Oui, oui, c’est brésilienne

Quem gosta de arte de fotografia e estiver a caminho de Paris tem de colocar na agenda a rue de Fourcy, número 5. Nesse endereço, no bairro do Marais, ao lado da estação do metrô Pont Marie, em um prédio do século 18, construído em 1706, portanto bem antes da revolução francesa, está a MEP, a Maison Européenne de la Photographie.

Considerada um dos espaços mais importantes da fotografia contemporânea, ela pertence à Prefeitura de Paris e está lá na rue de Fourcy desde 1983, quando começou a cuidar da preservação e restauração do precioso conjunto fotográfico dos museus, bibliotecas e arquivos pertencentes à Prefeitura de Paris. Hoje, abriga um dos maiores acervos de fotografia do mundo. São mais de 15 mil obras de fotógrafos cuja produção vem desde 1950. Sua política de aquisição é baseada em dois princípios: primeiro, que todas as formas de fotografia têm de estar incluídas, da reportagem à moda, passando por aqueles trabalhos que ficam na fronteira da fotografia com as artes plásticas. E, segundo, a aquisição de séries inteiras de grandes fotógrafos devem tornar possível a organização coerente de exposições de suas monografias.
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Outro bom motivo para visitar a Maison é que, até o dia 8 de janeiro, três fotógrafos brasileiros têm suas obras nas paredes do museu. Eram quatro até 13 de novembro quando terminou Candomblé, de José Medeiros, a excelente exposição feita em parceria com o Instituto Moreira Salles.

Agora com curadoria de Milton Guran e de Cristianne Rodrigues fazem sucesso as fotos de Fernanda Magalhães, de Londrina, Rogério Reis, do Rio, e Edu Simões, de São Paulo.

Guran, antropólogo e fotógrafo, foi um dos fundadores da Agil, histórica agência de fotojornalismo de Brasília com significante e engajado trabalho durante os anos da ditadura no Brasil. Hoje, junto com Melanie Guerra, é o responsável pelo FotoRio, do qual é curador-geral.

Milton Guran conversou sobre fotografia e fotografia brasileira, com Jean-Luc Monterosso, o diretor da Maison Europénne de la Photographie. Leia a seguir.

Milton Guran – Na qualidade de criador do Mois de la Photo, como o senhor vê o surgimento de festivais semelhantes no mundo e qual seria o papel desses eventos no mercado fotográfico?
Jean-Luc Monterosso – Criado há pouco mais de 30 anos, o Mois de la Photo tem, efetivamente, suscitado iniciativas semelhantes. Em 1982, a cidade de Houston criou o seu festival, logo seguida por Montreal. Atualmente, há mais de 30 festivais (Moscou, Bratislava, Viena, Berlim, Buenos Aires, Cidade do México, Madri). O objetivo principal do Mois de la Photo tem sido o de favorerecer o encontro do grande público com a produção fotográfica. Com o tempo, os mais assíduos visitantes do Mois de la Photo se tornaram naturalmente colecionadores. Em certo sentido, podemos dizer que o Mois de la Photo, ao dar visibilidade à fotografia além do seu círculo mais íntimo de produção e consumo, preparou o terreno para o surgimento do Paris Photo, que se tornou a grande feira internacional, que não só reflete a criação contemporânea e histórica como, sobretudo, alimenta e normatiza o mercado de arte nesse campo.

M.G. – Como vê o FotoRio e como se desenvolveu a ligação do festival com a MEP?
J.L.M. – A colaboração entre a MEP e o FotoRio começou na primeira edição do festival, quando organizamos, com Milton Guran, uma exposição de fotos de moda a partir das coleções da MEP, apresentando algumas das obras mais emblemáticas desse campo por intermédio do trabalho de William Klein, Frank Horvat e Helmutt Newton. Essa primeira colaboração abriu caminho, na medida em que o FotoRio foi se desenvolvendo, a outros projetos instigantes. Duas importantes mostras foram realizadas com sucesso no Centro Cultural Banco do Brasil (Stars Portraits e Instantâneos da Felicidade). Nosso partido curatorial tem sempre buscado apresentar a cultura erudita fotográfica – as obras seminais dos principais autores contemporâneos – ao grande público de forma atraente e convidativa. Nessa perspetiva de colaboração, Milton Guran foi o curador convidado, em 2010, para organizar comigo a exposição da MEP na edição de 30 anos do Mois de la Photo de Paris, intitulada Autour de l’Extrême, na qual figuram vários fotógrafos brasileiros presentes na coleção da MEP. Essa exposição foi este ano apresentada pelo Instituto Moreira Salles, no contexto do FotoRio 2011, no Rio e em São Paulo, com grande sucesso. Nesta cidade, por sinal, foi apontada pela revista Veja como a melhor exposição em cartaz na cidade. Essa colaboração com o FotoRio também tem nos propiciado uma aproximação maior com a fotografia brasileira, e resultado em excelentes frutos. Foi por ocasião do FotoRio 2005, por exemplo, que tive a oportunidade de conhecer o curador Eder Chiodeto, com quem temos desenvolvido projetos junto ao Itaú Cultural. A política da MEP é sempre orientada no sentido de estimular as trocas. A exposição A Invenção de um Mundo, organizada a partir das nossas coleções e apresentada no ano passado no Itáu Cultural, em São Paulo, terá como contrapartida a exposição L’Éloge du Vertige, da coleção do Itaú Cultural, a ser apresentada em janeiro de 2012 na MEP. Teremos a oportunidade de mostrar a fotografia brasileira dos anos 1950, mas também autores contemporâneos, como Rodrigo Braga e Vicente de Mello.

M.G. – O que o senhor teria a dizer sobre a presença da fotografia brasileira na coleção da MEP e, de forma mais ampla, no panorama fotográfico francês?
J.L.M. – Como eu disse, a colaboração com um festival brasileiro do porte do FotoRio alavancou uma série de iniciativas junto a instituições brasileiras, reforçando um grande interesse que já tínhamos pela produção fotográfica brasileira, como demonstra a presença do colecionador Gilberto Chateaubriand na nossa Comissão de Compra. Hoje, é extensa a lista de autores brasileiros nas coleções da MEP. Ao lado de nomes muito conhecidos na Europa, como Sebastião Salgado, Vik Muniz e Miguel Rio Branco (cuja obra apresentamos durante o Ano do Brasil na França), temos incorporado outros importantes autores, como Claudia Andujar, Rogério Reis, Alberto Ferreira, Claudia Jaguaribe, Vicente de Mello e Rodrigo Braga.Embora a fotografia brasileira seja uma das mais vivas e expressivas do mundo, ainda é relativamente pouco conhecida do público francês, o que começa a mudar a partir de algumas iniciativas recentes, como é o caso das duas exposições brasileiras atualmente em cartaz em Paris. Pela primeira vez, é apresentada na França a obra de José Medeiros, em duas mostras organizadas pelo Instituto Moreira Salles, uma delas na MEP, com as fotos sobre candomblé envolvidas na polêmica entre as revistas O Cruzeiro e Paris Match. No momento, também apresentamos na MEP três fotógrafos brasileiros – Fernanda Magalhães, Rogério Reis e Edu Simões, de três diferentes regiões do País – selecionados na abundante programação do FotoRio 2011, o que marca um novo estágio na nossa colaboração. Essa ação deve se ampliar ainda mais com a promoção de um programa de troca entre fotógrafos e colecionadores franceses e brasileiros, por workshops que estamos organizando para o próximo ano.

M.G. – Como definiria a coleção da MEP, frequentemente apontada como uma das mais importantes do mundo?
J.L.M. – A coleção da MEP, que reúne 25 mil obras de 1950 aos nossos dias, reflete com fidelidade a evolução da fotografia que, durante esse período, passou de documento ao status de obra de arte. A evolução do seu formato de apresentação e as novas leituras do seu conteúdo permitiram uma aproximação com as artes plásticas. Contribuíram muito para isso a contestação do real pelas novas tecnologias e o desaparecimento progressivo das revistas ilustradas, como a Life, que obrigou os fotógrafos de hoje a repensarem a sua relação com a fotografia, o que nos levou à redefinição dessa mídia a que assistimos atualmente. A MEP está atenta a essas mudanças, tendo inclusive começado uma coleção de vídeos curtos, imprescindível para dar conta dos novos caminhos expressivos dos fotógrafos.

M.G. – Como as novas tecnologias mudam o mercado fotográfico? Na última Feira Internacional de Arte Contemporânea, em Paris, obras de autores pouco conhecidos foram vendidas a 180 mil euros. Recentemente, uma foto do artista alemão Andreas Gursky foi arrematada em um leilão em Nova York, nos Estados Unidos, por US$ 4,3 milhões. Como o senhor vê essa valorização?
J.L.M. – As novas tecnologias, principalmente a mídia digital, permitiram não só um aumento da produção de imagens, mas, sobretudo, criaram importantes canais de difusão da imagem. Ao mesmo tempo, o digital pela facilidade colocou em dúvida de forma definitiva um dos fundamentos da fotografia, que é a representação do real. Quanto ao mercado da fotografia, ele ganhou amplitude mundial, graças às novas tecnologias de difusão, mas, ao mesmo tempo, valorizou a fotografia tradicional em sais de prata, em particular a vintage, que é aquela cópia feita no momento da sua produção da imagem, normalmente pelo próprio autor ou sob sua supervisão direta, na medida em que esse processo tradicional está em vias de desaparecimento. De fato, a indústria não fabrica mais certos filmes e papéis, a fotografia deixou de ser uma pegada ou uma impressão sobre sais de prata… É muito bom que o mercado se desenvolva, mas quem fala em “mercado”, fala em “especulação” e, por conta da especulação, muitas vezes se chega a preços que parecem incompreensíveis.


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