Sabe aquela xícara com uma alça quebrada que a gente morre de dó de jogar fora? E aquela blusa antiga cheia de furinhos que só de pensar em doar já dá aquela dor no coração?
Pois bem, me sinto assim em relação aos vinhos carregados ou levemente dotados de aromas de oxidação. Não consigo condená-los (não confundir com vinhos defeituosos, mas sim fiéis a seu estilo). Sou uma apaixonada declarada pelos vinhos com arestas, pequenas imperfeições que os preenchem de personalidade.
Os vinhos da região espanhola de Jerez refletem isso, com aromas minerais e gostinho salino, lembrando o mar. Confesso que não foi sempre assim. Lembro-me da primeira vez que senti o gosto de um Jerez fino: foi desconcertante tamanha mineralidade contida no copo. Mas a região que, no momento, é minha vedete chama-se Jura.
Região francesa que fica pertinho de Champagne, produz vinhos em sua grande maioria de maneira natural, orgânica ou biodinâmica. Lá viveu durante muitos anos Louis Pasteur e parece que ali, no Jura, as experiências em relação à fermentação se estendem aos dias de hoje.
Jura é o berço de um dos vinhos mais esquisitos e instigantes que já bebi, o Château-Chalon, uma pequena apelação que possui regras de produção bastante singulares.
Além do Château-Chalon, outras apelações do Jura fazem o vinho no estilo Vin Jaune, que aporta justamente essa veia oxidativa.
A uva é a Savagnin, cujo parentesco acredita ser dado pela Gewürztraminer, deve ser colhida de maneira mais tardia e com cuidado para não ser atacada pela podridão nobre.
Após a fermentação, em sua maioria espontânea, e com leveduras chamadas indígenas, os vinhos de Château-Chalon descansam, no mínimo, seis anos e três meses em barris de madeira, sem o preenchimento total dos mesmos. Com tanto oxigênio, as leveduras formam uma capa natural sobre o vinho com o nome de flor, e é justamente essa capa que dará proteção para que o vinho não vire literalmente vinagre.
Depois de pronto, esse vinho dourado, seco, intenso, deve ser bebido aos pequenos goles, com os mariscos deliciosos dali de perto.
A relíquia dourada esquisita do Jura pode ser provada em versões mais simples, como os Arbois que estão disponíveis com mais facilidade por aqui.
*Graduada em Gastronomia, com especialização em Enogastronomia, e maître-sommelier dos restaurantes D.O.M. e Dalva e Dito, em São Paulo.
Deixe um comentário