“Que nome devo dar a esse homem? Escrevo com todas as letras, o sargento Silvio é um herói. Se não morreu na guerra, se não disparou um tiro, se não foi enforcado, tanto melhor” (trecho da crônica “Herói. Morto. Nós.”, que está no último livro de Lourenço Diaféria, “Mesmo a Noite sem Luar Tem Lua”, da editora Boitempo).
Fiquei sabendo pelo motorista de táxi, que ouviu a notícia no rádio logo de manhã cedo: o jornalista e escritor Lourenço Diaféria morreu, aos 75 anos, na noite de terça-feira, como viveu: do coração.
A crônica do sargento herói publicada na “Folha” em 1977 deu fama, mas custou caro a Diaféria: preso pela Polícia Federal, foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional por ofender as Fôrças Armadas e perdeu o emprego.
A demissão de Diaféria deu-se no banheiro da redação num episódio que o Mino Carta diria emblemático daqueles tempos de manda quem pode e obedece quem tem juízo.
Ao ser cobrado por um chefe, que mais tarde se tornaria celebridade, por não entregar suas crônicas no horário determinado e com o número certo de linhas, ele tripudiou:
“Tudo bem, posso não estar cumprindo tuas ordens, mas eu pelo menos sei escrever, e você não”
Como tinha toda razão, foi demitido no ato e continuou ganhando a vida aqui e ali, em rádio, jornal e televisão, fazendo o que sabia como ninguém: contar as histórias do cotidiano.
Falava geralmente de cidadãos desconhecidos como o sargento Sílvio Delmar Hollenbach, que saiu do anonimato ao salvar um menino caído num poço de ariranhas no zoológico de Brasília.
Os militares não gostaram do seu texto porque Diaféria escreveu que o sargento merecia mais o título de herói do que o Duque de Caxias, patrono do Exército.
Diaféria escrevia com o coração. Por isso, estava meio fora de moda para os atuais padrões da imprensa brasileira, mas nunca mudou de lado nem de estilo, unindo talento e simplicidade no mesmo texto, sem querer ser mais importante do que os fatos e personagens relatados nas suas crônicas.
Sua matéria-prima era a vida, uma forma singela de olhar, sentir e contar o que ao comum dos mortais passa despercebido.
Deixe um comentário