Petrobras: Entre os acionistas e a sociedade

A intervenção excessiva do governo, mais uma vez, virou a vilã da história. Um dia depois de anunciar um lucro de R$ 21 bilhões em 2012, a Petrobras perdeu R$ 11 bilhões em valor de mercado (cifra que equivale à soma de todas as ações da companhia). Um estudo da consultoria Economática, divulgado hoje, mostra que a estatal “vale” hoje, por esse critério, quase metade do que valia há dois anos – caiu de R$ 400 bilhões para pouco mais de R$ 200 bi. A punição do mercado é uma resposta a um resultado 36% inferior ao registrado em 2011. O ganho foi o menor em dez anos. Mais grave, ao menos para os analistas de mercado e a imprensa “especializada”, foi a mudança na sua política de dividendos.

Explica-se: diante de um cenário que promete ser ainda mais complicado em 2013, segundo a presidenta da companhia, Graça Foster, a Petrobras decidiu reduzir a parcela do lucro que será distribuída aos acionistas. E os que detêm ações ordinárias (ou ON, que dão direito a voto em assembleias) vão receber menos do que os donos de papeis preferenciais (PN, sem direito a participar das decisões da empresa). Nada que não esteja rigorosamente de acordo com o estatuto. Mas, como nos últimos anos a direção vinha sendo mais mão aberta, algumas expectativas foram frustradas – e isso é algo que o mercado não perdoa.

Dado o cenário, vamos aos fatos. A Petrobras tem acionistas privados, mas todos eles sabem que o controlador é o governo. Aliás, não é privilégio do Brasil, e nem de países em desenvolvimento, manter sob controle estatal tanto as reservas de petróleo quanto a máquina exploradora. Bastou a Inglaterra descobrir petróleo no Mar do Norte, entre as décadas de 1960 e 1970, para ingressar no coro com os árabes da Opep por preços cada vez mais altos.

Ao definir o preço dos derivados no mercado nacional, tendo em vista o controle da inflação, o governo se vale de suas prerrogativas de acionista majoritário. É da regra do jogo. Atende aos seus próprios interesses, que coincidem com o da maioria da população. Vista pelo ângulo do governo, a manobra consiste em abrir mão de resultados financeiros imediatos em nome de preservar a saúde financeira do principal mercado consumidor da própria Petrobras. Sem segurar os preços da gasolina, conviveríamos com uma ameaça real de aumento da taxa básica de juros para combater a inflação. Nada mau para os órfãos do juro alto, que aproveitam o mau momento da Petrobras para ganhar voz na mídia.

Além disso, empresas de petróleo guardam algumas peculiaridades em relação às de outros setores. Lidam com recursos escassos e preços voláteis. O governo brasileiro deixou claro, junto com o anúncio da descoberta do pré-sal, que não iria quebrar, de uma hora para outra, esse cofre escondido sob o mar. Definiu novas regras para a exploração (o sistema de partilha, em vez da concessão), destinou boa parte da receita a um fundo ligado à educação, garantiu uma grande participação da Petrobras na atividade e exigiu o uso de tecnologia e equipamentos nacionais. Decisões que muito desagradaram às multinacionais do setor, que queriam logo a licença para espetar os canudos no subsolo e sugar o mais rapidamente possível. Trata-se, segundo especialistas, da maior descoberta de jazidas no mundo nos últimos 20 anos. Não é pouca coisa.

Quando esses grandes grupos têm a chance de criticar o modo como o governo brasileiro lida com o petróleo e administra a Petrobras, não resta dúvida de que vão fazê-lo. Para isso, utilizam os porta-vozes costumeiros: dirigentes de instituições supostamente isentas, tratados pela mídia como se fossem especialistas independentes e não executivos contratados a peso de ouro.

Explorar o pré-sal é uma aventura dispendiosa. Nos moldes exigidos pelo governo, sai ainda mais caro. Mas garantir um volume maior de recursos para o País, empregá-los bem e ainda fortalecer a indústria nacional é algo que não tem preço, como diria o comercial de tevê. A queda momentânea no padrão elevadíssimo de lucratividade da Petrobras, ao qual o mercado se habituara, é a conta a ser paga por um futuro promissor. O acionista que souber esperar será bem recompensado.

Estratégias de horizonte amplo, porém, não casam com a filosofia do mercado de capitais. É o que mostra o professor da Universidade de Cambridge Ha-Joon Chang, no excelente “23 Things They Don’t Tell You About Capitalism”, (“23 Coisas que não te contam sobre o capitalismo”, em tradução livre, porque ainda não há versão em português). Apesar de o título remeter a obras de autoajuda, trata-se de um dos melhores livros de economia dos últimos tempos.

Uma das “coisas” confrontadas por Chang, logo no capítulo 2, é a crença em que as companhias devem ser tocadas segundo a vontade dos acionistas. Diz o autor: “Acionistas, especialmente, mas não exclusivamente, os menores preferem estratégias corporativas que maximizem o lucro de curto prazo, normalmente ao custo dos investimentos de longo prazo, e maximizem os dividendos desse lucro, que geralmente enfraquecem as perspectivas de longo prazo da companhia ao reduzir a quantidade de lucros retidos que pode ser usada como reinvestimento”. Em outras palavras, eles querem o lucro agora, e não amanhã.

Não é esse tipo de visão que se espera de uma empresa como a Petrobras. Com toda a franqueza que lhe é peculiar, Graça Foster explicou que a estatal terá de apertar o cinto neste ano, e alertou que o esforço será ainda maior se o preço da gasolina não subir e acompanhar a cotação do petróleo no mercado internacional. É obrigação da executiva cobrar tais reajustes, mas não convém a um País com as nossas carências fingir que não é o dono de uma empresa multibilionária, com enorme influência sobre os rumos da economia nacional. Os lucros podem esperar.


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