Ouro do inferno

Divulgação
Cena de Serra Pelada

Raro encontrar na cinematografia nacional um filme tão bem amarrado como Serra Pelada, de Heitor Dhalia, em cartaz nacional a partir desta sexta-feira, 18 de outubro. Poderia ser resumido como uma boa história muito bem contada sobre o garimpo homônimo no Pará, que, entre 1980 e 1985, atraiu mais de 60 mil brasileiros de todos os cantos do País, atrás da aventura de ficar rico da noite para o dia, depois de encontrar alguma pedra de ouro. Nenhum deles, claro, tinha noção do preço que deveria pagar por isso. Ou saber o momento certo de parar, pegar o que conseguira acumular e voltar para casa. Queria-se mais, mesmo que os riscos fossem grandes: morrer em desmoronamentos, viver amontoado em casebres, exposto a doenças e à falta de condições sanitárias e onde um quilo de alimento atingia valores inimagináveis.

Nada era pior, porém, que a ganância desenfreada que trouxe para o garimpo todo tipo de forasteiros. Inclusive quadrilhas de criminosos para controlar a extração em uma terra sem lei e onde Deus não ditava regras. Vieram também a bebida alcoólica e os inferninhos infestados de prostitutas do lugarejo vizinho, apelidado de Trinta. “De dia 30, de noite, 38”, diziam os frequentadores, numa referência ao lugar onde se matava uma média de 15 pessoas por semana, em disputas por pedras, mulheres, acertos de contas, ciumeiras e vinganças. O resultado desse caldeirão lembra a descrição do inferno em A Divina Comédia, de Dante Alighieri.Tudo isso é passado como uma navalha afiada no filme de Dhalia, ancorado por quatro atores que estão no topo dos nomes mais importantes do cinema nacional atual: Wagner Moura, Matheus Nachtergaele, Juliano Cazarré e Julio Andrade.

Essa é a ordem de maior popularidade do elenco, porque os protagonistas são os dois últimos, em interpretações arrebatadoras, que dão uma dramaticidade impressionante à trama, em uma história em que o diretor e a roteirista, Vera Egito, não inventaram muito, e talvez esse seja seu maior mérito – garantiram uma história que segura toda a intensidade que o filme exige. A produção teve locações em Paulínia, Mogi das Cruzes – onde foi encenado o garimpo – São Paulo e Belém, e é quase impossível saber se o que aparece na tela são imagens de arquivo ou situações criadas em locações. Na trama, os amigos Juliano (Cazarré) e Joaquim (Andrade) migram de São Paulo para o Pará a fim de ganhar dinheiro com o garimpo. Acabam envolvidos com a criminalidade e a ambição, enquanto um deles tenta preservar a dignidade de ambos.

Cazarré revela um talento acima da média, cujo potencial tem sido escondido pelo personagem que interpreta na novela das 21 horas, Amor à Vida, da TV Globo. Moura ganha ênfase na segunda metade da narrativa, com mais um desempenho surpreendente. Soma-se a isso o preciosismo da reconstrução dos cenários e dos figurinos fiéis à época, com referência ao calçado Ki-chute, indispensável para se escalar as escadas precárias e improvisadas com troncos de árvore. Para fechar, a música tradicional do Pará, popular, brega com estilo peculiar, que dá a atmosfera às cenas noturnas de prostituição.

O diretor foi ambicioso. Buscou, além do entretenimento, construir um documento, um trabalho de arte em busca da precisão do real. Há em seu filme um registro importante da história do Brasil. O visual que sai do filme é de uma cor forte e densa, uma textura singular e uma estética que, certamente, fará de Serra Pelada um clássico entre os melhores filmes brasileiros.


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