Outros segredos do Planalto Central

Mesmo quem nunca colocou os pés na capital do país já deve, em algum momento, ter classificado Brasília como uma cidade áspera e impessoal. Já ouviu falar que por lá não há muito o que fazer. É um julgamento automático, como associar São Paulo ao cinza e o Rio de Janeiro à dualidade da beleza e da violência. Mas às vésperas de completar 50 anos, Brasília talvez mereça um olhar menos rígido e mais curioso.

Não é negar a falta da corrupção, ela está lá. Nem deixar de ver outros problemas, como a falta de um transporte público eficiente capaz de atender as longas distâncias e se deparar com os altos índices de violência, principalmente das cidades-satélites. De uma cidade com raízes das mais diversas, fundada em 1950, por Juscelino Kubitschek, a quase cinquentona capital começa a ver sua identidade ser definida. Há toda uma geração de brasilienses nascidos no Planalto Central, de trinta e poucos anos, filhos dos candangos que foram tentar a vida na nova capital, apaixonados pela cidade e que estão dispostos a desvendar esse pedaço de cerrado, ao mesmo tempo tão famoso e tão desconhecido.
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Como tantos outros, Alexandre Carrijo é um servidor público, mas também é um desses missionários da cidade. Se durante o dia vive a formalidade da Câmara dos Deputados mais famosa – e polêmica – do Brasil, aprendeu desde cedo, nas horas livres, a aproveitar as privilegiadas condições geográficas da cidade para exercer sua atividade favorita, o esporte.

Atleta, Carrijo já desbravou as trilhas dos arredores da cidade praticando montain bike e é um dos idealizadores do movimento “Viva Brasília”, criado por ele e pela namorada Diana Nishimura, também atleta, com o objetivo de divulgar o potencial esportivo da cidade. “Brasília não tem esquina, mas tem vários cantos especiais e é um palco para os esportes outdoor“, afirma Carrijo.

Em Brasília, realmente, se gasta energia em qualquer lugar. Sua imensa área plana é perfeita para correr e para pedalar. O lago Paranoá, que abriga a terceira maior frota de embarcações do país, em sua longa extensão recebe grande variedade de atividades aquáticas. Há rios para quem quer descer corredeiras, cachoeiras para os desbravadores de trilha e as correntes térmicas são ideais para os praticantes do voo livre. Não é raro ver uma asa delta, que decolou do Vale do Paranã, na cidade de Formosa (GO), pousar no gramado da Esplanada dos Ministérios. E de Brasília saíram alguns nomes famosos do esporte, como o maratonista Marilson Gomes dos Santos.

Um dos frutos dessa iniciativa de Carrijo e Diana é a prova Brasília Multisport, que no mês de julho reuniu cerca de 200 competidores na cidade, vindos de vários locais do país. A prova multiesportiva oferece várias modalidades e os atletas puderam correr, remar e pedalar, tanto entre os principais cartões-postais, como explorar uma Brasília mais rural, que muita gente nem imagina que existe.

O circuito contemplou nada menos que 135 km. Os participantes largaram às 7 da manhã da Esplanada dos Ministérios, depois remaram pelo lago Paranoá, pedalaram em torno do lago, desceram corredeiras de rios e ainda fecharam a prova correndo, debaixo do sol escaldante do cerrado, a distância de uma meia maratona. Atletas da Nova Zelândia, apontados como favoritos, sucumbiram à força do sol e da seca e o topo do pódio ficou com brasilienses legítimos. “Foi uma prova para candango”, brincou Kenny Souza, o vencedor da categoria solo, que completou o trajeto em 7 horas e 7 minutos.

Mas não é preciso ter gosto pela endorfina para conhecer outras “Brasílias”, há toda uma riqueza histórica e cultural da cidade, declarada Patrimônio Cultural da Humanidade, quase oculta. Traçar essas rotas é o objetivo de Lana Guimarães, Patrícia Herzog e Tatiana Petra, fundadoras da Tríade, empresa que trabalha com base nas vertentes do turismo, do patrimônio e da educação.

Uma das rotas criadas pelo trio que vão além do turismo cívico é o desvendar das obras do artista Athos Bulcão, com seus expressivos murais de azulejos, que se integram perfeitamente à arquitetura da cidade. “São 261 obras dele na cidade. Não tem como dissociar Athos de Brasília”, conta Lana.

Outro que merece ter os passos seguidos é Louis Ferdinand Cruls, que preferia ser chamado apenas de Luís Cruls. Entre os anos de 1892 e 1896, esse astrônomo belga liderou uma expedição que explorou, pela primeira vez, o Planalto Central do Brasil. E, a partir dos relatórios do grupo, foi apontado o local exato para a construção da nova capital do Brasil. “Muita gente acha que Brasília é fruto apenas da ideia de Juscelino Kubitschek, mas nossa história começou há muito mais tempo”, lembra Lana. O desafio agora é viabilizar a logística da rota batizada “Caminhos da Missão Cruls” e oferecê-la como opção de passeio para novos desbravadores.

Descobrir a cinquentona Brasília só pede um pouco de tempo e disposição. É se deixar encontrar na imensidão e se perder em pequenas surpresas. Na cidade sem esquinas, acredite, tem açougue que vende picanha, empresta livros e promove saraus e shows. Brasília é o lugar certo para comer codorna e iguarias como pescoço de peru. Nas sorveterias, passe longe do morango e chocolate e prove sabores típicos do cerrado, como o buriti e o araticum. No mais, por mais clichê que seja, Brasília tem todo aquele céu que, sem pedir licença, se impõe como espetáculo todos os dias.


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