A decisão judicial de processar criminalmente militares envolvidos em mortes e desaparecimentos na Guerrilha do Araguaia deverá abrir caminho para que outras responsabilidades sejam apuradas, disse na sexta-feira, dia 31, a representante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo, Criméia Almeida, ao participar de debate sobre o atendimento às vítimas da violência do Estado no Brasil e Argentina, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
“É uma luta antiga nossa. Temos encontrado muita barreira, mas agora surgiu uma nova oportunidade. Vamos aguardar o julgamento”, disse Criméia, referindo-se a uma decisão inédita tomada quarta-feira, dia 29, pela Justiça Federal em Marabá, no Pará: processar o coronel da reserva do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura e o major da reserva Lício Augusto Maciel por crimes cometidos durante a guerrilha.
Criméia teve o companheiro, pai de seu filho, desaparecido na Guerrilha do Araguaia, em outubro de 1973. Ela espera que a decisão da juíza Nair Pimenta de Castro, da 2ª Vara Federal em Marabá, seja mantida, mesmo que o caso seja levado ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o argumento de que os militares foram beneficiados pela Lei da Anistia.
“Será uma contradição se a denúncia for questionada. O STF extraditou dois torturadores argentinos, porque eles eram responsáveis pelo desaparecimento forçado de pessoas. É crime na Argentina, e não no Brasil?”, pergunta Criméia.
Para a diretora do Instituto de Estudos sobre Violência do Estado, Janaína Teles, a decisão judicial mostra que esses crimes não estão restritos ao passado. “Pelo direito internacional, o desaparecimento forçado dos guerrilheiros é um crime permanente. Enquanto o corpo não for encontrado, e as circunstâncias esclarecidas, o crime continua acontecendo, aqui e agora. E os culpados precisam ser responsabilizados”, ressaltou a historiadora.
Nesta semana, outra ação judicial questionou a história oficial do período ditatorial. A Comissão Nacional da Verdade encaminhou ontem (30) à Justiça paulista pedido de retificação do documento de óbito do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975, durante o regime militar. Na opinião de Janaína, a iniciativa é uma mostra de como a comissão pode funcionar para trazer à tona a verdade de fatos que foram manipulados na época.
Durante o encontro na assembleia, também foram discutidas políticas de reparação às vítimas de violência do Estado. A diretora do Centro de Assistência a Vítimas de Violações de Direitos Humanos, Fabiana Rousseaux, foi convidada para falar sobre a experiência argentina no atendimento aos parentes de mortos e desaparecidos políticos.
“As consequências das violações cometidas pelo Estado não são só psicológicas, nem podem ser resolvidas somente com indenizações. São danos que afetam projetos de vida de várias gerações”, disse Fabiana. Para ela, o Estado tem de ser responsabilizado e as políticas de reparação precisam abranger diversos aspectos da vida dessas pessoas, incluindo também os parentes. Para tanto, Fabiana defende articulação entre os órgãos governamentais.
Também participou do debate o coordenador da Área Técnica de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, Roberto Tykanori. De acordo com Tykanori, o atendimento às vítimas de violência do Estado deve ser feito de forma específica, em um programa paralelo ao Sistema Único de Saúde (SUS). Ele disse que isso é necessário, para que não se criem iniquidades dentro do SUS, que tem suas especificidades.
Tykanori lembrou que o Ministério da Saúde atua em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República para definir que ações serão adotadas para atendimento das famílias de mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia. Segundo Tykanori, para cumprir a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), favorável às vítimas, o Brasil deverá prestar assistência psicossocial aos parentes.
Agência Brasil
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