Permacultura. Se você não tem a menor idéia do que significa o termo, não está sozinho – mas os poucos brasileiros que o conhecem estão fazendo bom proveito. Agricultura permanente é a proposta da permacultura, palavra resultante da junção de permanent (permanente) e agriculture (agricultura), cunhada nos idos da década de 1970 por dois australianos, que resolveram somar seus conhecimentos.
David Holmgren, então com 22 anos, freqüentava as aulas de arquitetura na Universidade da Tasmânia e dedicava parte de seus estudos à relação entre design, agricultura e ecologia. Bill Mollison, 27 anos mais velho, era um experiente pesquisador e ecologista. Ambos consolidaram suas propostas da agricultura permanente no Permacultura Um, livro publicado em 1978.
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Quase 30 anos depois de seu lançamento, a prática começa a ganhar corpo no Brasil, que recebeu a visita do próprio Holmgren, em uma de suas raras incursões fora da Austrália para dar cursos e palestras.
Combinação harmoniosa
“A idéia da permacultura nasceu da aplicação do conceito do design moderno às práticas da ciência ecológica, adotando modelos e exemplos dos modos de produção agrícola existentes antes da era industrial”, explica Holmgren com voz suave e pausada. “O objetivo era criar novos modelos para o período posterior ao do declínio dos combustíveis fósseis, que já era previsível”, complementa.
A busca pela combinação harmoniosa entre os elementos e a aproximação do homem com a natureza também exige uma mudança de pensamento. Foi o que levou Marco Aurélio Tavares Bastos a largar a fotografia profissional para se dedicar à permacultura no município de São Francisco Xavier (a 138 quilômetros da capital paulista), onde criou o Núcleo da Mantiqueira.
Referência em permacultura, o sítio tem uma casa construída com terra, água e palha – técnica conhecida como adobe e praticada há mais de 3 mil anos -, reservatório para captação de água da chuva, sistema de aquecimento solar construído com garrafas pet, hortas “instantâneas” – cultivadas em cima de jornais velhos e grama cortada – e uma área de reflorestamento.
“Já fiquei dois meses e meio com minha companheira sem sair do sítio, utilizando apenas a produção local para sobreviver. Se eu não fosse um ser com tantas necessidades sociais, poderia ter ficado muito mais tempo”, revela Bastos.
Não são apenas pequenas propriedades, como o Núcleo da Mantiqueira, que podem incorporar a prática da permacultura. Boa mostra é o trabalho desenvolvido pelo Instituto de Permacultura da Bahia, uma ONG ambientalista, que desde 1999 desenvolve técnicas socioambientais com mil famílias de três das mais pobres cidades do sertão baiano – Ourolândia, Umburanas e Cafarnaum.
Para eles, a policultura é um resgate da tradição de diversidade que foi suprimida pela entrada do crédito agrícola, cuja liberação é condicionada à prática da monocultura, ou de uma combinação de duas culturas, no máximo, para o financiamento. O projeto difunde um pacote de tecnologia agrícola apropriado para o semi-árido, fundamentado nos sistemas agroflorestais – que utilizam a flora nativa para beneficiar o solo e a produção.
Os produtores trocaram a mamona, o milho e o feijão por árvores frutíferas (umbu, cajá, serigüela, pinha, caju, manga), leguminosas como feijões (fava, guandu), gergelim, árvores nativas (umbuarana e aroeira), palma e sisal.
“O sistema de planejamento sustentável ajuda a eliminar desperdícios, especialmente de água, pelo manejo de campos e sistemas de captação, reciclagem e conservação”, explica Marsha, residente no Brasil há 27 anos, sendo os cinco últimos no município de Tucano, duas horas ao norte de Feira de Santana (BA).
De acordo com dados do Instituto, já são mais de 300 campos de policultura implantados e produzindo culturas anuais de ciclo curto, com diminuição do êxodo rural em 100% nas famílias participantes do projeto e aumento geral da produtividade das terras em pelo menos 40%.
Também não é apenas de iniciativas particulares ou do terceiro setor que vive a permacultura. Em Pirenópolis (GO), uma parceria inédita entre a maior empresa de alimentos brasileira – a Sadia -, a Amanco, uma multinacional do ramo de construções, e o Banco Real investiu num projeto piloto de 1 hectare para a produção de suínos dentro do sistema permacultural.
Na fazenda-modelo, os porcos são criados em pocilgas no formato de mandalas, sem confinamento. O esterco é processado por biodigestores que geram metano – transformado em energia – e outra parte líquida, que passa por tratamento e fertiliza os pomares e a piscicultura.
O consultor e idealizador do projeto, Aerton Paiva, interessou-se pelo modo de pensamento sistemático da permacultura e criou uma solução conjunta para problemas distintos de cada uma das empresas. Para o fabricante de alimentos, um dos principais problemas é a baixa capacidade de investimentos de seu fornecedor – o criador de suínos. A equação se resolve com a empresa de construção oferecendo técnicas construtivas, dentro do conceito da permacultura, e kits de baixo custo para o suinocultor. E toda a operação demanda investimentos, abrindo campo para as operações financeiras, de interesse do banco, explica o consultor.
Trabalho premiado
“As empresas acreditam que elas próprias têm de resolver seus problemas referentes à sustentabilidade. Nós estamos tentando mostrar que a soma de muitos problemas pode ser uma grande solução”, completa Paiva.
O alcance da permacultura foi reconhecido pelo Prêmio Empreendedor Social 2007, promovido pela Fundação Schwab e pelo jornal Folha de S.Paulo: o Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado é um dos seis finalistas da premiação, que distingue projetos de relevância social.
Intervenção urbana
Agrônomo por formação, Alexander Van Parys Piergili conheceu Laura de Santis Prada em um curso de permacultura na Bahia. Pouco tempo depois, os dois decidiram morar juntos e começaram a aplicar sozinhos as técnicas no quintal de uma casa de 80 metros quadrados na região central de Araras, município paulista de pouco mais de 100 mil habitantes, a 170 quilômetros da capital. “Eu me apaixonei pelo sistema porque sempre fui um pouco ‘Professor Pardal’. Gosto de fazer as coisas e resolver problemas, e vi essa praticidade na permacultura, cujos princípios ampliam muito o escopo da agricultura, entrando em arquitetura e outros ramos do conhecimento”, conta Piergili.
Em três anos, o quintal que só tinha grama e um pé de acerola se transformou em exemplo de consciência e educação. Quem via de fora o imponente hipermercado que dava de frente para a residência do casal não tinha como imaginar a quantidade de vida que se escondia naqueles metros quadrados: círculo de bananeira, espiral de ervas, canteiro em forma de “buraco de fechadura”, viveiro de galinhas, filtro biológico e banheiro seco.
“Através dessa prática, fomos reconectados com as forças da natureza, não só no sentido poético e filosófico, mas principalmente no sentido prático, suprindo nossas necessidades materiais e não materiais”, conta o agrônomo, que chegou até a receber o prefeito da cidade em seu jardim-floresta.
Com um pé no ideal holístico de bem-estar e comunhão com a natureza, hoje a permacultura pode ser um caminho para a sustentabilidade ambiental, além de alternativa para agricultores de baixa renda.
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