No tempo em que não havia assessores de imprensa e os artistas cuidavam das suas carreiras, o Brasil teve dois dos seus mais profícuos e controversos artistas, a cantora Dalva de Oliveira e o compositor e cantor Herivelto Martins. Eles levaram uma vida amorosa tão apaixonada quanto conturbada, como mostra a minissérie Dalva e Herivelto, uma Canção de Amor, de Maria Adelaide Amaral. Entre outras fontes, a autora baseou-se no livro de memórias escrito pelo cantor Pery Ribeiro, o primeiro filho do casal. A obra está sendo relançada. Para escrever Minhas duas estrelas, uma vida com meus pais Dalva de Oliveira e Herivelto Martins (Editora Globo), que chegou às livrarias em 2006, Pery contou com a co-autoria de sua ex-mulher, Ana Duarte.
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A minissérie, que a Rede Globo leva ao ar até sexta-feira, revela em detalhes a trajetória artística e os conflitos entre Dalva de Oliveira (uma das mais brilhantes cantoras da era do rádio) e Herivelto Martins (compositor das mais belas crônicas do Rio de Janeiro). A cantora morreu em 1972, em um hospital, tragada pelo alcoolismo e amargura, à espera de uma visita do seu ex-marido. Herivelto, que também vivia dias de angústia, recusou-se a visitá-la. (Ele morreria em 1992, depois de completar 80 anos)
O livro foi a forma que o cantor Pery Ribeiro, nascido em 1937, encontrou para viver com as lembranças alegres e doloridas da sua vida com seus pais. Diz ele: “Não é uma biografia, mas sim um livro das minhas lembranças de vida ao lado de meus pais. Quem leu, sabe que foi uma vida maravilhosa, mas também de muitos problemas. Por muito tempo isso me levou ao analista, mas escrever o livro funcionou como uma catarse, ao liberar tantas lembranças do meu passado”.
Segundo Pery, a obra não teria sido escrita sem a ajuda de sua ex-mulher, Ana Duarte, dona de uma agência de Publicidade e empresária do cantor. Foi ela quem ordenou o emaranhado de lembranças de Pery. Ana conta: “Minha função foi, primeiramente, organizar estas lembranças. Passei tudo para o laptop. Durante o processo, fui percebendo que era um material muito mais complexo do que ele mesmo imaginara… Havia muitos conflitos a serem resolvidos ainda dentro dele”.
A homenagem de Pery a seus pais, que começou com o livro, vai continuar com um show Tributo a Dalva e Herivelto. O espetáculo chegará aos palcos no final de março, comemorando os seus 50 anos de carreira. Boa notícia: o show será gravado, terá a presença de Maria Bethânia e Ney Matogrosso, entre outros artistas, e depois lançado em DVD. Ainda em 2010, Pery também vai fazer uma série de shows Minhas duas estrelas por todo Brasi. Para encerrar as homenagens, o filho único de Pery e Ana, Bernardo, que trabalha com televisão, fará um documentário sobre os avós famosos. Segue-se a entrevista que Pery deu a Brasileiros, com exclusividade.
Brasileiros – Você não escreveu uma biografia dos seus pais, mas um relato em primeira pessoa, falando sobre suas memórias ao lado deles e das pessoas que conviveram com vocês. Esse livro foi uma maneira que você encontrou para exorcizar seus fantasmas?
Pery Ribeiro – Realmente, Minhas duas estrelas, uma vida com meus pais Dalva de Oliveira e Herivelto Martins (Pery Ribeiro e Ana Duarte. Editora Globo. 359 pp, R$ 49) não é uma biografia, mas um livro das minhas lembranças de vida ao lado de meus pais. Quem leu sabe que foi uma vida maravilhosa, mas também de muitos problemas. Por muito tempo isto me levou ao analista, mas escrever o livro funcionou como uma verdadeira catarse, ao liberar tantas lembranças do meu passado.
Brasileiros – Desses relatos dolorosos, qual foi o mais difícil de superar?
P.R. – Eu não diria superar, mas sim o mais difícil de vivenciar, foi o colégio interno, sem dúvida. Sermos tirados do convívio com minha mãe depois da separação dos meus pais, e mandados por um juiz para um internato, foi muito duro, muito sofrido.
Brasileiros – No livro, você parece mais condescendente com sua mãe que com seu pai. Por que?
P.R. – Não, não sou. Contei a história como ela se passou, em toda a sua verdade. Foram eles dois que viveram da forma que viveram. Eles criaram a história que contei. Eu apenas a contei, buscando sempre um equilíbrio no relato. Aliás, a tônica das críticas e comentários que o livro recebeu foi justamente sobre o equilíbrio que busquei ao contar a vida dos meus pais.
Brasileiros – Qual a lembrança que ficou de Dalva e de Herivelto para você hoje?
P.R. – Foram duas pessoas determinantes em todos os sentidos na minha vida: no amor que recebi, no aprendizado da disciplina, dos valores morais, do respeito ao palco e ao público. E principalmente o respeito pela música e pela qualidade no trabalho.
Brasileiros – No livro, você comenta o problema que seu irmão, por parte de pai, Fernando, teve com drogas. Relatar algumas particularidades dos seus familiares não lhe causou nenhum problema?
P.R. – Não exatamente com este fato. Mas o livro desagradou aos meus irmãos, por uma razão muito simples: porque trouxe à tona o que eles, por 50 anos, fizeram questão de jogar pra debaixo do tapete. A diferença entre nós é que, por eu ser uma figura pública, continuei convivendo com todo esse drama familiar por intermédio das lembranças do público. Eles não entenderam que, como filho, eu não poderia fazer um livro de fã. Ao me propor a falar da vida com meus pais, teria de ser um relato aberto e verdadeiro.
Brasileiros – Aproveitando a pergunta anterior, você não teve problema ao tocar em assuntos íntimos de artistas, como a cantora Linda Batista, que foi flagrada com seu pai?
P.R. – Não. Sinto que todos entenderam que não tive nenhuma intenção sensacionalista. Apenas relatei o que se passou na vida das pessoas. Com amor e respeito. Foram elas que construíram seus caminhos.
Brasileiros – Como você vê o panorama da música brasileira hoje, tragada pela mediocridade e banalidade?
P.R. – Você já deu a resposta na sua própria pergunta: a música atual está mergulhada na mediocridade e na banalidade. Não somente no Brasil, mas no mundo. Muito pouco se salva dessa mesmice.
Brasileiros – Qual foi a sua colaboração para a minissérie de Maria Adelaide Amaral?
P.R. – Pelos motivos familiares que já expliquei, Maria Adelaide não declara que se baseou bastante no meu livro, mas tenho visto na minissérie, a todo momento, detalhes e situações que se encontram somente em Minhas duas estrelas… E não poderia ser diferente, conheço todas as “fontes” existentes, pois eu e a Ana também as pesquisamos, e sei que pertencem a outro contexto: jornalístico ou de fã. O meu relato é de filho, de quem pertenceu aquele universo e tem intimidade com os fatos.
Brasileiros – Seu pai tão indiferente com relação à família e ao mundo depois que se separou da sua mãe?
P.R. – Meu pai nunca foi indiferente com a família. Ele sempre foi muito ligado à nós. Nunca foi displicente com a família. Pelo contrário, foi um pai provedor. E conto isto em meu livro. Na época de minha mãe, ele foi um marido complicado, o que é bem diferente. O que comento no livro é que as besteiras que ele fez depois da separação, atacando minha mãe por meio de capítulos em jornais, trouxeram a ele a revolta do público, principalmente do feminino. E isto o colocou de escanteio… e, com o sucesso de Dalva em sua carreira solo, ele foi ficando um cara sofrido, pois seu “Trio de Ouro” nunca mais foi o mesmo. Os seus melhores anos, como artista, ele os teve com minha mãe. E seus maiores sucessos foram feitos durante a famosa “briga musical”.
Brasileiros – Algumas passagens relatadas por você sobre seu pai são marcantes. Você revela a incapacidade de Herivelto lidar com os problemas dos filhos, do egoísmo dele em relação aos parceiros musicais, ao não dar muito crédito a eles. Quando Herivelto estava vivo, você chegou a comentar com seu pai, com toda a sinceridade, o que pensava dele? Vocês chegaram a resolver os problemas de relacionamentos que tiveram na vida?
P.R. – Você tem de entender que meu pai era um homem do começo do século. Recebeu uma formação muito rígida e passou isso para nós. E homens daquela época tinham muita dificuldade para lidar com seu lado emocional e para expressar seus sentimentos. Os amorosos, ele libertava através da música, mas os pessoais ficavam trancados. Mesmo não gostando disso, como filho, tive de aprender a conviver com ele assim. Nunca tivemos esse tipo de conversa. Seria impossível.
“PERY TINHA MUITOS CONFLITOS PARA RESOLVER”
Quem conta é a jornalista e atriz Ana Duarte, co-autora do livro de memórias do ex-marido
Brasileiros – Você pegou os relatos do Pery e os transformou em livro. Como foi o processo de elaboração do livro?
Ana Duarte – O Pery escreveu à mão, num relato emocionado, pois todas essas lembranças mexiam muito com seu interior. Ele estava revirando a sua vida do avesso, e exatamente por ser um relato verdadeiramente emocional, também foi feito de forma caótica, sem obedecer a nenhuma ordem. Minha função foi, primeiramente, organizar essas lembranças. Passei tudo pro laptop. Mas ao fazer isso, fui percebendo que era um material muito mais complexo do que ele mesmo imaginara… Havia muitos conflitos para resolver ainda dentro dele. Organizei por personagens o que ele escreveu, e aí começou outro trabalho: o de reler com ele o que havia escrito. Analisamos tudo e Pery foi se posicionando em cada assunto. A partir daí, pude organizar o material, transformando-o em livro, sempre mantendo o foco no equilíbrio que ele fazia questão de manter em relação aos pais. Esta sempre foi a sua grande intenção: mostrar seu amor aos pais. E de como o seu perdão era maior que os traumas vividos.
Brasileiros – Houve alguma passagem do livro que você ficou intimidada em publicar, algum relato muito pessoal do Pery que você teve dúvidas em tornar público?
A.D. – Esta avaliação nunca foi minha. Afinal, estávamos contando a vida dele. A grande maioria dos personagens eu nem conheci, e com alguns, pouco convivi.
Brasileiros – O livro está sendo relançado pela Editora Globo. Alguma alteração ou acréscimo, em relação à primeira edição de 2006?
A.D. – O livro sempre esteve em catálogo desde que foi lançado, em 2006. Com o lance da minissérie, a Editora Globo resolveu lançar uma nova edição com pequenas modificações na capa original: acrescentou um texto informando da minissérie da Globo e mudou a cor da lombada.
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