Perdemos um Calígula

Ver para crer
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Meus caros, se uns chegam aos setenta, outros se vão. Não com tantas lágrimas, mesmo por que elas são desnecessárias, e o próprio de cujus as recusaria. Bob Guccione, editor da revista Penthouse, morreu de câncer, no Texas, falido, não era mais nem a sombra do que tinha sido no passado. Não acho que seja uma morte triste, não vejo nenhum drama aí, não vamos falar em perdas. Mas vamos vasculhar seu passado, e registrar um obituário digno. Assim como Hugh Hefner e Larry Flynt, das revistas Playboy e Hustler, ele fez fortuna explorando a pornografia pela mídia impressa, na onda da revolução sexual, tirou máscaras  da moralidade americana, e garantiu o prazer de muita gente. Basta dizer que ele foi o produtor do filme Calígula, clássico tenebroso do cinema, que honrou totalmente o imperador romano que retratava, mostrando nus frontais, cenas de sexo explícito, coisas que, hoje, a internet entrega livremente para todos, mas que, há três décadas, eram impensáveis.

Foi um grande serviço? Eu, pessoalmente, adoro os crápulas, e acho que a liberação do sexo que se fazia escondido, a exposição que ele deu à pornografia, deixando ao critério dos compradores a escolha de ler/ver ou não, foi muito honesto. Ele abriu uma válvula de escape  no moralismo hipócrita americano, e garantiu a masturbação de, pelo menos, duas gerações. Eu me lembro que, quando fui à Europa pela primeira vez, em 1981, corri para ver o filme, e adorei aquela coisa tenebrosa. Vocês vão ter de assistir para entender, encontra-se em DVD facilmente. Guccione viveu como um Calígula, explorou os prazeres até o fim, e usou do poder que teve sem nenhuma responsabilidade. Ele não entendeu o fenômeno das novas mídias, continuou apoiado na revista impressa e vendida em bancas, e foi à falência. Tinha uma coleção de obras de arte magnífica, que acabou indo para seus credores, e conseguiu perder os últimos milhões de dólares em um cassino. Bárbaro, não ia levar nada de material desse mundo mesmo, ninguém leva, e experimentou o prazer sem pudores, de uma maneira que eu invejo.  Estou achando divertidíssimo recomendar a vocês, para o final de semana, um filme desses. Aguardo, ansiosamente, os comentários. Abraços do Lourenço.


Comentários

4 respostas para “Perdemos um Calígula”

  1. Oi, Lourenço, tudo bem?

    Leio quase que diariamente o blog. Até está no meu reader. E, neste post em especial, você me colocou para pensar.

    Ok, devo confessar: você me convenceu a ver o filme ‘Caligula’ quando mencionou os nus frontais. Mas, pessoalmente, não vi nenhum mérito no filme além desse. É claro que é interessante ver a quebra de paradigmas que ele propõe com as cenas de nudez e de sexo explícito. Mas será que é isso mesmo o que ele propõe? Porque, repara, as cenas de nudez e de sexo, nesse filme, não têm absolutamente argumento nenhum. Do jeito que são apresentadas, as cenas se parecem com um filme pornô cafona (e a indumentária das personagens só contribui com isso). E nem precisa ir muito longe para perceber. As personagens conversam sobre a sucessão no império e, sem mais nem menos, todo o mundo começa a trepar. Entende?

    Pornografia é pornografia. Não adianta tentar disfarçar colocando em uma embalagem cult. Ainda mais quando a fantasia é uma imitação barata de qualquer coisa indefinida.

    Qual é o discurso desse filme? ir na contra-mão de que, exatamente? É um grande desbunde, simplesmente.

    Para mim, isso é uma imitação barata de ‘Salò ou Os 120 Dias de Sodoma’, só que feita por alguém sem o mesmo embasamento intelectual. Bob Guccione pode até ter feito sua pequena revolução, mas, note, foi mostrando vaginas, e não a cabeça.

    1. Dado, belo comentário, agradeço por ele. Não importa a razão pela qual assistimos ao filme, o fundamental é compreende-lo, e termos uma opinião honesta sobre a obra e o contexto em que foi elaborada. Sim, é pornografia pura, e foi assim que seu produtor ganhou a vida, ele não tinha nenhuma pretensão a ser historiador, a contar uma história. O poder é o maior afrodisíaco, esse é um ditado popular bem brasileiro, e, mormente quando não tem limite, para um homem que não conhece limite, o leva à destruição, e, quase, à destruição do mundo à sua volta. Roma sobrevive a Calígula, mas Calígula não sobrevive a si mesmo. É importante contar a história, veja lá que grandes atores, a começar por Malcolm McDowell, e John Gielgud, participaram dele. Lógico que eles foram atraídos ao filme por muito, mas muito dinheiro, mas não tiveram medo de expor suas reputações. De qualquer forma, o filme foi feito, marcou época, e ficou como contribuição de Guccione, ele mesmo um Calígula.

      Abraço do Cavalcanti.

  2. Olá Lourenco!

    O filme é realmente muito bom. Um clássico cult. Vi na minha época de faculdade quando estava experimentando tudo. Inclusive “heterossexo”, o que (muitas vezes por obrigacao) tem que fazer parte do repertório do homossexual brasileiro. Mas no meu caso, nesse caso, foi por curiosidade mesmo. Sou meio do tipo tem que provar pra chegar as conclusoes. Mesmo que seja contra o instinto. Se é entre amigos, entao menor a possibilidade de machucar e ser machucado. E foi entre melhores amigos. 🙂

    Voce continua com o texto afiadíssimo. Só dá vontade de voltar e ler todos os dias como fazia a um tempo atrás. Espero encontrar tempo, agora que já cumpri uma importante etapa profissional de minha vida (que me distanciou de meus prazeres maiores) como vagar pelos melhores blogs da internet e participar com comentários.

    Vou ver se consigo alugar o filme aqui em Frankfurt para te dizer o que penso do filme hoje com 3.1.

    Beijao,

    Rafa.

    1. Rafael, obrigado perlo comentário, e pelo ologio. Apareça sempre. Adoro saber que sou lido em Frankfurt.

      Abraço do Lourenço

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