Secador, maçã e lente… (“Secador, maçã e lente” – Érika Machado e Juliana Mafra)
Sorvete, maçã, banana, limão (…) janela, tela, tênis, vidro, olho e palavrão (…) girafa, amor e avião… (“As Coisas” – Érika Machado e Cecília Silveira)
[nggallery id=15491]
Pescoço de cobra, bunda de calango (…) focinho de fada, cara de mostrengo (…) cara de minhoca, mão de pernilongo… (“Dango Â-Balango” – José Adolfo e Carlos Ávila)
Coisas. Coisas delicadas, raras ou não tanto. Miúda, cabelos cacheados, rosto de menina, Érika Machado, a mineira de 31 anos responsável por essa coleta pinçada entre as músicas de seu premiado CD No Cimento, já está com repertório definido para o segundo disco. Oficial. Porque na verdade será o terceiro. Enquanto se preparava para apresentar-se com sua banda no Festival de Cinema de Tiradentes realizado no final de janeiro, algo que namorava há mais de dois anos, Érika explicou que sempre teve uma “cabeça de artes plásticas”. Formada nessa área pela Escola Guignard, da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), dedicava-se a princípio a ocupar os espaços das coisas visuais, entenda-se galerias. Ou onde desse. Em 2003, por exemplo, ela se cotizou ao lado de 12 colegas, autodenominados Novos Utópicos, que depositaram mensalmente R$ 10, para em dezembro realizar exposições individuais pela cidade, acompanhadas por um jornal que trazia as intenções e o histórico dos componentes. Para se ter uma idéia das propostas, Laís Mirra, uma das artistas preferidas de Érika, pintou um muro de preto e foi escrevendo os nomes das pessoas que iam passando até que o mesmo ficasse completamente branco. O título da obra era Memorial do Esquecimento.
Entre uma ação e outra, Érika fazia músicas que dificilmente mostrava. Poucas pessoas sequer sabiam que ela cantava. E compunha. Uma das que a descobriram foi a ex-nadadora e cantora Marina Machado, que já havia dividido o palco com nomes como Milton Nascimento, Jota Quest e Skank e estava escolhendo repertório para seu disco novo. Érika mais do que depressa tratou de gravar um MD – minidisc digital ótimo para demos. E qual não foi sua surpresa quando ouviu sua voz pela primeira vez sair das caixas de som? Rapidamente, organizou as músicas em uma determinada ordem, criou uma histórinha ligando-as, tratou de passar o que havia gravado para o formato de CD, fez uma capinha e mais cópias. Assim, ao mesmo tempo que Marina apreciava o trabalho de Érika, esta colocou os CDS em sebos e camelôs. Vendeu 750!
O passo seguinte foi ser chamada para se apresentar e Érika não se fez de rogada. Como as músicas que compunha tinham ligação direta com seu mundo, para cada show desmontava seu quarto e o levava para o palco. Cantava cercada de suas coisas, “senão não tinha muito sentido”, justifica-se. Afinal o show a seu ver tratava-se de mais um suporte para a sua arte. Porque continuava criando. Em uma ação que batizou de Fabriquinha, decorou um sofá e um quadro com as mesmas matizes e inscreveu o trabalho em um salão. Quando recebeu a notícia de que não foi aceito, vestiu-se com roupas no mesmo padrão e compareceu à abertura, expondo-se do mesmo jeito. A ação foi fotografada e enviada para o Itaú Cultural. Outra ação foram as Fabriquetas, consistindo na fabricação de 50 moedas numeradas trazendo no verso o símbolo do ateliê. A idéia era trocá-las por bens, serviços ou outros tipos de moeda. Érika não conseguiu comprar no Mac Donald’s, mas cortou o cabelo e recebeu, entre outras coisas, uma manivela de pipa, uma bola de basquete e o trabalho de um colega. Cada moeda trocada, tinha sua história escrita, fotografada e filmada. Assim quando os convites para shows se multiplicaram, ou, como ela diz, passou a ser chamada para espaços onde as pessoas faziam música, chegava a se sentir mal por não ser do meio.
Com os pedidos aumentando, inscreveu-se no Conexão Festival de Belo Horizonte e teve a casa lotada. Não havia como voltar atrás. Chegou a passar uma cópia de seu CD para John Ulhoa, do Pato Fu, ouvindo semanas depois, “é tosco mas é mais interessante do que a maioria das coisas que recebo”. A glória. Assim que ficou sabendo de uma lei estadual de incentivo, beneficiando gravações, inscreveu-se, foi contemplada e chamou Ulhoa para produzir o que batizou de No Cimento. Gravado no final de 2005, amealhou o prêmio da Associação Paulista de Criticos de Arte (APCA), o Troféu Catavento da Rádio Cultura paulistana e uma miniturnê patrocinada pelo edital Natura Minas. Érika mudou para a música de mala e cuia. Ou melhor, com suas coisas.
Hoje Érika apresenta-se cantando e tocando violão ao lado de Daniel Saavedra na guitarra, Thiago Braga no baixo, Thiago Peixoto na bateria e Cecília Silveira, parceira em várias músicas, no violão e vocais. Contemplada pela Petrobras que financiará a gravação de um CD e três shows, Érika iniciaria as gravações do novo disco no segundo semestre do ano passado, novamente tendo Ulhoa à frente. Uma série de entraves burocráticos fez com que adiasse o projeto. No momento está aguardando John encerrar sua participação no novo trabalho de Zélia Duncan para entrar em estúdio. O novo disco deve sair em março, pode trazer a voz da mexicana Julieta Venegas – as duas se conheceram pelo MySpace – e vai coincidir com a apresentação de Érika Machado no South by Southwest, festival promovido anualmente em Austin, Texas, onde já se apresentaram vários brasileiros, e atrações como Amy Winehouse e Flaming Lips. Só falta o governo pagar as passagens, garante Érika que não leva mais seu quarto para o palco. “Uma banda já tem de carregar coisas demais”, justifica.
Deixe um comentário