Papo de artista

Rodrigo Andrade começou sua formação no ateliê de Sergio Fingermann, em 1977. Nos anos 1980, formou o grupo Casa 7, participou da 18ª Bienal de São Paulo e de diversas exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior. Em 2004, recebeu a Bolsa Vitae de Artes Plásticas. Suas obras Lanches Alvorada (2001) e Paredes da Caixa (2006) são intervenções pictóricas em espaços não-artísticos. Em 2007, escreveu, dirigiu e atuou no curta-metragem Uma Noite no Escritório (em parceria com Wagner Morales) e, em 2008, lançou livro pela Cosac Naify reunindo 25 anos de produção.

Wagner Malta Tavares é um artista de múltiplas linguagens, que harmoniza vídeos, esculturas, fotografias, desenhos, colagens, performances e instalações. Lança mão tanto da ficção científica como de autores como Pirandello, Shakespeare, Samuel Beckett e a tríade grega Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Participou de exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior, ganhou diversos prêmios e, em 2006, foi selecionado para ser artista residente no The Art Institute of Chicago pela Fundação Iberê Camargo.
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Wagner Malta Tavares x Rodrigo Andrade

Wagner Malta Tavares – Como você passou da figuração para a abstração?
Rodrigo Andrade – Eu comecei figurativo, como todo mundo que desenha desde criança. A certa altura da juventude passei para a abstração, depois voltei para a figuração, então voltei para a abstração de novo… Fiquei nesse pêndulo e em 1999 eu fui simplificando as figuras até que elas se tornaram formas abstratas, cubos, depois retângulos…Mas a abstração, para mim, tornou-se plena quando a própria tela e o próprio ato de fazer uma pintura tornaram-se significantes, que foi quando passei a aplicar os retângulos de tinta espessa diretamente sobre a tela branca e a pintura, como um objeto no mundo, tornou-se concreta e real como jamais tinha sido para mim.

W.M.T. – Qual a diferença entre as telas, as instalações e o filme?
R.A. – Nas telas, o próprio suporte já garante ao meu ato um caráter artístico. Isso devido à tradição, que torna a tela em branco o espaço da arte por excelência. Não é à toa que tanta gente sente medo de enfrentar uma tela em branco. Para mim, haver um campo determinado permite explorar sutilezas, como as distâncias das bordas e a relação de escala entre a tela e os blocos de tinta…As instalações já não têm essa garantia, pelo contrário, pois os lugares comuns que uso como suporte podem absorver as marcas que faço e torná-las comuns também, indiferenciadas, invisíveis, e daí não acontece nada. Mas esse perigo justamente é a graça das intervenções. Mas, se tanto as telas quanto as instalações pertencem ao mesmo mundo, ao mesmo espaço do espectador, que é o mundo real, no filme as marcas de tinta acontecem num mundo fictício, num espaço ilusório, num outro mundo, um mundo imaginário onde vivem o senhor Wilson, o doutor Pirajá, a Clotilde, o contínuo Jurandir…

W.M.T. – O que você espera acionar no público com seu trabalho?
R.A. – A perplexidade diante de algo simples e inequívoco.

W.M.T. – Os aquários, em Pinturas para Peixes, estão mais próximos das pinturas ou das instalações?
R.A. – Das instalações, já que são aplicações de tinta numa superfície, num espaço inapropriado para isso.

W.M.T. – O que querem os círculos nas novas pinturas?
R.A. – Os círculos não querem nada, quem quer sou eu. Quero criar outro espaço na mesma tela, quero estabelecer a complexidade com essas estruturas simples que faço.

W.M.T. – Para gerações futuras, você acha que há para onde ir partindo dos retângulos de cor?
R.A. – Olha, se alguém quiser seguir a partir de onde cheguei, formalmente, creio que vai cair no vazio. O que minhas pinturas podem inspirar são a busca e a invenção de outras pinturas, tão pessoais e singulares quanto as minhas.

W.M.T. – As cores têm temperamento no seu trabalho ou é uma questão de composição?
R.A. – É o mesmo caso: as cores não têm temperamento não, que tem sou eu. E, mais do que uma composição – no sentido virtuoso do termo -, as cores no meu trabalho explicitam uma questão básica na criação de uma obra de arte, que é a decisão. Uma questão de escolha, pura e simples. Eu posso colocar qualquer cor em qualquer lugar, então eu tenho de decidir qual e onde. Quero que essa fatalidade se mantenha visível nas pinturas. Acho que é isso que cria empatia com o espectador

Rodrigo Andrade x Wagner Malta Tavares

Rodrigo Andrade – Você, antes de ser artista, era empresário do ramo fonográfico, confere? Por que decidiu abandonar o negócio e ser artista? Como foi a mudança?
Wagner Malta Tavares – Sim, fui sócio de uma gravadora por nove anos, até que uma empresa gringa interessou-se em comprá-la. Fizemos o negócio e então decidi me dedicar a tentar ser artista, porque nem todo mundo é, né? No começo fiz diversos cursos livres de história da arte, ateliês orientados e assistência para alguns artistas dos quais gostava do trabalho. Por três anos integrei o Olho Seco, que era um grupo de iniciantes que se juntaram para conversar e expor.

R.A. – Desde quando você trabalha com luz? Como esse elemento se torna escultura em seu trabalho?
W.M.T. – Em 2003, morreu um primo e a caminho do funeral ouvi uma música dos Racionais MCs na qual o cantor agradecia a Deus por ter acordado e visto “aquele céu azul loco”. Pensei: ele não vê mais o azul do céu. Fiz então uma instalação chamada Céu Azul Loco, na qual esculturas em aço com lâmpadas verdes e outras de gesso com tinta fluorescente vermelha impregnavam umas às outras e essa presença anunciava a falta do azul – falta pensando na cor luz da TV, por exemplo, em que, a partir das três cores – azul, vermelho e verde -, obtêm-se todas as outras. É aí que a luz entra, para fazer visível algo que está presente e não conseguimos perceber, para fazer possível pensar no inobservável.

R.A. – Você, além de luz, trabalha com calor, como na obra First Love, realizada em Chicago, e até vento, no caso das peças com ventilador. O que o atrai nesses elementos imateriais?
W.M.T. – Quando nascemos inspiramos e quando morremos expiramos; é o ar em movimento: atualizamos o mundo e vice-versa; é a troca permanente que mantém as coisas vivas. Quero que minhas esculturas respirem, que minhas intervenções transpirem e deixem sua marca por onde passarem, que o filme mostre um estado de espírito que não se pode sentir aqui em condições comuns, que apontem para outro lugar. Interessa-me o movimento desses elementos, sua volatilidade, sua sutil materialidade e a capacidade que têm de mover o mundo. Algo como os deuses antigos que se transformavam em chuva, em vento, em nuvem…

R.A. – O título O Barqueiro se refere à figura mítica que leva as almas ao mundo dos mortos, certo? E as esculturas parecem dois esquifes. De onde vem essa temática mórbida?
W.M.T. – Sim, é Caronte, o barqueiro que atravessa o Rio Estige até o reino de Hades. Já as esculturas são intituladas Anubis, que é o deus dos mortos dos egípcios, aquele com cara de cachorro. Esse sempre foi um assunto que me interessou, penso até que seja o único realmente importante: a morte como parte da vida, como a outra extremidade do fio tenso e tênue que começa no nascimento. Em O Barqueiro há a possibilidade de vermos, mesmo que a distância, algo que nos é vedado ver: o supremo desconhecido que, por toda a existência humana sobre a face da Terra, nunca foi apreendido mas sempre intuído, depois cantado, descrito, e que nós, artistas, com as ferramentas que foram desenvolvidas desde as cavernas e atentos aos sinais que vez ou outra nos são enviados, tentamos entender. Não, não é morbidez, é perscrutação.


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