Outro fenômeno da internet

Magro, alto, dentões, pezão, cabelão, chapéu desabado, parece mais um delírio do poeta Waly Salomão na virada dos anos 1970 que a mais recente sensação da geração All Star. Ele é as duas coisas. Além disso, lembra uma criatura tão próxima de nós quanto um participante do BBB ou algum namorado brasileiro da Madonna.

Nascido em São Paulo, capital, Rafael Castro, 24 anos, mudou-se criança para Lençóis Paulista. Acabaria voltando para São Paulo e aos 17 radicou-se de novo no interior. O pai, vendedor, e a mãe, assistente social, bem que fizeram de tudo para que frequentasse a faculdade local de Administração, mas a lista de presença mereceu seu autógrafo apenas por um mês, se tanto.
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Rafa, que se apresenta acompanhado pelo grupo Os Monumentais – Filipe Franco (ou Jonas Bottan) no baixo e Marcelo Lopes (ou Willian Bueno) na bateria -, ficou conhecido por lançar nada menos que nove discos na internet. Ele os gravou sozinho, tocando todos os instrumentos. Dá para baixar os álbuns de graça. A qualidade técnica é razoável, e a estética, interessantíssima.

Pequeno ainda, Rafa teve aulas de piano e uma infância normal. Fuçava no violão e, em vez de ler, escrevia incessantemente. Sua poesia logo virava letra de música. Nunca se metia com conjunto, mas amava com igual intensidade Beatles, Juca Chaves, Mutantes, Leonard Cohen, Joelho de Porco, Jards Macalé, Jorge Mautner e Paralamas. Acabou não dando muita bola para o glitter dos anos 1980 nem para o grunge da década seguinte, adentrando o terceiro milênio na base do trovador. Bares, rodinhas, festinhas e coisa e tal. Quando conheceu o primeiro programinha de computador que permitia gravações, seu mundo mudou.

Assim surgiu Fazendo Tricot (2006), que traz, entre outras, “O Curioso Enterro da Drag Queen”. Vieram em seguida, 40 dias em Hong Kong, que abre com “Uma Canção para meu Neto”; A Serenata do Capeta e Combustão Espontânea, todos de 2007. No ano seguinte, lançou Amor, Amor, Amor e Maldito, com participação de seu pai e contendo o hit “E agora, Wilson Breda?”.

A essa altura dos acontecimentos e “consagrado pela internet”, Rafa bandeou-se para a capital. Conheceu formadores de opinião, descolados, colegas da cena, o mundo dos neoinferninhos, Fun House, Studio SP, Milo Garage, Inferno, Outs, Livraria da Esquina e outros, e voltou correndo para Lençóis, onde gravou Raiz e O Estatuto do Tabagista. Fechou a produção de 2009 com o prêmio para novas bandas Trama/Peligro e uma apresentação no SESC Santana no projeto Ácidos e Agudos. Seu mais recente petardo é Aquele Embalo. As 12 canções completam uma centena de músicas distribuídas gratuitamente – na verdade, 96. E assinam sua filosofia: música para o povo.

Tempos do cybergueto
Rafa ama a net, mas a vê com uma clareza desconcertante. Segundo ele, “para começar não é todo o mundo que chega ao MySpace, aos blogs, às exibições ao vivo. Vivemos em um cybergueto”. E segue filosofando. Tem a nítida consciência de que quem tem tudo em casa não vai comprar CD e muito menos se aventurar em lugares em que se quebram vidros de carro, não são aceitos cartões de banco e o equipamento de som é ruim. Computador serve para evitar esses micos. Já quem não tem PC, nem sequer fica sabendo. Por isso, seu projeto atual, à frente do trio, é descolar uma van, um gerador, e sair tocando. Em Lençóis, ele se apresentava em bares lotados e vendia todos os poucos CDs que levava. Por que não ampliar essa investida? Se Rafa já entrega a música de graça pela net, por que não entregá-la em mãos?

E olha que o menino tem cancha para isso. Todos os chamam de “hiteiro”, ou seja, o cara que tem a manha de compor hits, músicas que as pessoas cantam e grudam na cabeça. O universo de suas letras, alimentado por gente como Rita Lee e Raul Seixas, é acessível. Fala de coisas do dia a dia de um cara de vinte e poucos anos em 2010. O som, ele insiste em classificar de setentista. As músicas têm estribilho, solinho no meio, começo, meio e fim. Dá para se notar a variedade de influências que permeiam cada canção, a exemplo de bandas como Off Montreal ou Frank Zappa – descontado o virtuosismo, é lógico. Rafa e os Monumentais têm se dado bem no circuito bem-longe-do-baixo-Augusta. Tocam direto no Paraná, mais para o Sul, frequentam festivais, como o catarinense Psicodália. E não veem a hora de trocar o mouse por cheques polpudos. Enquanto o pessoal continua baixando adoidado suas músicas.


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