Quem leu 1822, o mais recente (e obrigatório) livro do Laurentino Gomes, que conta a história maravilhosa de Dom Pedro I, as tramas políticas que levaram à Independência, viu que todo mundo andava a cavalo, por estradas que eram verdadeiras picadas. Os caminhos, via de regra, seguiam os vales dos rios, e às margens deles o Brasil começou a ser construído. Não quero parecer pedante, mas existe um pequeno equívoco no livro, desimportante no contexto: o imperador, ao subir a Serra Fluminense, a caminho de Minas Gerais, realmente hospedava-se na casa da Família Corrêa, construída ás margens do rio Piabanha. Ali era a fazenda que levava o nome deles, Corrêas, naquele início do século XIX quem mandava na casa era o padre Corrêa. O imperador quis comprar a fazenda, mas, por razões legais, parece-me que naquela época as heranças já eram enroladas, não conseguiu, não se pôde vender, a fazenda acabou virando o distrito de Corrêas. Aí eu ouso fazer um mínimo reparo ao (deliciosos) livro: ele adquiriu outra fazenda, curiosamente chamada Córrego Seco, na qual seu filho, depois da partida do pai para Portugal, fez construir Petrópolis, seguindo um bem feito planejamento urbano, com rios canalizados, avenidas retas, e um belo palacete para a família imperial. A casa da família Corrêa, erguida a uma distância segura do Piabanha, talvez no século XVII, ou XVIII, não estou certo, está lá até hoje, firme e forte, é ocupada por uma escola. O palácio de verão de Dom Pedro II, esse datado do século XIX, também está lá, nele fica a coroa imperial, lindíssima, pois se tornou o museu mais visitado do Brasil! Petrópolis fica a cerca de uma hora do Rio de Janeiro, e vale a pena visitar, pois é linda, é parte de nossa história.
É parte da minha história também, pois eu nasci lá, sou petropolitano, meus pais moram em Corrêas, em uma casa erguida há um século pelo meu bisavô, até hoje firme e sólida. Com as chuvas da madrugada de quarta-feira, vocês viram a tragédia que ocorreu. É tristíssimo, não consigo assistir aos noticiários. Nada aconteceu a meus pais, benza Deus, e pouca coisa aconteceu em Corrêas, mas em Itaipava, Teresópolis, Friburgo, a coisa foi devastadora.
O que aconteceu? Esqueceu-se de como se constrói? Teremos de ver os projetos dos engenheiros dos séculos passados? Aquilo que se construiu no século XIX, e antes disso, está lá. Depois, os governantes deixaram construir, ao Deus dará, sem critério, nas pirambeiras mais íngremes, na área mais próxima do rio, e deram Habite-se a todas as casas, cobraram impostos, trocaram a regulamentação por votos, e foram parar em Brasília. Vocês se lembram de Angra dos Reis, ano passado, onde um decreto do governador regularizava todas as casas que desabaram sobre a cidade, matando gente? Vocês se lembram de Niterói, onde se construiu sobre um aterro sanitário, no Morro do Bumba, que desabou matando dezenas de pessoas, e onde hoje já tem gente construindo de novo? Não se pode ficar culpando quem constrói, as pessoas tentam resolver suas vidas, mas cabe ao poder público mostrar onde construir, como fazer, fiscalizar corretamente, e não vender a aprovação daquilo que vai cair. O resultado do que o nosso poder público fez está em todos os jornais, na net, na televisão. A vida humana, no Brasil, vale muito pouco. É triste, muito triste.
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