Para os fatos, as palavras

O lide, mantra do jornalismo diário, é a fórmula que todo início de matéria deve seguir. Seja o mais direto possível e responda às perguntas: “O quê?”, “Quem?”, “Quando?”, “Onde?”, “Como?” e “Por quê?”. Essa é a receita para se fazer o noticiário dos jornais diários, receita que Christian Carvalho Cruz implodiu.

Repórter de O Estado de S. Paulo, o jornalista escreve, desde 2009, na contracapa do caderno Aliás, suplemento dominical que aprofunda notícias da semana. Suas reportagens escapam à rigidez dos textos dos “jornalões” e são um suspiro em meio à concretude das informações diárias. É o caso, por exemplo, da Crônica de uma morte à toa, que narra o atropelamento de um jovem paulistano, acontecimento que, infelizmente, virou rotina na cidade. O texto faz parte da coletânea de 23 reportagens publicadas no livro Entretanto, foi assim que aconteceu: quando a notícia é só o começo de uma boa história, lançado no começo de julho, pela Arquipélago Editorial. A escrita do repórter remete ao, infelizmente pouco lembrado, João Antônio, jornalista e escritor brasileiro, que publicou, na década de 1970, Malhação do Judas Carioca e Casa de Loucos.

No livro de Christian, o sufoco passado por Maradona, quando estava à frente da Seleção Argentina, para classificar a esquadra dos “hermanos” para Copa do Mundo de 2010, ganha contornos hilários em La habitación caiu. “Na TV e no rádio tampouco te perdónam. Dizem que tu cara gorda faz lembrar a mal-humorada Mafalda, dos quadrinhos de Quino. Que desolación, Diego…”, o repórter escreve, usando do “portuñol”, em uma carta fictícia endereçada ao ex-jogador e assinada pelo “Pueblo brasileño, el pentacampeón“. Para quem não acredita que a brincadeira é uma reportagem, as aspas dos craques brasileiros Rivelino e Careca, não deixam dúvidas.

Assim como a carta a Dieguito, todos os outros textos têm contornos singulares. Em Baile dos Descarados, por exemplo, Christian vai atrás da história de um corpo desconhecido, perfurado por 11 tiros de fuzil e encontrado em um carrinho de supermercado em uma favela carioca. Os números são uma constante nessa reportagem que fala da violência, sem rosto, do Rio de Janeiro: “Nesse caso do carrinho, a delegacia que registrou a ocorrência foi a de número 20, em Vila Isabel. Naquele 20 de outubro de 2009, ela pediu a sua 134a remoção de corpos no ano. Daí o 134/20 na etiqueta: 134 remoções, 20a delegacia”. Os perfis são outro assunto dos textos. A universitária Geyse Arruda, que conquistou fama meteórica ao sofrer bullying por trajar um vestidinho rosa milimétrico, o publicitário Washington Olivetto, o apresentador Datena e a cantora Elza Soares são exemplos de perfilados.

Os fatos, de fato, são o começo de tudo. Não é à toa que: Entretanto, foi assim que aconteceu. No livro e no jornal, nada é inventado. Mas o mais importante para Christian é o texto, a cadência da escrita e o som das palavras. Por isso, muitas vezes, suas reportagens acabam ganhando ares de crônica e o real de fantasia.

SERVIÇO
Entretanto, foi assim que aconteceu: quando a notícia é só o começo de uma boa história, Christian Carvalho Cruz, Arquipélago Editorial, 184 páginas


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