Perdidos e desamparados na aldeia global

Parece que os diretores da Mostra de São Paulo, Leon Cakoff e Renata de Almeida estão se especializando em fazer da festa de encerramento do maior evento cinematográfico da cidade uma tortura para quem vai assisti-lo. Que o digam os atrasos, as chatices dos discursos intermináveis, os atropelos dos apresentadores (Serginho Groisman e Marina Person) e as falhas na organização da festa na noite de quinta-feira (5), na Cinemateca de São Paulo, ao ar livre, com alguns pingos de chuva. Sem falar nos problemas de som e de iluminação e, principalmente, na insatisfação de parte do público com a escolha dos melhores filmes pelo júri oficial (nesse quesito, os diretores do evento não têm nenhuma parcela de culpa).

Antes de qualquer coisa, vamos aos vencedores. O júri (formado pelos cineastas Ali Ozgenturk, Suzana Amaral, Marco Becchis, Goran Paskaljevic e o crítico Jean-Michel Frodon) escolheu dentro da competição de novos diretores o filme Voluntária Sexual, do coreano Kyeong-duk Cho, que recebeu o Troféu Bandeira Paulista. “Eu estou muito contente com esse prêmio, realmente não esperava. Obrigado ao Leon e a Renata pela oportunidade de mostrar meu filme para um público tão seletivo, como de São Paulo”, disse o diretor ao subir ao palco, entre gritos do pessoal que o acompanhava. O júri concebeu ainda prêmios especiais para o diretor Andréas Arnstedt, por Os Dispensáveis, e para o ator André Hennicke, protagonista do filme. O diretor subiu meio atrapalhado ao palco e, visivelmente emocionado, começou a falar, sem acreditar no prêmio. Depois, das mãos de Suzana Amaral, meio sem entender e entre lágrimas e risos, Arnstedt recebeu o prêmio de melhor ator por Hennicke, ausente da festa.

Voltando ao filme Voluntária Sexual, ao que tudo indica, algumas pessoas que o assistiram não gostaram muito da escolha do júri. Confesso que não assisti (ele estará na repescagem que começa nesta sexta-feira e vai até quarta. Veja a programação no site oficial da mostra, abaixo), mas a história não é lá tão original e a escolha estética do diretor, pelo que li, não foi uma das mais felizes. A história gira em torno de uma mulher que vai ajudar um deficiente físico a conhecer os prazeres sexuais. O prêmio da crítica escolheu como melhor filme estrangeiro Ninguém Sabe dos Gatos Persas, do diretor iraniano Bahman Ghobadi, que já esteve bem melhor em filmes como Tempo de Embebedar Cavalo e Tartarugas Podem Voar. Mas, acertadamente, a crítica escolheu como melhor filme brasileiro O Sol do Meio-Dia, da fecunda diretora Eliane Caffé, que fala de redenção de pessoas nos confins de um Brasil profundo. Com belas interpretações dos atores Luiz Carlos Vasconcelos e Chico Diaz (o júri poderia tranquilamente premiar qualquer um desses atores), o filme é uma bela alegoria sobre um país que tende ao esquecimento e à massificação.

Não podemos terminar o texto sem citar um dos melhores documentários brasileiros dos últimos anos, o fascinante Dzi Croquettes, dos diretores Tatiana Issa e Raphael Alvarez, que merecidamente foi o mais premiado da noite, com os troféus Quanta, Teleimage, Itamaraty (que premiou o filme com o valor de R$ 30 mil). Os diretores, que se conhecem há 25 anos e moram em Nova York atualmente, ficaram extremamente felizes com os prêmios, pois vão ajudá-los a encontrar uma empresa que distribua o filme nos cinemas brasileiros (até agora não há previsão de lançamento comercial e os diretores estão batalhando para encontrar uma distribuidora).

Conseguimos falar com o casal de diretores, que foi o mais procurado pela imprensa durante o coquetel que aconteceu logo após a premiação. “Estamos muito satisfeitos com esses prêmios, porque vai ajudar nosso filme, que fizemos com muito carinho”, disse Tatiana Issa. “Vamos fazer mais alguns festivais e depois correr para conseguir uma distribuidora”, falou Raphael Alvarez. Ambos estavam visivelmente emocionados. Entrevistamos os dois no Cinesesc, em uma das exibições do filme, com sessão lotada. Durante o papo, chegou a produtora Sara Silveira, uma das mais influentes no País, que foi parabenizá-los pelos prêmios. Silveira disse que não tinha assistido ainda ao filme, mas que iria vê-lo durante a repescagem. A produtora nos disse que conheceu alguns dos integrantes da trupe do Dzi Croquettes, quando eles estavam morando em Paris. No final da conversa, trocou cartões com Tatiana e Raphael e ficou surpresa em saber que o longa ainda não tinha distribuição garantida nos nossos cinemas (quem sabe ela não ajuda ao simpático casal de novos diretores).

Para encerar mesmo, louvamos mais uma vez a Mostra de Cinema Internacional de São Paulo por trazer obras cinematográficas contemporâneas que refletem sobre o homem moderno dentro de um mundo cada vez mais alucinante e desencontrado. Dos mais de 70 filmes que assistimos, percebemos que as pessoas (os personagens) estão acuados diante do mundo em profusão e sem calmaria, que os leva para um mar revoltoso e sem retorno… (mas nem tudo está perdido, como mostram filmes em que a solidariedade e a coletividade servem como antídotos para os malefícios dos “Tempos Modernos”).


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