Um D. Pedro II com olhos melancólicos de exilado e aquela notável barba branca a lhe conferir uma fisionomia de madura erudição abre, com legítima precedência, a exposição Retratos do Império e do Exílio, atualmente sediada em São Paulo, no Instituto Moreira Salles (até 11 de setembro). O acervo pertence a D. João de Orleans e Bragança – para os amigos, Joãozinho Príncipe, fotógrafo de profissão e tataraneto do imperador destronado – e retrata a família real na França, após a proclamação da República.
Em um precioso livro, As Barbas do Imperador (Cia. das Letras, 1998), a historiadora Lilia Moritz Schwarcz desvenda a simbologia daquela abundância capilar na construção da legitimidade de um monarca de olhos azuis, entronizado em pleno trópico, um soberano cuja imagem de probidade e equilíbrio buscava amparo na moldura facial de um sábio, embora se saiba agora que D. Pedro II quase nada entendia de Brasil.
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A de D. Pedro II, de todo modo, é a melhor e a maior barba da exposição do IMS. A seu genro, o Conde d’Eu, restou uma espécie de cavanhaque à Richelieu – e a comparação é em todos os sentidos adequada, haja vista a forma sanguinária como o marido da Princesa Isabel se comportou: como substituto de Caxias no comando das tropas brasileiras na Guerra do Paraguai.
Barbas acabam sendo mais do que mero adorno – pelo menos, quem não as tem costuma lhes agregar um significado que vai muito além de um desenho de pelos faciais. Se no caso de D. Pedro II, a barba reivindicava reconhecimento, hoje em dia a barba corre o risco de despertar desprezo. Por isso é que, parafraseando um barbudo do século XIX, o perigosíssimo Karl Marx, é hora de convocar: “Barbudos de todo o mundo, uni-vos”. Querem um exemplo de perseguição? O Bradesco e a Justiça da Bahia.
É o caso de, aceitando a sugestão do Alê Youssef, empresário da noite e porta-voz da juventude de cabeça mais arejada de São Paulo, convocar uma marcha, um protesto, uma passeata. Se até a maconha já teve a sua, ou as suas, por que não a barba?
O Bradesco não surpreende. Demitiu um funcionário porque ele portava no rosto o formoso adereço. Os códigos de conduta do Bradesco, a gente sabe, fariam inveja aos mandamentos medievais do abade Savonarola. O qual, aliás, era 100% glabro. A vítima foi à Justiça e, no andar de baixo, conseguiu uma indenização de 100 mil reais. Na segunda instância, perdeu. Os nobres juízes do Trabalho acham que barba é um desaforo à ilustríssima clientela de um banco. Demissão sumária, sem indenização e com justa causa.
Tudo bem, alguém pode dizer: está no direito do empregador impor um padrão estético e, digamos, protocolar uma coisa dessas tem a ver apenas com os hábitos e costumes, não com o direito constitucional a se exprimir livremente.
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Eu – cuja barba vem retraindo nos últimos anos a ponto de se transformar em um mero apêndice – acho que é direito, sim. Poderia invocar um bando de barbudos em prol da minha causa, de Ulisses, o grego (não o Guimarães), a Lula. Tem muito barbudo decente por aí. Tolstói cultivava seus pendores capilares, Hitler, não. Nelson Mandela envergava suas penugens faciais antes de ser preso. O goleiro Bruno é imberbe de tudo. Salman Rushdie, vítima da outro tipo de intolerância, não poderia trabalhar no Bradesco. O terrorista norueguês Anders Breivik, loirinho de cara limpa, poderia sim.
Exagero? Vocês não sabem como o preconceito contra a barba espreita, a cada esquina. Mesmo sabendo-se que faz tempo que ela deixou de ser o emblema revolucionário dos meninos enragés e descabelados dos anos 1960. Por mais que a revista Veja promova, ora e vez, sua caçada ideológica contra “os barbudinhos” do Itaramaty, os fios do rosto hoje em dia têm compromisso apenas com uma coisa: a vaidade. Por que não? Reparem como os mauricinhos adotaram a barba de cinco dias. Caprichosamente aparada, minuciosamente desenhada. Não serão eles a abalar os valores da família brasileira – e do establishment conservador, aqui tão bem representado por um banco carola.
Arrisco dizer que a ojeriza aos pelos vai muito além de pretextos, como “a higiene”, “o apuro” e “a elegância”. Tem um fundo autoritário. Impor um padrão estético, implantar a ditadura do gosto é como invadir arbitrariamente mais uma vez a esfera do privado. De mais a mais, é muito suspeito quando gerentes de banco prestam tanta atenção à aparência de seus subordinados.
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