Poesias da Bienal

1. JUAN CAMERON – CHILERadicado em Valparaiso, jornalista, o chileno de 61 anos passou dez deles exilado em Malmo, Suécia. Segundo ele, as estatísticas provam que em seu país apenas 46% atingem a leitura de até um livro por ano, sendo que destes apenas 3,6% lêem poesia. Um dos principais motivos de considerar-se social, política e eticamente incorreto.OUÇA: CHAOno me pregunten por ellala he dejadovendi sus muebles me gasté el dineroque um dia me dio como promessacomo truco o manejo a sus haberessus ofertas ya sé eran traicionesme queria exclusiva y tenazmentepara ella para ella para ellapero apenas soy fiel comigo mismomenos de esclavo podría possermemenos sirviente menos prisonerono me pregunten másla he abandonadola muerte para mi no era partido


2. EDUARDO LANGAGNE – MÉXICOO simpático mexicano de 55 anos sempre esteve envolvido com a cultura brasileira, chegando a morar durante um ano em Brasília. Canta músicas inteiras, discute discografias, ama Elis Regina. Seu sotaque é tão pequeno que já lhe disseram que parecia um turco jorgeamadiano.OUÇA: SUPE DE AMORha emblanquecido mi peloem busca de uma virtudno perdi la juventudpues la inverti eN esse anhelosupe de amor y desvelocuando nacieron mis hijosmantuve los ojos fijosal ver venir la benezay há podido mi cabezadescifrar sus acertijos


3. JOSÉ LUIZ TAVARES – CABO VERDEResidente em Lisboa, aparenta menos do que 41 anos que tem. E não se cansa de repetir isso. Habitué de premiações, teve de deixar a Bienal para receber uma homenagem em Brasília. Profundo conhecedor de seu idioma natal, português, e suas respectivas literaturas e música, considera-se um terror na sala de aula e uma companhia divertida em uma mesa de bar. Uma de suas fixações é o idiossincrático poeta brasileiro Glauco Mattoso.OUÇA: À BEIRA DAS CINZASse já morto me desteem talião ou fotografia celestetabelião que minha vida escavassepoderia apenas o eco que ficasseda diária tinta em que me percopatadas de suor luzindo pelo lusco–fusco golfadas de terra recado bruscocomunicando o jubiloso final incertosuponho assim se nomeia o destinopouco colorido vulto ardendo entrepinhais árido enredo que assinocom duvidosa sabedoria campestrearte alguma nenhuma fábulaguarda o rouco gume desta fala


4. ALFREDO FRESSIA – URUGUAIRadicado em São Paulo, 60 anos, tradutor e reconhecido promotor de intercâmbio entre as duas línguas, acaba de assumir a edição de La Outra, revista mexicana sucedânea da célebre Alforja. Entre outras realizações, traduziu Poema Sujo, de Ferreira Gullar, lançado na Argentina – onde foi escrito, no exílio – e recentemente, a pedido de Maria Bethania, traduziu para o espanhol as canções que a cubana Omara Portuondo interpreta com a baiana.OUÇA: HIGIENE(epígrafe)olho muito tempo o corpo de um poemaaté perder de vista o que não seja corpo – Ana Cristina Cesarapagón y lluviala noche del eclipseno se pudo ver nadaen casa me sequé, tomé café escuroy con la manga me limpiaba la sangreen las comisuras de um verso de Ana C.


5. EDUARDO MOSCHES – MÉXICOO argentino de 64 anos, radicado no México para onde fugiu da ditadura em seu país há 32, é bem divertido. Gosta de lembrar que nos Estados Unidos de Obama os latinos são a primeira minoria e que Chicago é a maior população mexicana depois da Cidade do México. Para ele a crise é crítica, uma vez que o que sustenta a economia de seu país adotivo é a remessa informal de dinheiro do exterior, de parte de mexicanos para suas famílias. Mais que essa remessa, só o lucro com o petróleo. Se acabarem os empregos nos EUA, babau.OUÇA: LOS TIEMPOS MEZQUINOSlos olivos murmuransobre las zanjas que fueron casaso em los trozos de lozaque alguna vezcobijaron redondospanes árabesque sonreían blanco a los dientes.un trago lento y levede agua frescalavado el paladarde esse café pastosoum corto ademánde entretejerse dedosen el mismo momentoen que la explosiónhacía hondoel instante del silenciolas bocas de todos los asesinadosfragmentana la historiaem um gemido largo


6. ALEYDA QUEVEDO ROJAS – EQUADORNatural de Quito, miúda, 36 anos, redatora, editora e consultora dos principais jornais de seu país, tem uma poesia dominada pelo erotismo. Estava feliz em Fortaleza, indo à praia todos os dias em companhia do marido. Afinal, sua cidade se encontra nas encostas de montanhas de cinco quilômetros de altura – a 2.850 metros acima do nível do mar. Ela acredita que isso influenciou sua poesia uma vez que precisou sobreviver quente e comunicativa em uma cidade fria e de ar rarefeito.OUÇA: ?QUIÉN SOY??quién soy?Tal vez la mujer senos de âmbary pies helados que escribe versospara reconfortarseMas la poesiasolo logra descarrilarmeComo el tren rojo que soyEse tren que se abre pasoentre las montañas pontiagudasy difíciles de algún paísEse tren que nunca llegaa ninguna estación de humoEsta mujer que emana vocesTrenes y más trenesque me esperanVersos para sobrevivir?Quién soy?Quizá este cuerpo encendidoque aún guarda tus huellas em los pliegues


7. EDWIN MADRID – EQUADORMarido de Aleyda, 47 anos, um dos grandes poetas contemporâneos de seu país, há 22 se dedica a esse ofício. Conhecido na América Latina e Espanha, tem livros publicados e traduzidos nos Estados Unidos, Líbano e Alemanha. Bibliotecário, salienta que veio de uma família sem a menor ligação com letras e que em Quito não houve tanto derramamento de sangue durante o governo militar. Foram vítimas de uma “ditabranda”. Não obstante produz poemas viscerais.OUÇA: CAPERUCITA ROJA Y EL LOBO FEROZun día caperucita rojase internó en el bosquey mientras escudriñabaapareció el lobo ferozy com voz de caperucitale preguntó:- ?Que llevas em la canastra?y caperucitacontestó com voz de lobo:Una carabina com tres balas- ?Por qué la carabina tiene mira?preguntó el lobo- Para verte mejorcontestó caperucita- ?Por qué la arrimas al pecho?- Para disparar mejor- ?Y a quién vas a disparar?- A vos. Pum / Pum.Colorín coloradoeste cuentoestá contado.


8 . CLÁUDIO WILLER – BRASILSociólogo, psicólogo, figura lendária entre os jovens graças ao seu envolvimento como tradutor no movimento beat, atualmente envolvido com misticismo, hermetismo, divide com Floriano Martins a edição de Agulha, revista que norteia, sem trocadilho, a integração poética das Américas. Além de poeta convidado atuou na Bienal como curador do espaço dedicado a revistas de cultura da comunidade hispânico brasileira.OUÇA: MAIS UMA VEZMergulho no amorcom a cega convicção dos suicidaspenetro passo a passonessa região misteriosa turva opacaaberta pelo encontro dos corpose sinto outra familiaridade nas coisasessa calma permanência dos objetosagora formas de lembrar-seo mundo que se reduz a traços da presençaa realidade que fala ao transformar-se em memóriatudo é conivência e signoo espaço uma extensão do gestoas coisas matéria de evocaçãoqualquer coisa treme dentro da noitecomo se fosse um som de flautae a cidade se contorce se retraimais uma vezao abrir-se para este turbulento silênciode olhar frente ao olharpele contra a pelesexo sobre sexo


9. RODRIGO PETRONIO – BRASILO paulistano de 33 anos cursou letras na Universidade de São Paulo (USP) e tem mestrado em literatura espanhola sobre a obra de Luis de Góngora. Escreve ensaios, é tradutor e editor, ultimamente de livros infantis e infanto-juvenis.OUÇA: O SOPRO AZUL DA TERRANinguém nunca pisouEssa terra negra abafando o carvão sob a sola dos sapatosNem dormiu o sono circular de teus cães nem folheou o teujornal diário.Ninguém passou à beira dessas estradas de terraNem esse gado em rotações lentasPariu a luz rude de teus dias e o ouro de tuas bacias.Jamais alguém grafou nomes nas cascas de tuas árvores.Ninguém disparou a bala da boca da noite em fugaNem circundou tuas águas turvas cheias de larvas.Nem houve jamais uma abertura de pálpebrasDentro de teus quartos sujos de cabeças baixas.Ninguém desfraldou teu horizonte de magmaNem perscrutou tua ciência e luz incidental sobre pedras pardasAnimal tricéfalo com o revólver engatilhado em uma tocaia.Nunca houve esse homem de espáduas curvas.Nunca houve esse deambular de besouros de prataApagando a lâmpada de tuas chagas.Nunca esse quadril de bronze cheio de água.Nunca essa muralha adusta de gravetos e faces que contemplama lua parada.Nunca esses pilares de trigo e esse boi no prato.Nunca esse cavalo com a cabeça cravada na parede da sala.E velhos descascando gumo entre soluços de asma.Nunca teus filhos correram contra a brisa e se moveram noxadrez de tuas casas.Nunca o relâmpago azul descansou nessa acáciaQue geme entre lábios magros.Ninguém nunca pisou tuas garças ou vestiu tuas sábanas deretalhos velhosAdorou em um espelho teus deuses frescos e vascularesQue nascem onde o cristal espalha suas sementes.Ninguém arou teus campos.Ninguém colheu os filhos redondos e molhadosDa vagina de tuas fêmeas de boca aberta e olhar diáfano.Nunca esse homem sobre os trilhos.Nunca esse som de tirsos e tiros e risos sem dentes.Nunca ninguém pousou uma carícia sobre tuas garrafas emforma de cisneNem meneou tuas chaleiras pálidas no abismo.Rio de esquecimento e páginas que o sol apaga e grifa.Só o avesso de tua luz em ti palpita.


10. LIROVSKY (LIRINHA, JOSÉ PAES DE LIRA) – BRASILPernambucano de Arco Verde, Lirinha é conhecido pelo seu trabalho à frente do grupo Cordel do Fogo Encantado. Mercadorias e Futuro é o livro que lançou sob o pseudônimo, heterônimo, alter ego, Lirovsky. Na peça homônima, de Lirovsky, co-dirigida com a mulher do ator-cantor-compositor, Leandra Leal, e sonorizada juntamente com o mago Buguinha Dub, Lirinha em um monólogo soberbo vende o livro valendo-se de ancestrais e por vezes toscas estratégias de marketing. Em uma de suas falas Lirovsky põe a poesia a nu.OUÇA: A profecia não precisa acertarnão se deveria esperar de um profetao que não se espera de um poetaporque a profecia é uma poesia sobre o futuroe nada maisa gente cresceu escutandocuidado com os falsos profetasmas não existem falsos profetascomo não existem verdadeiros poetasLEIA: A Bienal do Ceará


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