Para Wando, meu carinho

Ao longo dos últimos 40 anos, apesar dos pesares, do preconceito dos formadores de opinião e da elite intelectual (que apenas tolera seu estilo, colocando-o na gaveta confortável do exótico e popularesco), do descaso dos críticos (que preferem fazer de conta que ele e seu enorme sucesso de público e vendas não existem, não têm a menor importância) e do silêncio da grande mídia (mais interessada nas novidades e modismos, mas que certamente fará alarde no momento de sua morte), a arte de Wando, o mestre “sedutor das calcinhas”, deixa órfãos, ouso contabilizar, centenas de milhares de fãs em todo o País – homens e mulheres que não têm medo de expressar publicamente sentimentos íntimos e desejos da carne.

Desde a divulgação da doença de Wando até sua morte, neste triste mês de fevereiro, recebi seguidas manifestações de solidariedade de amigos. Foram mensagens, telefonemas, notícias, todos expressando grande pesar, como se eu fosse pessoa muito próxima dele, alguém da família, o que eu não sou. A explicação é simples: basta lembrar quantas vezes e para quantas pessoas discursei sobre sua música, exaltada e animadamente, em prosas (nem sempre fáceis e afáveis, é preciso dizer) ilustradas por suas canções, tocadas em alto e bom som. Tudo isso para demonstrar minha crença sincera e verdadeira no talento do grande artista, compositor e cantor que ele foi. E sempre será.

Estive com Wando em apenas três ocasiões, em todas elas por motivos profissionais. Logo de cara me impressionei com sua voz suave e baixa, de fala mansa e pausada, uma delicadeza que contrastava com a imagem daquele homem grande, quase um gigante a meu lado, especialmente quando entrava no palco. Era o tom perfeito para o teor amoroso e quente de suas canções.

A primeira vez que o encontrei foi em 2009, na Virada Cultural em São Paulo. Depois de ter sido muito bem recebida, antes e depois do show, ainda encantada com a simpatia de Wando, fui literalmente atropelada por fãs alucinadas que pisotearam meus óculos. Eu estava ali com minha equipe gravando os shows dos cantores românticos, no palco do Largo do Arouche. Pelo mesmo motivo, nessa ocasião, tive o privilégio de acompanhar os shows de Luiz Ayrão, Benito di Paula, Reginaldo Rossi, Wanderley Cardoso e Odair José. Eram os primeiros takes que eu fazia para o documentário Vou Tirar Você Desse Lugar, que está em produção sob minha direção, do qual Wando é personagem. (leia matérias com os bastidores das filmagens com Odair José e Luiz Ayrão)

Na segunda vez, em 2010, como qualquer fã, assisti a seu espetáculo É Fogo, é Paixão que lotou o Bar Brahma, também no Centro de São Paulo, todas as quintas-feiras durante vários meses. Depois do show, fui conversar com ele para reforçar pessoalmente o convite para sua participação no documentário e, é claro, pedir um autógrafo (aliás, eu e uma fila enorme de pessoas que Wando atendeu com muito carinho e atenção, apesar de visivelmente cansado).

Logo em seguida, na terceira e derradeira vez, fui recebida em seu escritório, no Rio de Janeiro, juntamente com o produtor musical Sergio Castellani, para tratar de sua participação em uma série de shows que faríamos – e fizemos – especialmente para o documentário, no SESC Pompeia de São Paulo. Com direção musical de Zeca Baleiro, os shows aconteceram (e foram registrados) em março de 2011, com inesquecíveis e emocionantes participações de Odair José, Claudia Barroso, Agnaldo Timóteo, Vanusa, Benito di Paula, Márcio Greyck e Luiz Ayrão.

Infelizmente, por motivos de agenda, Wando não pôde estar lá. Ficou para depois. Ficou para nunca mais.

*Doutora em Cinema pela ECA/USP. Profissional de cinema e televisão, Helena dirigiu os documentários Frutas do Brasil (Bacuri, Graviola, Pitanga e outras 8 frutas), Era Uma Vez o Brasil e Bode Rei, Cabra Rainha. Atualmente produz o filme Eu Vou Tirar Você Desse Lugar.


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