Os homens da geração 68

Sou da geração 1968 – aquela que queria mudar o mundo. E mudamos. Não só politicamente, como nos relacionamentos dos casais e na luta contra os preconceitos, pela liberdade.

Bom, pelo menos era o que queríamos de verdade, nós, mulheres. Já os homens… Vai saber se estavam sendo verdadeiros. Se roubam tanto na política, imagine nas relações… E o engraçado (se alguém vê nisso alguma graça) é que quando tomamos conhecimento pela mídia de que algum político está roubando, dias depois aparece na internet que ele também estava passando a mulher para trás. Leva tempo para se ter conhecimento do roubo, mas, quando estoura um mensalão e nos deparamos com um “aloprado”, é raro que o próximo capítulo da novela não fale de sexo.

Mas voltando a 68, quantas vezes vi minha avó falando ao telefone (daqueles de discar), com a mão tapando a boca para que o resto da casa não ouvisse, que o marido de fulana tinha morrido e que, depois disso, ela descobrira que aquele “santo” tinha uma garçonnière para onde levava suas amantes. Sim, porque naquela época, geralmente, as amantes eram fixas, porque o tempo sobrava para as mulheres que ainda não trabalhavam e eram apenas donas de casa, diferente de hoje em dia, que cada um tem sua “peguete” – mulheres pegas na internet para passar no máximo meia hora, contando no celular.
As amantes, descobertas no tempo da minha avó, faziam as viúvas usarem um luto duplo, misto de tristeza e indignação, por descobrirem que aquele homem distinto e honesto que elas conheciam tinha, na verdade, sido um “galinha”, como se dizia
naquele tempo.

Mas, voltando a 68, quando queríamos mudar o mundo (e quem queria na época continua querendo), uma das regras entre os casais era não mentir para o cônjuge ou a cônjuge, o que apelidávamos de “casamento aberto”. Isso queria dizer que, se alguém se interessasse por alguém fora do casamento (já que ninguém era de ferro, mas sim jovem e cheio de hormônios), deveria ser leal e contar ao parceiro que estava interessado ou interessada em fulano ou sicrana e este tinha o direito de aceitar ou mandá-lo(la) sumir da sua frente. Só que, depois de algum tempo dessa suposta liberdade, meio irreal, nós, as mulheres moderninhas, descobrimos que o pacto que tínhamos combinado era uma armação dos homens para controlar as mulheres que, realmente querendo mudar o mundo, contavam qualquer paquerada sutil que tivesse acontecido com elas em uma festa, um telefonema ou uma saída, se fosse o caso, para o seu marido, enquanto estes agiam como os homens do tempo da minha avó, ainda fazendo tudo escondido, só que agora não mais em apartamento nem garçonnières, mas sim nos motéis recém-abertos que viviam cheios, até as famílias começarem a permitir que os namorados das filhas dormissem na
casa delas, o que foi uma continuidade da “virada de mesa”.

Só que, como 68 era a época do “liberou geral”, era fácil se abrir uma porta no meio de uma festa e dar um flagrante no marido aos beijos com uma gata encostada na parede, enquanto nós, mulheres, não podíamos nem dançar com alguém que o marido já achava que estava a fim da gente. Mas, afinal, não tínhamos combinado de sermos sinceros? Mas cabeça de homem não tem nada a ver com a de mulher. Homem acha tão normal uma mentira (da parte deles, é lógico). Será que foi por isso que todo mundo agora resolveu sair do armário, ou seja, parar de mentir e virar homo, 43 anos depois, de puro cansaço? Porque, naquela época, a homossexualidade não era assim escancarada. Ela começava a se mostrar lentamente.
Sempre me indignaram os preconceitos e me sinto feliz de pertencer a 68, a geração que bem ou mal, como toda virada de mesa, conseguiu mudar ou começar a mudar o mundo enfrentando todos os tipos de conflitos – armado ou pacífico – em prol da liberdade.


*É atriz, atuou em mais de 50 filmes, 15 telenovelas e minisséries. Também é cronista do Jornal do Brasil – onde ainda tem uma coluna na versão on line. Seus textos foram compilados em O Quebra-Cabeças, publicado pela Imprensa Oficial, em 2005.


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