Durante uma semana, em setembro, personagens ligados à fotografia vão se encontrar em Paraty, para discutir – ou melhor – procurar entender qual o futuro da imagem, como ela está se colocando e o que emerge de fato dessa miríade de possibilidades da comunicação na qual a internet, o digital nos colocaram.
Não à toa, o tema dessa sétima edição do festival tem como linha mestra o futuro que, coincidentemente ou não, também foi discutido neste ano em vários festivais europeus. Mas a que futuro se referem: do conhecimento, da produção, da criação? “O Festival está entre os dez maiores eventos de fotografia no mundo e mesmo com 80 novos convidados a cada ano, não conseguimos dar conta da demanda por novos olhares e pensamentos, tamanha a pluralidade que o meio vive. Ele passa por uma revolução. Não é apenas um meio de expressão, mas uma ação múltipla na sociedade contemporânea entre a arte e a ciência, sendo a grande protagonista das redes sociais”, explica Iatã Cannabrava, um dos diretores do festival. “As transformações são tantas e tão rápidas que só podemos falar de futuro de duas maneiras: futuro imediato ou quase passado.”
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Talvez a questão não diga respeito às transformações pelas quais passa a fotografia, mas sim a uma maneira que cada vez mais se define na nossa sociedade – segundo vários estudos – sobre a falta de novas ideias, de novas propostas que nos deixam sempre nas superfícies das expressões culturais e, por isso, essa falta de percepção de futuro. Nesse festival são várias as exposições onde isso pode ser sentido ou visto. Como no trabalho da norte-americana Penelope Umbrico, que faz a reciclagem da imagem apropriando-se de várias fotos de pôr-do-sol capturadas no Flickr. Imagens banais que, por si só, nada mais são que o registro de um fenômeno da natureza e, por isso mesmo, repetíveis, similares e sem nenhuma forma de criatividade, ou então na multiplicidade de monitores. Uma maneira de apresentar a repetição de fórmulas que dão a impressão de um eterno déjà vu.
Nessa linha de se apropriar das imagens que mais fazem sucesso na contemporaneidade, o fotógrafo Evan Baden, nascido na Arábia Saudita e formado em Artes nos Estados Unidos, onde vive, apresenta seu ensaio The Illuminati, fotos que adolescentes andam espalhando pelas redes sociais de forma narcísica. Iluminados apenas pelas luzes dos computadores ou de seus celulares, o nome do ensaio remete às antigas sociedades secretas. Grupos que se reconhecem por suas estéticas. Evan transforma essas imagens em quase assépticas. Imagens íntimas que mais parecem ilustrações, pin-ups do mundo pós-moderno. Ensaios que se encaixam muito bem na estética atual, uma estética do banal.
Já com aspecto mais documental, a inglesa Olivia Arthur – que passou a integrar a Magnum, em 2008 – traz para o Paraty em Foco um belo ensaio sobre mulheres do Irã. Beyond the Veil (Além do Véu ou Apesar do Véu) é um ensaio que tenta nos apresentar a vida de mulheres iranianas, quando fecham a porta de suas casas e retiram o véu. Um ensaio que lembra o livro Lendo Lolita em Teerã, da escritora Azar Nafisi.
Ainda entre os convidados internacionais, o sul-africano Peter Hugo, também da área documental, mas que se destaca por suas composições pessoais. Não é a primeira vez que seu trabalho pode ser visto no Brasil. Ele já esteve presente na 27a Bienal de São Paulo, em 2006. Com a pergunta Há um futuro possível?, nos apresenta uma visão bem particular de seu país. Também presente o grupo peruano Versus – que desponta nesta seara dos coletivos que trabalham na fronteira entre a fotografia aplicada e a fotografia artística – e ganhou o prêmio latino-americano de fotografia deste ano.
No cenário nacional, o grande destaque fica com o fotógrafo, pintor e cineasta Miguel Rio Branco. Um dos mais expressivos artistas que há anos desenvolve seus trabalhos em multimídia, destaca-se por ter estado sempre na vanguarda, inquietando e surpreendendo por meio de seus filmes, instalações e imagens. Provavelmente, uma das exposições mais esperadas.
Mas todo esse cenário imagético será também discutido por meio de palestras, entrevistas, debates e workshops.
E procurando ser coerente com seus princípios e propostas de organizar um amplo debate sobre o futuro da imagem e da fotografia no Brasil e no mundo (nos dois últimos anos, os estados brasileiros convidados foram Pernambuco e Minas Gerais, respectivamente), mais duas regiões brasileiras estarão presentes por meio de Mariano Klautau, de Belém do Pará; Leonardo Plentz e Luiz Carlos Felizardo, de Porto Alegre; e de João Urban, de Curitiba.
Numa época em que grande parte de nossa experiência é filtrada pela disseminação das mídias sociais, nas quais a arte é quase sempre autorreferencial e o diálogo, muitas vezes, substituído por impressões imediatistas, exposições e discussões como as que serão apresentadas nesse festival talvez nos ajudem a perceber que reflexão e profundidade estão em falta há muito no mercado. Que a famosa sociedade do espetáculo se firma cada vez mais e que grande parte das imagens feitas hoje não aguenta uma chuva de verão.
*Jornalista, começou a escrever sobre fotografia, em 1980, na Revista IrisFoto. É autora dos livros Imagens da Fotografia Brasileira I (1997) e Imagens da Fotografia Brasileira II (2000). Desde 2003, organiza, com Thales Trigo, a Coleção SENAC de Fotografia. Também é professora de História da Fotografia e colaboradora do jornal O Estado de S. Paulo.
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