A vida breve de Tomás Santa Rosa, morto aos 47 anos, impõe a dúvida recorrente quando grandes talentos partem cedo: o que ele teria feito se tivesse vivido duas ou três décadas a mais? Afinal, até o fatídico dia em que um infarto o levou à morte, durante sua participação na Conferência Internacional de Teatro realizada em Nova Delhi, na Índia, Santa Rosa, como ficou conhecido, deixou sua marca em inúmeras produções de expressões artísticas as mais diversas. Artista múltiplo, ele foi figurinista, cantor, gravador, decorador, crítico de arte, ensaísta, cenógrafo, editor, artista gráfico, professor de artes plásticas e pintor.
Nascido em João Pessoa, na Paraíba, em 1909, Tomás Santa Rosa Junior teve nas aulas de canto e de piano o estopim de seu profundo interesse pelo meio artístico. No entanto, iniciou a vida profissional em ambiente burocrático, como contador do Banco do Brasil. Como servidor público, atuou em Maceió e Salvador, mas, em busca de explorar suas ambições artísticas, partiu para o Rio de Janeiro, em 1932, aos 23 anos. Na ebulição cultural da então capital federal, Santa Rosa fez história.
Autodidata e extremamente talentoso na arte da pintura, logo chamou a atenção de Candido Portinari, que o convidou para o auxiliar na execução de murais, e deu início a uma das facetas que mais o consagraram: a atuação como artista gráfico e ilustrador, iniciada com a colaboração para veículos como Sua Revista e Rio Magazine. Dois anos mais tarde, em 1934, Santa Rosa passa a colaborar para a Editora José Olympio e faz história ao criar capas para um sem-número de clássicos literários nacionais e estrangeiros. Atuação que, em paralelo, contribui para a construção da história da editoração e do design gráfico do País, faceta que agora é devidamente reconhecida no livro Capas de Santa Rosa. Publicado em parceria do selo Edições Sesc e Ateliê Editorial, com texto analítico do pesquisador Luís Bueno, Capas de Santa Rosa reproduz 80 criações emblemáticas.
Entre os títulos que ganharam a grande arte do paraibano estão clássicos literários como Pauliceia Desvairada, de Mario de Andrade, Menino de Engenho, de José Lins do Rego, Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, A Sonata a Kreutzer, de Leon Tolstoi, Vidas Secas e São Bernardo, de Graciliano Ramos, Capitães de Areia, de Jorge Amado, O Visionário, de Murilo Mendes, A Letra Escarlate, de Nathaniel Hawthorne, Crime e Castigo e Os Irmãos Karamazóv, de Fiódor Dostoiévski. Além dos títulos literários, clássicos do meio acadêmico também foram ilustrados por Santa Rosa. Caso de O Negro no Foot-Ball Brasileiro, de Mario Filho, Problemas da Democracia, de Luís Carlos Prestes, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda.
O artista também marcou a história do teatro brasileiro. Ele é considerado o pioneiro da cenografia dramatúrgica no País, graças ao trabalho revolucionário desenvolvido, em 1943, para a montagem de Ziembinski de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. Amigo de Carlos Drummond de Andrade, Santa Rosa recebeu deste uma singela homenagem, o poema A Um Morto na Índia, que, na primeira estrofe, faz menção à excelência de sua atuação no teatro. “Meu caro Santa Rosa, que cenário diferente de quantos compuseste, a teu fim reservou a sorte vária, unindo Paraíba e Índias de leste! Tudo é teatro, suspeito que me dizes, ou sonhas? ou sorris? e teu cigarro vai compondo um desenho, entre indivisos traços de morte e vida e amor e barro. Amavas tanto o amor que as musas todas ao celebrar-te (são mulheres) choram, e não pressentem que um de teus engodos é não morrer, se as parcas te devoram”, diz Drummond que, na última estrofe do poema, conclui: “A face do artista é sempre mítica, em movimento rápido se fecha na rosa de teu nome, claro véu, ó Tomás Santa Rosa… E em Nova Delhi, o convite de Deus: pintar o céu”.
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