Os solares Novos Baianos

Quem poderia imaginar que em plena homologação do Ato Institucional número 5, o famigerado AI-5, em 13 de dezembro de 1968, fosse surgir um dos grupos mais originais e anárquicos da música brasileira? Os Novos Baianos, que nos tempos áureos, início dos anos 1970, foram morar em um sítio e viraram uma espécie de comunidade alternativa, tinham em torno de treze integrantes. Mas o núcleo do grupo era formado por Moraes Moreira, Pepeu Gomes, Baby Consuelo, Paulinho Boca de Cantor, Dadi (que depois formaria o grupo A Cor do Som) e Luiz Galvão.
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O título do primeiro LP do grupo já dava o tom do que eles propunham fazer na música brasileira: É Ferro na Boneca, nome da música principal do LP (para quem não é do tempo do bolachão, como era vulgarmente conhecido, LP significa Long Play). Mas, antes que eles chegassem a essa mistura de gêneros genuinamente brasileiros, como frevo, baião, choro, xote, presentes no primeiro trabalho, o grupo teve um mentor chamado João Gilberto. Não é à toa que o título do filme de Henrique Dantas tem o nome João.
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“Os Novos Baianos jamais seriam quem foram se não tivesse a participação do João Gilberto. Ele foi visitar o grupo, recém-chegado da Bahia e que morava em um apartamento no Rio de Janeiro. Essa visita iria marcar para sempre todos aqueles sonhadores jovens hippies“, revelou o diretor Henrique Dantas, no final da sessão, na noite de quinta-feira (16), no Curta-SE.

Antes da formação, o grupo era fortemente influenciado pelo rock’n´roll americano e pretendia seguir essa linha para fazer suas músicas e, por tabela, algo diferente no cenário musical brasileiro. Mas, João Gilberto mostrou a eles o contrário, que era na reciclagem dos gêneros bem brasileiros (xote, baião, frevo, samba) que o grupo iria fazer a diferença. E que diferença! Eles não só trouxeram um novo estilo de compor e cantar como influenciaram toda uma geração na maneira de vestir, pensar e viver em sociedade. Foi uma mudança comportamental, uma nova atitude de viver em sociedade. Isso, não devemos nos esquecer, em pleno endurecimento do regime militar, no governo de Médici.

O filme de Henrique Dantas traz depoimentos de quase todos os integrantes, com exceção da Baby Consuelo, que já tinha gravado entrevista, mas mandou retirar do filme. “O filme tinha uma duração de 84 minutos, mas quando a Baby mandou retirar o seu depoimento, que por sinal era lindo, o filme ficou com 75 minutos”, disse Dantas. Segundo o diretor, Baby assistiu ao filme, mas não gostou do que viu, principalmente quando se fala de maconha, que o grupo consumia como se consome comida. Além disso, pediu uma quantia para liberar sua imagem, muito acima do que o diretor poderia pagar. “O filme foi feito de forma precária, com parcos recursos. Demorei 11 anos para realizá-lo, quase o tempo de duração do grupo, que foi de dez anos”, lembrou bem-humorado diretor.

Os depoimentos dos integrantes e não integrantes do grupo (Tom Zé, por exemplo) são engraçados e, ao mesmo tempo, reveladores de uma época. Entre os vários achados “arqueológicos” do filme, podemos citar o dia que João Gilberto foi visitar o grupo. Ele se vestia, geralmente, de terno e gravata, e foi com essa indumentária que bateu à porta daqueles jovens loucos. No filme, Dadi lembra que foi atender a porta e, quando olhou pelo olho mágico e viu João, pensou que se tratasse de alguém da polícia. Não é necessário dizer que o apartamento era tomado pela fumaça da cannabis sativa. Eles fumavam tanto que, enquanto estiveram no apartamento, usaram quase todas as páginas de uma Bíblia!

Depois da confusão de Dadi, alguém foi no olho mágico, reconheceu João Gilberto e abriu a porta. Ao final, acabou sendo uma porta não apenas para João, mas para o próprio grupo que gestaria daquela visita iluminada do pai dos Novos Baianos.


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