Naquela tarde de ventos fortes de 19 de outubro de 1901, toda Paris parou para ver a realização daquilo que o mundo do início do século XX considerava a epítome do impossível. A bordo do seu Dirigível no 6, exatamente às 14h30 de um dia de outono que ficaria marcado para sempre na memória de milhões de pessoas mundo afora, o maior cientista brasileiro de todos os tempos, Alberto Santos Dumont, decolou do Parc de Saint-Cloud em direção ao monumento mais imponente da capital francesa, a Torre Eiffel. Carregando na mente o objetivo de contornar a torre e retornar ao ponto de partida em não mais de 30 minutos, Santos Dumont deve ter se lembrado, por alguns segundos ao menos, dos meses de tentativas malsucedidas e acidentes, alguns quase fatais, que precederam aquela histórica decolagem. Munido apenas de uma inesgotável dose de ousadia e um desejo insaciável de voar com e como os pássaros, esse filho de fazendeiro, nascido no interior de Minas Gerais, percorreu 11 infindáveis quilômetros para assombrar o mundo e entrar para o panteão dos heróis da humanidade como o ganhador do prêmio Deutsch de La Meurthe, a primeira grande honraria internacional da história da aviação.
Mas Santos Dumont conquistou muito mais que um prêmio ao voar ao lado dos pássaros franceses que, meio atordoados, flutuavam nos céus de Paris sem entender bem o que se passava com aquela gente lá embaixo que, em delírio, insistia em atirar seus chapéus ao ar, cantando a La Marseillaise. Ao tocar as fronteiras do impossível e arrastá-las sem hesitação para o território do factível, do realizável, Santos Dumont conquistou um lugar ímpar na saga da construção da nação brasileira, aquela que um dia ainda vai decidir honrá-lo com a devida pompa e circunstância que só um verdadeiro herói nacional merece receber. Pois Santos Dumont, ao contornar a Torre Eiffel, realizou algo muito pouco comum na história do nosso País. Ele cumpriu a palavra empenhada.
Sem nuanças, sem meio termo, sem deixar dúvida alguma do resultado final. Santos Dumont não se conformou só em prometer que iria voar. Ele sabia que o sonho prometido e não realizado não condena apenas o seu sonhador, mas fornece munição preciosa àqueles que há muito renunciaram aos seus próprios sonhos e, como tal, não podem permitir que outros alcem voo.
Assim, Santos Dumont também decolou naquela tarde parisiense para permitir que gerações futuras de brasileiros jamais esmorecessem em seus desejos de um dia realizarem seus voos impossíveis, sejam eles quais forem. Por essa razão, a entrada principal do Campus do Cérebro do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), na pequena cidade de Macaíba, na periferia da capital do Estado do Rio Grande do Norte, será coberta por uma maravilhosa escultura, representando um 14-bis do século XXI. Todas as manhãs, milhares de crianças passarão debaixo dessa escultura a caminho da Escola Lygia Maria Laporta do IINN-ELS. A esperança de todos os envolvidos nesse projeto é que, ao cruzarem a sombra desse grande pássaro brasileiro, esculpido em metal, plástico e história, todas essas crianças, dia após dia, construam seus sonhos impossíveis e imaginem como será o grandioso momento em que, finalmente, eles também poderão voar, livres como pássaros, rumo ao desconhecido e maravilhoso mundo da realização humana plena. Como Santos Dumont, nosso exército de sonhadores, que já conta 1.400 voluntários, vai carregar consigo olhos brilhantes, cheios de ousadia e vontade de contribuir para o futuro do País.
Não há mais tempo a perder. Ousar é preciso! Está na hora de olhar para o céu e começar a planejar a decolagem que vai fazer com que filhos e filhas do Brasil voltem a voar e assombrar todo o mundo.
*Paulistano e palmeirense de nascença, é professor titular de Neurobiologia e codiretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA), idealizador e diretor do Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra em Natal (RN). Faz parte do Conselho Editorial da Brasileiros.
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