“Palmada não resolve”, diz Paulo Sérgio Pinheiro

Cuidar deste Balaio tem me dado algum trabalho e muitas alegrias no convívio diário com os leitores. Fiquei muito feliz, por exemplo, ao encontrar no domingo à noite, entre centenas de comentários da semana, uma contestação feita pelo velho amigo Paulo Sérgio Pinheiro ao post em que critiquei a chamada “Lei das Palmadas”, publicado na semana passada, que provocou muita polêmica entre os leitores.

Ex-Secretário de Estado de Direitos Humanos, com status de ministro, no governo Fernando Henrique Cardoso, o professor Pinheiro, mais conhecido como PSP, faz uma veemente defesa do projeto do governo Lula, segundo ele já adotado na maioria dos países. Gostei tanto do seu comentário, apesar das nossas divergências sobre o tema, que lhe pedi para me mandar um artigo sobre o projeto de lei enviado pelo governo federal ao Congresso condenando castigos físicos aplicados por pais na educação dos filhos, algo que considerei uma bobagem por interferir nas relações familiares e ser inexequível.

Prontamente ele me atendeu e enviou um alentado texto, que tenho o prazer de reproduzir abaixo, ao qual anexou links para os relatórios de pesquisas produzidas por diferentes organismos internacionais. Os argumentos apresentados por Pinheiro, para quem não se deve bater em crianças porque palmada não resolve, certamente contribuirão para enriquecer o debate sobre o tema.

Principal referência brasileira no campo dos direitos humanos, o cientista político Pinheiro dedicou sua vida acadêmica, no Brasil e no exterior, à defesa da vida e ao combate à violência. Aos 66 anos, divide seu tempo trabalhando como coordenador geral do Núcleo de Estudos de Violência da USP, em São Paulo, relator da Infância na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, em Washington, e professor de Relações Internacionais da Brown University, em Rhode Island, nos Estados Unidos.

Pai de três filhos e avô de três netos, garante que nunca bateu neles, mas já foi vítima de ameaças de violência em seu primeiro ano na escola. “Um inspetor de alunos ameaçava torturar a classe com charuto aceso se fizéssemos bagunça”, lembra ele.

Abaixo, o artigo que PSP escreveu especialmente para o Balaio:

Palmada ou baixar cacete não resolve conflito

Paulo Sérgio Pinheiro

Na maioria dos casos, no Brasil e no mundo, todo castigo físico contra as crianças raramente se limita à “palmadinha” nas crianças , mas trata-se de bofetadas, surras, espancamento com a mão ou com objetos como chicote, vara, cinturão, sapato e colher de madeira.

Consiste comumente em dar pontapés, empurrões, arranhá-las, mordê-las, obrigá-las a ficar em posturas incômodas, produzir queimaduras, obrigar a ingerir água fervendo, alimentos picantes ou a lavar a boca com sabão. Além desses, há outros castigos que não são físicos, mas igualmente cruéis e degradantes, castigos em que se menospreza, se humilha, se denigre, se ameaça, se assusta ou se ridiculariza a criança.

As conseqüências desses castigos físicos ( e psíquicos) nas crianças são desastrosas, marcando para sempre o desenvolvimento da criança e sua vida futura como adultos. Centenas de pesquisas demonstram que esses castigos geram conseqüências agudas e a longo termo na vida das crianças: hiperatividade, baixo desempenho escolar, desordens psicossomáticas , lesões no cérebro e no sistema nervoso central, nos olhos, nos ouvidos, problemas de saúde reprodutiva das adolescentes. Sem falar dos danos psicológicos e psíquicos: alcoolismo, depressão, ansiedade, desordens do sono, sentimentos de culpa e angustia. O elenco é devastador.

Para lidar com esses horrores, um projeto de lei que estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante, foi remetido ao Congresso Nacional pelo Presidente Lula.

Não se trata de projeto com intento “totalitário” do governo, no estilo 1984, nem de querer controlar as famílias. Nem esvazia a autoridade dos pais e o papel primordial da família na educação de seus filhos . O projeto de lei não desconhece nem nega que o uso da força pode ser necessária em certos momentos, como para proteger uma criança de um perigo iminente ou para proteger a outra pessoa.

O governo simplesmente regulamenta em boa hora, como vários países já o fizeram, o que está previsto na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil e mais 191 países que proíbe o uso da violência e castigos corporais contra a criança .

É obvio que somente a lei- como qualquer outra lei – não vai terminar com a violência contra a criança. É um passo necessário, mas insuficiente. A reforma legal tem de ser precedida e acompanhada por promoção pelos governos e sociedade civil de práticas de “disciplina positiva” para entender o que as crianças pensam e sentem, definindo objetivos e buscando resolver problemas nas relações entre pais e crianças.

Aprender a ser tolerante e não autoritário: por mais irritante que seja, crianças tendem a repetir comportamentos que foram proibidos. Isso é normal e não é “lesa majestade” ao pátrio poder. Não adianta aplicar castigos idiotas como quarto escuro. Melhor estabelecer limites, sem berrar, pois as crianças vão se ligar mais na sua raiva do que nos limites. Mas, se baterem nas crianças, os pais estarão ensinando aos filhos que baixar o cacete resolve conflito. E certamente irão se dar muito mal no futuro.
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Relatório Mundial sobre violência contra a criança

www.unviolencestudy.org

em português

http://www.crin.org/docs/Relatorio_Mundial.pdf

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Relatório sobre castigo corporal e os direitos humanos das crianças e adolescentes

http://www.cidh.org/pdf%20files/CASTIGO%20CORPORAL%20PORTUGUES.pdf

OBSERVACIÓN GENERAL Nº 8 (2006), Comitê de los derechos del niño, ONU, “El derecho del niño a la protección contra los castigos corporales yotras formas de castigo crueles o degradantes ”

http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G06/439/15/PDF/G0643915.pdf?OpenElement

Em tempo: outro motivo de alegria que tive estes dias foi ler as primeiras entrevistas dadas por Mano Menezes, o novo técnico da seleção brasileira.

Parece que ele leu o post “Por uma nova seleção brasileira do Brasil”, publicada aqui no Balaio no último dia 6 de julho, em que eu defendia a convocação de jogadores mais jovens, em atividade no país, no lugar dos “estrangeiros” da Copa da África do Sul, tendo por base o time do Santos.

E não é exatamente isto que ele está fazendo? É verdade que sugeri também a indicação do Dorival Júnior para técnico, pois ele tem tudo a ver com esta nova mentalidade que deve ser implantada no futebol brasileiro. Mas, pelo jeito, desta vez a CBF escolheu o técnico certo. Mano começa muito bem, há esperanças de novo.


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