No dia 26 de janeiro de 1975, José Carlos Pace, o “Moco”, atingiu o ponto alto de sua carreira, ao vencer o Grande Prêmio do Brasil, em Interlagos, autódromo batizado com seu nome em dezembro de 1985. Largando em sexto lugar, Pace completou as 40 voltas da prova com sua Brabham-Ford em 44 minutos e 41 segundos, fazendo a primeira dobradinha brasileira – Emerson Fittipaldi cruzou em segundo, a bordo de sua McLaren-Ford (assista a trechos da corrida selecionados em nossa página eletrônica: www.revistabrasileiros.com.br).
Naquela corrida, emprestei a “Moco” nosso ônibus motor-home para alojar sua equipe e convidados vips de seu patrocinador, a Brahma. Foi uma grande festa. Torci alucinadamente em cima do ônibus, ao lado do amigo e também piloto Paulo Gomes. Após a bandeirada de chegada, fui até a rampa de entrada dos boxes, ao lado de sua esposa, Elda, que estava grávida do segundo filho do casal.
[nggallery id=15500]
Quando o “Moco” parou o carro na rampa de acesso aos boxes (naquele tempo o pátio não era fechado), furamos o bloqueio no meio da multidão e encostamos na sua Brabham. Ele beijou a Elda ainda de cinto atado e eu tentei tirá-lo do carro, meio à força, para erguê-lo e comemorar a vitória.
Ele gritou: “Calma, calma! Preciso soltar o cinto, ‘Omelete’!” (apelido que ganhei dos mecânicos da equipe do Mário César de Camargo Filho, ao me verem comendo com vontade um prato de omelete). O Luís Greco, que era chefe da equipe Ford, de um lado, e eu, do outro, tivemos a honra e o prazer de erguê-lo e vibrar com sua grande vitória.
Os 30 anos da morte de Pace, um dos últimos pilotos românticos do automobilismo, me fazem lembrar, com saudade, de sua vitoriosa trajetória e dos bons tempos do automobilismo brasileiro. Essa fase coincidiu com o início da produção nacional de veículos, no final da década de 1950. E despontava a “garotada gasolina”.
São Paulo, então, era uma cidade vazia. As turmas se reuniam nos bairros, nos carros da época – os primeiros Fuscas, DKWs, Gordinis e outros modelos -, para fazerem curvas, escolhidas a dedo, em alta velocidade.
Mesmo morando longe, no bairro de Santo Amaro, não perdia essas corridas. Pegava minha bicicleta, cortava o Morumbi, um bairro então deserto, e subia a Avenida Rebouças, para encontrar a turma e os muitos amigos, dentre eles os irmãos Fittipaldi, o Cacaio (Joaquim Carlos Mattos), o Azizo, o Tito, o alemão Buzzo Buzzo e um tal Carlinhos, já apelidado de “Moco”. Era uma turma boa de papo e todos românticos, com vontade de acelerar.
Logo vieram os primeiros karts, os Rois Karts, fabricados pelo construtor e excelente piloto de carros da marca MG, Cláudio Daniel Rodrigues. Ele ganhou a primeira corrida do gênero, disputada no Jardim Marajoara, em São Paulo. Nessa prova, o Wilson “Tigrão” Fittipaldi em segundo e o Maneco Combacau, em terceiro.
Os menores de idade, como eu, não tinham vez, pois, pelo regulamento, somente podiam disputar aqueles que tinham 18 anos completos. Sem poder acelerar, só nos restava lavar peças, engraxar engrenagens, calibrar pneus e cronometrar.
Os primeiros Rois Karts tinham motor estacionário, de 90 cilindradas e quatro tempos. O arranque era feito puxando uma cordinha, e a embreagem era automática. Não demorou muito e o engenheiro Silvano Pozzi desenvolveu um kart com motor dois tempos acionado por corrente ao eixo traseiro.
Nosso trabalho duplicou, porque, quando o kart rodopiava, era preciso levantar as rodas traseiras e, com piloto a bordo, empurrar, até ganhar embalo. Aí as rodas eram baixadas no chão, novamente, para o motor pegar, no “tranco”. O Emerson Fittipaldi logo ganhou o apelido de “Ratinho” empurrando o kart do seu irmão, “Tigrão”.
O tal “Moco” entrou na brincadeira, mas como era meio gorducho ninguém queria empurrar o “peso-pesado”. Naquela época, as normas liberavam o peso. Assim, a relação peso-potência não trazia bons resultados para o Pace: ele “andava de lado” o tempo todo e dava show, mas sempre corria atrás, no chamado “pelotão do INPS”, junto com outro amigo “peso-pesado”, o Valdo “Pastifício” Pastore.
Dava a largada uma nova geração. Wilson Fittipaldi Junior estreou na categoria de carros com um DKW nos Mil Quilômetros de Brasília, terminando num brilhante quarto lugar. Ele e nossa turma comemoraram como se fosse uma vitória.
Em seguida, Wilson Fittipaldi foi convidado para integrar a equipe Willys pelo chefe e piloto Christian “Bino” Heins, um dos mais rápidos pilotos brasileiros. Começava a fase áurea das famosas Berlinettas Interlagos, os primeiros GTs brasileiros.
O automobilismo brasileiro começou a se internacionalizar em 1963, quando o “Bino” foi convidado para fazer dupla com José Rosinski, num Alpine preparado pelo fundador da escuderia, Jean Redelé, na famosa 24 Horas de Le Mans, na França.
O piloto Luís Greco, que comandava a produção das Berlinettas Interlagos da montadora Willys, criou um “speed shop” específico para competições no bairro paulistano do Socorro com seis carros – três Berlinettas e três Gordinis. Outra fábrica, a DKW Vemag participava com três carros; a Simca, com dois; e a Fábrica Nacional de Motores (FNM), com o modelo JK.
Com a criação da categoria de estreantes para carros nacionais, a nova geração ganhou fama e mercado. Paralelamente, surgiam lojas de acessórios e preparadores de motores, e o automobilismo cresceu. Uma dessas lojas era a Corsa, uma espécie de “butique” no bairro do Itaim, freqüentada pela “turma da gasolina”.
Nessa turma destacava-se um quarteto de peso, formado pelos mecânicos Anísio Campos, Joaquim “Cacaio” Mattos, Bruno Barracano e o preparador Sérgio “Cabeleira” Martins. Eles formaram uma sociedade e prepararam um DKW para estrear no II Prêmio Aniversário do Automóvel Clube do Estado de São Paulo (Acesp). Para pilotar o bólido, convidaram Carlos “Moco” Pace.
Os excelentes tempos de “Moco” chamaram a atenção de Luís Greco, da Willys, que no mesmo dia foi até a casa do Anísio Campos – Greco queria a liberação do piloto, para pilotar o Gordini de sua equipe.
Anísio Campos e seus sócios na Corsa liberaram o amigo Pace, porque acharam melhor que o “Moco” iniciasse sua carreira apoiado por uma equipe de fábrica.
A corrida de estreantes, o II Prêmio Aniversário do Acesp, foi vencida por dois Gordinis, pilotados por dois kartistas: Carol Figueiredo, que chegou em primeiro, e “Moco”, em segundo. A corrida seguinte, disputada em Araraquara, foi vencida por Pace, desta vez pilotando um conversível Interlagos.
Logo depois, “Moco” foi efetivado como piloto oficial da Willys, ao lado de Bird Clemente, Wilson Fittipaldi e Luís Pereira Bueno – as grandes estrelas da época -, e promessas como Emerson Fittipaldi, Chiquinho Lameirão, Terra Smith, Lian Duarte, Geraldo Meirelles, Danilo de Lemos – dentre tantos outros que passaram pelas mãos do Greco. Não tardou muito e “Moco” foi convidado para pilotar as Berlinettas ao lado de Emerson, Lameirão e Smith. Foram dois anos de Willys até Pace ingressar na equipe Dacon do seu amigo Paulo Goulart, que preparava um Fusca com equipamento Porsche.
Na nova equipe, José Carlos Pace consagrou-se definitivamente como principal piloto, dando verdadeiros shows – primeiro no Fusca preparado da Dacon, e logo depois no pioneiro modelo Karmann Ghia, desenvolvido sobre carroçaria original, modelada mais tarde em fibra de vidro – sempre com o possante motor 2,0 litros Porsche.
Lembro-me de que um belo dia “Moco”, sempre atencioso com os amigos, me convidou para andar do seu lado, no Karmann Ghia Porsche da equipe Dacon. Bastou uma única volta para que eu perdesse o sono naquela noite. Depois que a equipe Dacon foi desativada, em 1967, “Moco” passou pela equipe Jolly, onde deixou sua marca com o protótipo P33, e acabou voltando para a equipe de Luís Greco, ao lado de Luís Pereira Bueno.
Em 1970, “Moco” carimbou seu passaporte: correndo com um Lotus Holbay, disputou a Fórmula 3 inglesa e conquistou o torneio Forward Trust. No ano seguinte, foi convidado pelo próprio Frank Williams para defender a escuderia na Fórmula 2.
Dali para a Fórmula 1 foi um pulo. Entrou para a categoria pelas mãos de John Surtees, seu amigo e ex-campeão de motociclismo e de Fórmula 1, que resolveu construir um carro próprio. Pace chegou a ser convidado pela Ferrari para disputar o campeonato mundial de marcas. Seus testes impressionaram o capo da escuderia, o comendador Enzo Ferrari, que o convidou para a Fórmula 1. O leal e romântico Pace, entretanto, permaneceu fiel ao amigo Surtees, brindando sua equipe com as duas melhores voltas em pistas difíceis, como os 22 quilômetros de Nurburbring (Alemanha), e de alta velocidade em Zeltweg, na Áustria.
Em meados de 1974, ele foi convidado por Bernie Ecclestone para ser companheiro de Carlos Reutemann na Brabham, conquistando um segundo lugar no GP dos Estados Unidos e a memorável vitória no GP do Brasil em 1975.
(*) Jan Balder nasceu na Holanda, em 21 de junho de 1946, e vive no Brasil desde os 7 anos. Foi piloto de kart, de provas de Gran Turismo e de rallies e pioneiro em corridas no exterior com equipe totalmente brasileira, disputando provas em Angola e Portugal (em 1971). Construtor, desenvolveu monoposto de Fórmula 2 e da Fórmula Chevrolet. É comentarista de automobilismo da Band News.
Deixe um comentário