Às seis horas da manhã, o pizzaiolo e ex-jornalista Paulo Maia Mercatto já está preparado para sua rotina diária: nadar seis quilômetros, por duas horas e meia, na raia seis da piscina da Academia Kainágua, no Morumbi, bairro nobre de São Paulo.
Calçando pés-de-pato azuis e palmares nas mãos (uma espécie de luva usada para aumentar a musculatura nos braços), ele vence os 50 metros de piscina, com uma média de 40 braçadas e 14 viradas de cabeça para respirar.
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Antes de entrar na água, faz uma hora de meditação e exercícios de ioga. Ele cumpre essa rotina desde setembro de 2006. Tudo para vencer o Canal da Mancha, que separa a Inglaterra da França, entre os dias 17 e 22 de setembro de 2007.
De ponta a ponta em linha reta, saindo de Dover, na Inglaterra, e chegando a Callais, na França, o canal tem 33 quilômetros. Devido às fortes correntes, porém, o nadador precisa fazer o percurso em ziguezague, o que estende o trajeto até 49 quilômetros.
Mais que um desafio, atravessar o Canal é uma prova da saúde de Paulo. Há oito anos, o ex-jornalista, hoje com 50 anos, teve um infarto e ficou entre a vida e a morte.
“Depois do susto, meu médico mandou que mudasse de vida radicalmente e sugeriu que voltasse a nadar, esporte que praticava quando jovem.”
Até então, ele levava uma vida sedentária e muito agitada: comia, bebia, fumava (chegou a fumar dois maços de cigarro por dia) e trabalhava muito.
Agitação é uma marca na vida de Paulão, como é conhecido desde pequeno. Quando ia para a escola de natação, sempre encontrava o cantor Jerry Adriani, que à época apresentava o programa Excelsior a Go-Go. Aos 10 anos, trocava as aulas de natação para ser assistente de palco na extinta TV Excelsior. “Fiquei um ano trabalhando lá escondido dos meus pais. Um dia Jerry me perguntou se eu queria conhecer a televisão. Aceitei, comecei a trabalhar no programa e me encantei pela câmera e por fotografia.”
Essa paixão o levou para Roma, onde fez cinema entre 1980 e 1982, depois de ter cursado Jornalismo e um ano de Propaganda e Marketing no Brasil. Na Itália, conheceu muitos cineastas e trabalhou com alguns famosos.
“Fui assistente de fotografia em filmes de grandes diretores, como O Baile, do Ettore Scola, e E la Nave Va, do Federico Fellini.”
Quando voltou da Itália, deslanchou na carreira de jornalista. Começou em 1983, na TV Bandeirantes, como produtor do programa de variedades 90 Minutos. Dois anos mais tarde, foi para a Ásia, onde ficou até 1995. Percorreu países como Polinésia, China, Mongólia, Cingapura e escrevia para mais de 20 jornais, entre eles Jornal da Tarde, Agência Estado e outros de pequenas cidades.
“Eu fazia perfis de pessoas que me pareciam interessantes, nesses países que percorri.” Quando voltou ao Brasil, em 1995, continuou na Agência Estado e escrevia para mais dois veículos: o Meio & Mensagem e uma revista sobre vídeos. Em 1998, Paulo Maia largou o jornalismo e abriu uma pizzaria.
A vida corrida, sedentária e um tanto quanto desregrada o tornara forte candidato ao infarto, que aconteceu em meados de janeiro de 1999. Após ter uma grande tensão por conta de seu novo empreendimento, ele começou a sentir pontadas no peito.
“Pensei que seria o meu fim. Liguei para a Maria Inês, minha mulher na época, e fui para o médico.” Diagnóstico: entupimento de artéria. Não chegou a fazer cateterismo ou a ficar internado, mas tomou medicamentos para melhorar sua condição.
O caminho para a travessia
Paulo voltou às piscinas, começou a competir em provas de longa distância e a considerar o desafio de atravessar o Canal da Mancha. Se conseguir, será o 13º brasileiro a fazer a travessia e o mais velho.
A preparação começou há um ano. Acorda às cinco da manhã todos os dias, menos aos domingos, para fazer meditação e ioga. “Acredito que o nadador precisa estar com a auto-estima em alta para fazer esse tipo de esporte, que é muito solitário. Tem que ter pensamentos positivos. Se não, não agüenta o percurso todo.” Uma hora depois já está na água, de onde sai somente às oito e meia.
Sua alimentação mudou. Ao acordar, só consome 250 ml de um suco rico em carboidrato, sabor uva ou laranja, seus preferidos. Depois de nadar, começa uma maratona de alimentação, comendo sempre alguma coisa de 20 em 20 minutos: bolo, cereal, banana amassada, bolacha de água e sal. “Como gasto muita energia, é bom comer muito carboidrato. Assim não consumo massa muscular quando estou nadando.”
Para técnico, contratou Igor de Souza, tricampeão mundial de maratonas aquáticas e único brasileiro a cruzar o Canal da Mancha ida e volta. Além de programar as muitas horas do treino, Igor propôs que Paulo nadasse na Represa Billings, em São Paulo, para poder se acostumar com a água fria, um dos desafios da travessia. “No Canal da Mancha, a temperatura da água, nessa época, é de 17ºC. Pode não parecer, mas é muito fria.”
Os outros desafios que enfrentará são a longa distância e as correntes marítimas, que mudam de três em três horas.
Com todo o preparo, Paulão tem se destacado nas competições de que participa. Neste ano, competiu duas vezes na prova 14 Bis, em que os participantes partem de Santos e seguem 25 quilômetros por um canal até Bertioga. Na segunda, chegou em 3º lugar. Ele venceu a Travessia do Rio Tietê, entre Barra Bonita e Pederneiras, na categoria entre 50 e 55 anos, e ficou com o 4º lugar na classificação geral. “Foram 40 quilômetros de chuva, grandes ondas e muito vento contra”, comenta.
Na semana anterior à travessia do Canal da Mancha, ficará em um hotel em Folkestone, no sul da Inglaterra. “Ficarei sem televisão, telefone, sem nenhum contato com o mundo externo. Só poderei navegar na internet e durante uma hora por dia.” Os treinos também serão suspensos nessa semana: Paulo entrará no mar uma vez por dia, para poder “sentir” as águas do canal.
Considerando todos os treinos e provas de longa distância, Paulão já nadou 10.684 quilômetros, quase 1.200 a mais do que a distância entre São Paulo e Londres, que é de 9.486 quilômetros.
Sobre a travessia
Essa prova surgiu de uma aposta entre marinheiros ingleses, em 1875. A primeira pessoa a atravessar a nado o Canal da Mancha foi o capitão da Marinha Mercante britânica Matthew Webb, que, na primeira prova, fez o percurso de 33 quilômetros, entre Dover e Callais, em 21 horas e 45 minutos.
Hoje, para reproduzir esse feito é preciso seguir alguns preparos: o interessado deve enviar seu histórico de nadador para a Channel Swimming Association (CSA) e, se aprovado, pagar uma taxa de inscrição e alugar um barco, que o acompanhará por todo o percurso, com o treinador, um barqueiro que conheça muito bem o trajeto e o juiz da CSA, que validará a prova.
O preço é alto. Paulo Maia gastou em média R$ 60 mil: R$ 15 mil do aluguel do barco, R$ 1.400 da taxa de inscrição e pagamento do juiz e R$ 80 de diária no hotel. Tudo isso, mais o acompanhamento de um bom técnico e nutricionista.
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