Maria Elena Johannpeter é uma mobilizadora social. Ela descobriu que tinha esse dom na época em que era voluntária em uma creche, nos anos 1990. “Éramos 15 senhoras do conselho e um dia tivemos de organizar um jantar beneficente”, relembra. O evento foi um sucesso. Os cem convidados compareceram, apesar do alto custo do ingresso. “Na reunião do dia seguinte, fiz uma proposta: somos 15, se cada uma de nós for para dentro de uma organização, teremos 15 creches bem atendidas! Mas minha ideia não foi aceita. O chazinho que fazíamos às quintas-feiras era mais interessante.”
Mas foi com a essência dessa ideia que Maria Elena transformou não apenas sua vida – ela estava recém-aposentada depois de 30 anos de carreira no meio corporativo -, como também a de cerca de 1,5 mil pessoas, hoje beneficiadas por sua ONG, a Parceiros Voluntários. “Pensei: se eu fundar uma organização fazendo essa mobilização, todos os projetos sociais terão pessoas disponíveis para atendê-los.” A Parceiros Voluntários, inaugurada em 1997, faz um elo entre ONGs que precisam de trabalho voluntário e pessoas com vontade de oferecê-lo. “Não trabalhamos direto com uma causa social, mas somos potencializadores
de todas elas”, afirma.
Com o objetivo de desenvolver uma cultura de trabalho voluntário organizado, Maria Elena criou um projeto piloto e foi a um programa de TV em Porto Alegre, onde mora, para divulgá-lo – ela precisava de cem pessoas e dez organizações sociais para dar o primeiro passo. No dia seguinte, ao chegar em casa depois de um compromisso, notou uma fila que dobrava o quarteirão. “Perguntei ao porteiro o que tinha acontecido, e ele respondeu: ‘É uma organização do quinto andar que quer gente para trabalhar de graça’. Aquilo foi um impacto! Havia mais de 300 pessoas”, relembra. “Prova de que muita gente quer fazer algo, mas não sabe como.”
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Em 14 anos de vida, a Parceiros Voluntários se tornou uma rede. Atua em 82 cidades gaúchas e conta com 369 mil voluntários engajados. Também ampliou sua missão: ajuda na profissionalização do terceiro setor, fornecendo metodologias e modelo de gestão, transparência e prestação de contas para organizações sociais, além de desenvolver comitês de responsabilidade social dentro de empresas. “Crescemos à medida que as necessidades foram se apresentando. Ao apenas enviar voluntários para as ONGs, a gente percebia que havia uma falha, porque muitos voluntários acabavam desistindo por falta de motivação e a organização, por sua vez, não usufruía bem desse voluntário. Então, começamos a desenvolver metodologias para trabalhar as duas pontas”, afirma.
Em 2008, a Parceiros Voluntários foi contratada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para o projeto Desenvolvimento de Princípios de Prestação de Contas e Transparência em Organizações da Sociedade Civil, que, a partir de novembro, será estendido a outros Estados (além do Rio Grande do Sul) e ao exterior. No ano passado, uma metodologia criada pela ONG de Maria Elena, chamada Gestão para a Sustentabilidade, Empreendedorismo e Redes Colaborativas – que capacita dirigentes de organizações sociais -, foi levada do Rio Grande do Sul para o Rio de Janeiro, Bahia, Mato Grosso e Amazonas por meio de uma parceria com o SEBRAE.
“Todas as causas são boas, mas percebi que o que falta muitas vezes nas organizações sociais é uma gestão. Então, levei para elas todo o meu conhecimento nessa área, adquirido ao longo de minha experiência profissional”, diz Maria Elena, que trabalhou 27 anos na Gerdau, empresa líder na produção de aço no Brasil e que pertence a seu marido, Jorge Gerdau Johannpeter.
Maria Elena frisa que não é a favor de transformar organizações sociais em pequenas empresas, mas acredita que uma pode aprender muito com a outra. O meio corporativo mostra a importância de se fazer o planejamento de todos os setores. “É o chamado stakeholder, ou seja, comunicação entre todos para mantê-los ligados à causa. Porque criar uma organização é fácil, mas dar a ela sustentabilidade e perenidade é o grande desafio”, afirma. Por outro lado, segundo ela, o que de melhor as empresas podem aprender com o terceiro setor é a paixão pela causa. “Às vezes, o presidente da empresa tem essa paixão, mas ela não chega até a outra ponta. As organizações sociais ainda costumam trabalhar com poucos recursos, o que as obriga a serem mais criativas, esse é outro ponto.”
Ela explica que hoje, ainda, as empresas se relacionam com o terceiro setor em três níveis. Há as que são apenas doadoras de recursos e não participam do resultado, outras que patrocinam projetos, mas exigem relatórios e, por fim, as que são empreendedoras sociais, que compartilham o projeto com a organização, levando o que têm de melhor: a experiência em gestão. “Essa ainda é uma mentalidade recente. Existe um mito de que trabalhar com responsabilidade social é para grandes empresas. Não é. É uma questão de atitude.” De acordo com Maria Elena, é preciso que o meio corporativo leve isso como estratégia da empresa. “Em primeiro lugar, traz valor agregado à marca, em segundo, proporciona aos funcionários a oportunidade de se inserir em projetos da comunidade e, além disso, muda o ambiente de trabalho, porque existirá ali algo em comum que será de benefício de todos”, acredita.
A Parceiros Voluntários trabalha também com um conceito chamado Responsabilidade Social Individual (RSI). “Trata-se de trabalhar os valores e promover o desenvolvimento de cada pessoa para que ela se torne mais ativa e socialmente transformadora.”
Pensando no futuro, a presidente da ONG, que trabalha como voluntária, também promove ações com jovens e crianças. O projeto Tribos nas Trilhas da Cidadania atua em escolas públicas e privadas desenvolvendo projetos junto a adolescentes nas áreas do Meio Ambiente, Educação e Cultura que serão aplicados por eles na própria comunidade. Já no programa Criança Século XXI, a cultura do trabalho voluntário e da atuação social é passada a pais e educadores.
Gaúcha de Morungava, pequena cidade de cerca de 7 mil habitantes a 22 km de Porto Alegre, Maria Elena sabe da importância disso. Ela conta que fazia voluntariado desde os 14 anos, a partir do exemplo que via na mãe. “Cresci com essa atitude de pensar sempre em como posso ajudar o outro”, diz. Décima filha de uma família de agricultores, Maria Elena teve de começar a trabalhar cedo. Ainda adolescente, seu primeiro emprego foi como office girl. Passou depois por um laboratório farmacêutico e pela Siderúrgica Riograndense, até ser contratada pela Gerdau. “Quando me aposentei, comecei a trabalhar muito mais. Hoje, como presidente e voluntária da organização, fico 24 horas ligada. Mas sou muito feliz. Costumo dizer que a remuneração de um voluntário é uma moeda diferenciada.”
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