“Paulo Coelho é desrespeitado pela crítica”, diz biógrafo

Autor de biografias que viraram best-sellers, Fernando Morais está acostumado a narrar trajetórias de personagens polêmicos e controversos. Foi assim quando escreveu as biografias de Assis Chateaubriand (Chatô, O rei do Brasil) e Olga Benário Prestes (Olga). Em seu mais recente projeto, Morais não fugiu à regra. E de certo modo foi além. Contrariando o receituário do biografismo, escolheu (ou foi escolhido) um personagem vivo, que a cada dia escreve novos capítulos de uma trajetória digna de popstar. Como se não bastasse, seu personagem é uma das figuras mais contestadas de nossa literatura, apesar de ser tão ou mais conhecido mundo afora do que Pelé.
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Melhor personagem que Morais já “topou em sua carreia”, segundo o próprio biógrafo, Paulo Coelho abriu seus arquivos secretos – cerca de 170 cadernos, escritos ao longo de 40 anos – para que Morais confeccionasse O mago, livro que conta a trajetória conturbada de um ex-hippie amalucado, metido com satanismo e outras obscuridades, que se tornaria um dos escritores contemporâneos mais vendidos no mundo todo – Coelho já vendeu mais de 100 milhões de livros.

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Se a prosa mística de Paulo Coelho pode ser contestada em sua qualidade literária, sua vida conturbada, cheia de som e fúria, é digna da mais inventiva ficção. De adolescente problemático a escritor internacional, a trajetória de Coelho foi marcada por grandes turbulências. E foi para falar das peripécias do único escritor vivo mais traduzido do que Shakespeare que Morais esteve na 9ª Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, encerrada no último dia 28 de junho. Um dos autores mais aguardados do evento, Morais conversou com exclusividade com a reportagem do site da Brasileiros. Confira os principais trechos da conversa.

Brasileiros – Suas biografias mais famosas, Chatô e Olga, eram de pessoas mortas. Como foi contar a trajetória de uma pessoa viva e que ainda constrói a sua trajetória? De certo modo, O mago é um projeto inacabado, não? O que pensa disso?
Fernando Morais –
Além de ter a inconveniência óbvia de expor o personagem que está por aí, que tem família, amigos etc., há um segundo inconveniente: o livro se torna datado. Eu brinco que daqui a 60 anos, alguém vai escrever O mago – parte 2. E também tem o fato de você conhecer o biografado, porque, durante o processo de feitura do livro, você acaba se aproximando do personagem. Por outro lado, nada substitui o olho do autor. Afinal, você está presenciando, participando dos acontecimentos, ninguém está te falando. O que acaba sendo uma vantagem. Você não precisa se cercar tanto de testemunhas, ouvir tanta gente, etc. E o privilégio de conviver com o personagem é insubstituível. Para escrever o livro, convivi três anos com o Paulo. Mas, ainda assim, não pretendo escrever mais sobre pessoas vivas.

Brasileiros – Você disse que, logo depois de ler o livro, Paulo Coelho fez um comentário frio sobre o trabalho. E agora, passados alguns meses, o que ele acha da biografia?
F.M. –
Sim, primeiro ele foi frio com relação ao livro. Me parabenizou pelo trabalho e só. Disse ter ficado “passado com o livro”, meio abalado. Mais tarde ele fez uma crítica, dizendo que o fato de eu ser ateu e marxista me impediu de ver certos aspectos da espiritualidade dele. O que eu não concordo. E não digo isso em defesa do livro, mas sim do leitor. Pois para o leitor foi muito melhor um biógrafo ateu do que um biógrafo crente. Porque se eu acreditasse em epifanias, anjos e aparições, eu não teria feito para ele determinadas perguntas que, acredito, o leitor gostaria de fazer. Mas isso não afetou nossa relação, que é muito boa.

Brasileiros – Conhecendo tão bem Paulo Coelho, o que você acha da relação pouco amistosa que ele mantém com a crítica brasileira? Acha que ele é injustiçado aqui?
F.M. –
Mais do que isso, o Paulo é tratado de uma maneira desrespeitosa, às vezes. Não sei as razões que levam determinados críticos a tratar a obra do Paulo com desprezo. Mas, na maioria dos casos, isso cheira um rasteiro sentimento de inveja. O Paulo é o único autor vivo mais traduzido do que Shakespeare; há países onde ele é publicado que não tem nem assento na ONU. Como que a crítica internacional trata a obra do Paulo? Gosta de uns livros e não gosta de outros, normal. E quando eu falo em crítica internacional, estou me referindo a Inglaterra, França, Estados Unidos, Rússia, países com níveis de educação seguramente mais altos que os nossos. A New Yorker, totem da intelectualidade americana, dedicou oito páginas a uma reportagem elogiosa sobre o Paulo. E aqui no Brasil não há sequer um veículo de envergadura que tenha uma opinião contrária, todos falam mal dele e de sua obra.

Brasileiros – No começo do livro, você descreve uma cena em que Paulo Coelho, ao chegar a Budapeste, fica decepcionado em ver o saguão do aeroporto vazio, sem repórteres ou fãs. O Paulo persegue mais a literatura ou a fama?
F.M. –
Olha, esta cena que eu usei para abrir o livro, que me pareceu muito saborosa, não é reveladora do caráter dele. Embora tenha se convertido em um popstar, ele é muito modesto. É claro que todo mundo tem seus momentos de vaidade. Mas o que posso garantir, é que o Paulo tem uma vida modesta, recebe com a maior boa vontade os fãs, é muito atencioso. Apesar de ser milionário, o Paulo não tem guarda-costa, avião, secretária, não tem nada disso. É uma pessoa absolutamente simples.

Brasileiros – Apesar de ser ateu, você acredita que, de alguma forma, a fé de Paulo Coelho o ajudou a conquistar a fama?
F.M. –
O Paulo poderia ter sido, por exemplo, roqueiro, pois a parceira que teve com Raul Seixas, apesar de curta (durou só dois anos), rendeu 45 músicas, quase todas sucessos. O Paulo se encheu de dinheiro nessa época, comprou cinco apartamentos. Poderia também ter sido jornalista, pois escrevia bem; ou dramaturgo, já que escreveu e dirigiu peças no Rio. Mas por que o Paulo passou batido por todas essas atividades? Porque ele não queria nada disso. Ele queria uma única coisa na vida (e os diários mostram isso com clareza muito clareza): ser um escritor lido no mundo inteiro. Não é ser um escritor e ponto. É ser um escritor conhecido no mundo todo. Até um ateu, como eu, acaba se convencendo da fé, que prefiro chamar de obstinação, dele.

Brasileiros – Você era leitor de Paulo Coelho antes de escrever o livro? O que acha da literatura dele?
F.M. –
Não. Eu havia lido apenas o Diário de um mago. Mais tarde, quando fui fazer o livro, li toda a obra. O Umberto Eco diz que o “Paulo Coelho não escreve para quem não tem fé”. E é a mais pura verdade. Ele não escreve para mim, que sou ateu, mas para quem acredita no que ele também acredita.

Para saber mais, acesse o site oficial de Fernando Morais.


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