção”, recorda-se Milton Andrade, presidente do Sindicato Rural de Ilhéus.
Em 1999, o fundo do poço: 90 mil toneladas produzidas. Enquanto a indústria tentava encontrar uma cura para a praga, a Costa do Marfim abastecia o mundo com seu cacau, parte dele colhida por trabalho escravo.
A retomada no Brasil começou apenas em 2006. Sem qualquer ajuda estatal, os produtores colocaram a mão no bolso para desenvolver uma nova planta. A tecnologia, que consistiu em enxertar a variedade tolerante na planta comum, deu origem a exemplares não apenas resistentes ao fungo, mas com potencial produtivo três vezes maior. Deu tão certo que foi exportada para Espírito Santo, Pará, Rondônia e Amazônia. “A dívida dos produtores para desenvolver a tecnologia é hoje de R$ 1,1 bilhão”, estima Andrade.
A retomada, lenta, permitiu ao Brasil produzir 290 mil toneladas em 2014 (170 mil na Bahia). Mas a melhor notícia chegou em novembro. Pela primeira vez em 25 anos, o Brasil exportou amêndoas, a parte nobre do cacau. No mês passado foram seis mil toneladas que embarcaram para uma fábrica de chocolate na Holanda. “Essa exportação significa muito”, diz Andrade. “O Brasil será visto de maneira diferente pelos corretores de cacau e amêndoa em Nova York e Londres.”
Tecnologia genética também foi a chave para o aumento da produção brasileira de borracha. Símbolo do desenvolvimento da região Norte entre 1879 e 1912, o produto agora se espalha por 95 mil hectares no noroeste de São Paulo, responsável por 57,5% da produção brasileira de borracha, segundo o Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
A história da amazonense hevea brasiliensis (nome oficial da seringueira) se confunde com a do inglês Joseph Priestley. Em 1770, ele se surpreendeu com a goma utilizada pelos indígenas amazônicos, capaz de limpar a escrita feita a lápis. Desde então, buscou-se uma forma de controlar o estado físico do material, que amolecia nos dias de calor. “Em 1838, Charles Goodyear derrubou enxofre na borracha que estava sobre o fogo em seu laboratório”, conta Paulo de Souza Gonçalves, pesquisador do IAC. “Quando esfriou, o material estava elástico em vez de viscoso.” Nascia a vulcanização.
Graças à borracha, a Amazônia respondeu por quase 40% de toda a exportação brasileira no final do século 19. Mas em 1912 os seringais plantados pelos ingleses na Malásia já tomavam o mercado mundial. “A Inglaterra roubou 70 mil sementes da região de Buim, no Pará”, conta o pesquisador. Nessa época, os seringais amazônicos já sofriam com o mal-das-folhas, um fungo que só se desenvolve na úmida Amazônia. Sem essa peste, a produção asiática deslanchou. Hoje, Tailândia, Indonésia e Malásia respondem por 70% da produção global de borracha. Só a Tailândia, a líder, produziu 3,5 milhões de toneladas em 2014.
Nada parecia devolver ao setor os números do passado quando, em 1951, a IAC resolveu espalhar algumas sementes por suas fazendas em Campinas, Pindorama e Ribeirão Preto. “A umidade em São Paulo é baixa no período de troca de folhas, justamente quando o fungo amazonense ataca”, explica Gonçalves. A partir daí, resolveu-se importar clones de seringueiras desenvolvidas na Malásia e Tailândia. Eles serviram de matriz para o que os paulistas ainda viriam a fazer. Gonçalves, ele próprio, saiu da Embrapa em 1987 apenas para cuidar da borracha no interior paulista.
Muitos clones depois, o orgulho atende pelo nome de IAC 500, o mais produtivo do mundo, com 1.731 quilos de látex por hectare, 38% superior ao mais plantado do mundo. Essa proporção é 1.000 kg/ha na Malásia.
As sementes desenvolvidas por São Paulo são agora exportadas para Goiás e Minas Gerais. De acordo com a Associação Paulista de Produtores e Beneficiadores de Borracha (Apabor), essas sementes fizeram de Minas Gerais a região com o maior índice de crescimento na produção: 15,7% ao ano.
Embora os números sejam animadores, o Brasil não deve viver um novo ciclo da borracha. A razão é a “impaciência” do produtor brasileiro. “O financiamento no resto do País é inexistente e há pouca paciência para esperar os sete anos para o início da produção”, diz o pesquisador Gonçalves. Enquanto isso, São Paulo colhe a borracha e os dividendos: domina uma indústria improvável e gera, com ela, 19 mil empregos diretos no campo.
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