Na campanha presidencial mais chata de tantas que acompanhei desde 1989, marcada pela falta de interesse e participação popular na maior parte do tempo e dos lugares (escrevi isso aqui mesmo logo no começo da disputa), com debates insuportáveis na televisão e o horário político gratuito transformado num grande circo de horrores, o que mais me chamou a atenção foram os poderes concentrados nas mãos dos marqueteiros dos dois candidatos finalistas.
Mais do que qualquer líder político, coordenador de campanha ou presidente de partido, quem deu as cartas no primeiro turno foram João Santana, pela campanha de Dilma, e Luiz Gonzales, do lado de Serra. Os dois têm muita coisa em comum: começaram no jornalismo, passaram pela publicidade até descobrir o marketing político e não gostam de ouvir ninguém, além dos candidatos e das pesquisas qualitativas. É como se o marketing político fosse uma ciência exata. Eles têm certezas tão grandes quanto ciúmes do seu trabalho.
Dizem que João Santana abre uma exceção para ouvir palpites do presidente Lula nos dias em que está de bom humor. Responsáveis pelos programas de rádio de TV, na verdade Gonzalez e Santana controlam tudo nas campanhas, dos discursos aos temas dos debates e até do que os candidatos devem vestir e falar nas entrevistas. São os estrategistas de tudo, não apenas da área de comunicação.
Agora que os dois lados começam a discutir novos caminhos para o segundo turno, claro que aumentou o assédio sobre os marqueteiros, com todo mundo querendo dar palpites e apresentar propostas milagrosas que levem seu candidato à vitória.
Até duas semanas antes do primeiro turno da eleição, quem mais penou foi Gonzalez, apontado pelos caciques do PSDB, DEM e PPS como o principal culpado pelo derretimento da campanha de Serra, que começou na casa dos 40 pontos e, depois que começaram os programas na TV, chegou ao final na faixa dos 20, antes do tsunami Marina nos últimos dias, que salvou seu pescoço e levou a eleição para o segundo turno.
Com João Santana acontece o contrário. Apontado até a semana passada como o grande mago que levaria a estreante Dilma à vitória já no primeiro turno, a bordo de belas imagens e apenas uma idéia na cabeça – a obra e a popularidade do presidente Lula – Santana teve que adiar suas férias e agora corre o risco de ir do céu para o inferno, se não der uma completa reformulada no programa de TV, na candidata e em toda a sua estratégia de campanha.
Dos dois lados, os políticos estão assanhados para recuperar as rédeas das campanhas, no que estão em seu absoluto direito, já que se trata, por definição, de uma disputa política e não apenas de propaganda eleitoral.
Tudo que escrevi acima se refere, naturalmente, ao que é público e notório. Não estou aí fazendo nenhuma grande revelação, apenas uma constatação. Este é o mundo que aparece todos os dias na velha e na nova mídia, está na boca dos candidatos e dos jornalsitas, é visível a olho nu.
Para explicar o que aconteceu na semana decisiva do primeiro turno, só isto, no entanto, não basta. É preciso ver o que se passou em áreas onde o sol não bate, nas catacumbas da internet que alimenta os púlpitos mais atrasados e descobrir quem foi o marqueteiro oculto que criou e botou na boca de Dilma a fatídica frase “Nem Cristo me tira esta vitória no primeiro turno”.
Bastou juntar este vitupério com as mensagens que já circulavam sofregamente pela rede sobre o “perigo de votar na candidata terrorista que apóia o aborto e o casamento gay” e, de uma hora para outra, estava feito o estrago que, até então, não haviam logrado todas as denúncias e todos os escândalos midiáticos que atravessaram a campanha. Só uma curiosidade: por onde andava nestas horas o grande guru Maurício Branco, responsável pela área de internet da campanha petista? Organizando a festa da vitória?
Nem Branco nem Santana se deram conta de que o jogo tinha virado e uma bala de prata subterrânea fora disparada no coração da candidatura de Dilma.
Quando se contar a história desta eleição presidencial no futuro, não se poderá deixar de falar no papel relevante que tiveram Santana e Gonzalez, mas seria uma injustiça não dar o devido crédito ao marqueteiro oculto.
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