“….Querida Liz, sem saber se esta carta será lida pelo lilás dos seus
olhos, ainda mais, conhecendo sua apertada agenda, me permito aderir
à grande quantidade de aidéticos que lhe escrevem para pedir alguma
coisa. Talvez um cacho dos seus cabelos, um autógrafo, um babado da
sua anágua. Não sei, qualquer coisa que me permita morrer sabendo
que você recebeu a mensagem. O caso é que eu não quero morrer,
nem receber um autógrafo impresso, nem sequer uma fotografia sua
com Montgomery Cliff em A Árvore da Vida. Nada disso, apenas uma
esmeralda da coroa de Cleópatra que você usou no filme e que, segundo
fiquei sabendo, eram verdadeiras. Tão autênticas, que apenas uma delas
poderia esticar-me a vida por mais alguns anos, só na base do AZT..”
Esse foi um dos últimos textos de Pedro Lemebel, artista plástico performático, escritor, cronista e poeta. Militante da arte e com um vozeirão de lâmina rara, apostou na vida pela arte contestando o preconceito, a política, o sistema de identidades e as colonizacões do poder; foi um crítico das políticas de combate e prevenção à Aids. Revelou cedo sua homossexualidade e através dela e com ela se fez porta-voz da defesa da sexualidade, denunciando na sua obra o preconceito ao corpo em matizes escondidas. É tido como representante da Contracultura na America do Sul.
Nascido no Chile 1952, Lemebel faleceu na sexta, dia 23. Sua morte foi anunciada por Twitter. O óbito ocorreu na Fundação Arturo Lopez Perez, onde estava hospitalizado, face um câncer de laringe.
Amigo de Roberto Bolaño, que o considerava o melhor poeta de sua geração, Lemebel era uma personalidade internacional respeitada em toda América Latina, Europa e EUA. Em 2006 foi premiado pela Fundação Anna Seghers, e em seguida, em 2013, ganhou o Prêmio Iberoamericano de Letras -José Donoso .
O artista sabia atacar os pontos fracos de seu país e América do Sul, incansável batalhador dos direitos civis e de gênero; foi uma personalidade sem igual, nunca suavizou para delatar o preconceito e a hipocrisia, assim como o regime militar chileno. Suas palavras, em crônicas, eram navalhas afiadas de argumentos e poesia, mas era pele virada, para denunciar machados conservadores das ideologias mundiais.
Recebendo a notícia, me liga o poeta e professor Bruno Gaudêncio de Campina Grande, Paraíba: “Perdemos não só as botas, mas a estrada e a guia de um poeta contestador.” E cita um texto de Lemebel que a revista Cesárea publicou:.
“Alguma coisa me diz que foi assim. Santiago é uma esquina, Santiago não é mundo; aqui, algum dia tudo se comenta, tudo se sabe. Por isso hoje, ao ouvir essa canção, canto-a sem voz, só para você, e caminho esmagando os charcos do parque. Este inverno vem duro, cai a tarde outonal refletida no céu das poças. Aglomeração de carros que buzinam nos semáforos. Os estudantes vão e vêm com suas toucas de lã para aguentar o frio e os protestos. Os santiaguinos se amontoam nos pontos do metrô, em massa, em tumultos, numa multidão alvoroçada que enche as ruas. Mas a cidade sem você… meu coração sem você…”(http://bit.ly/1CLPu0Q)
Em 2013 ele esteve no Brasil, para participar da Balada Literária e do Festival MixBrasil de Cultura e Diversidade. A última vez que se apresentou publicamente ocorreu durante uma homenagem a sua obra Noche Macuca, de 2015, no Museu Gabriela Mistral, como parte do Festival de Teatro Santiago a Mil, em 7 de janeiro.
Entre as mais de 20 obras que deixou – poesias antologias e crônicas -,destacam-se Tengo Miedo Torero (2001), Zanjón de la Aguada (2003) e Háblame de amores (2012). Lemebel também foi cronista dos jornais La Nación e The Clinic e da revista Punto Final.
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