O cinema do diretor espanhol Pedro Almodóvar é um dos mais originais e facilmente identificáveis da produção mundial hoje. “Um Almodóvar” é a expressão que representa bem essa ideia. Soa como uma pintura de arte de um grande pintor. Cores fortes e vibrantes, aliás, é uma marca de Almodóvar. Em filmes como Abraços Partidos e A Pele Que Habito – tramas densas e centradas no suspense policial – ou pérolas delicadas como Tudo sobre Minha Mãe e Fale com Ela, Almodóvar se mostra como o cineasta do exagero, dos crimes passionais desmedidos, da transgressão moral e sexual, do insulto à hipocrisia das instituições que regulam a conduta de todos, inclusive à Igreja Católica, uma obsessão que ele já recorreu em Má Educação, para falar de pedofilia. É uma fórmula que lapidou e cristalizou desde o primeiro longa, Pepe, Lucy, Bom, de 1980, filme desbocado de baixíssimo orçamento, improvisações e uma visão do mundo gay espanhol da época.
Tudo isso aparece, mais uma vez, em Os Amantes Passageiros, seu novo longa, que estreia este mês. É um esforço de Almodóvar para voltar à sua veia mais humorística, que o consagrou em Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos. O ponto de partida é um pequeno acidente na pista do Aeroporto de Barajas, que compromete o trem de pouso de um avião que vai para o México, sem que a tripulação perceba a tempo de impedir a decolagem. Assim como no célebre roteiro que o italiano Federico Fellini deixou inédito – A Viagem de G. Mastorna –, publicado apenas em livro, com ilustrações de Milo Manara, a história de Almodóvar se passa em uma aeronave superpovoada de personagens curiosos e cheios de esquisitices. Ao saberem que há risco de morte, acontece uma espécie de catarse, de fazer aflorar os desejos almodovarianos, quando o sexo, claro, passa a ditar o comportamento de todos.
Entre os tipos bizarros, uma vidente perde a virgindade enquanto dorme e, ao despertar, o sêmen do “parceiro” atinge o rosto de um comissário. Enquanto Penélope Cruz e Antonio Banderas aparecem em breve cena na abertura, grandes atores participam dessa louca viagem: Javier Cámara, Lola Dueñas, Cecilia Roth, Carlos Areces, Raul Arevalo, José Maria Yazpik e Paz Viega (tente descobrir quem é ela no filme). O próprio diretor o definiu como o seu “filme mais gay de todos os tempos”. Ao jornal inglês The Guardian, ele observou que o longa também pode ser visto como uma metáfora para uma doença: a recessão que atingiu a Espanha nos últimos cinco anos. “Desejei que essa fosse uma comédia maluca, algo escapista. Mas a verdade é que existem coisas que se harmonizam com o tempo.”
Almodóvar tem algumas boas ideias. Em três níveis, sua fauna se divide: a cabine de comando, que controla o destino, a primeira classe e a econômica. Uma forma, sem dúvida, apropriada para brincar com conflitos sociais, econômicos e culturais da sociedade, ali minimizados. O jeito kitsch de explorar e mostrar as relações e os personagens – com seus figurinos extravagantes – reforça sua assinatura no roteiro e na direção. Mas a sensação é de um filme escrito, filmado e finalizado às pressas. Os problemas são as piadas forçadas, cenas previsíveis. E nesse ponto, o diretor perde a mão, vira uma caricatura malfeita de si mesmo, com pouca graça, personagens pouco interessantes, além de diálogos marcados por clichês que ele mesmo criou. Mesmo assim, vale a pena ser visto. Porque um Almodóvar é um Almodóvar. À espera de contemplação.
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