O documentário Lixo Extraordinário, que retrata o trabalho do artista plástico brasileiro Vik Muniz no maior aterro sanitário da América Latina, no Rio de Janeiro, vem provocando controvérsias fora das salas de cinema.
Uma delas diz respeito ao fato de o filme, festejado como único representante brasileiro indicado ao Oscar – trata-se de uma produção Brasil-Inglaterra – ter reconhecida apenas sua parcela britânica pela Academia. Os britânicos Lucy Walker (codiretora) e Angus Aynsley (produtor) aparecem como os únicos inscritos, caso o filme ganhe o prêmio. Os codiretores João Jardim, brasileiro, que rodou mais de 50% do documentário (a empresa envolvida é a O2 Filmes, de Fernando Meirelles), e Karen Harley, britânica, ficaram de fora da indicação. O filme usou dinheiro público brasileiro, foi rodado em solo nacional, além de EUA e Inglaterra, com equipe brasileira e sobre um artista brasileiro. Lucy e Angus argumentaram para a imprensa que o erro foi da distribuidora americana, Arthouse Films, mas João Jardim afirma que já estava ciente do fato (veja entrevista na página 30).
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Angus conhece Vik desde 2003, mas foi somente em 2007 que decidiu produzir o documentário e convidou Lucy para dirigi-lo. Assim nascia Lixo Extraordinário, que está em cartaz em mais de 20 salas de algumas cidades brasileiras.
Como Lixo Extraordinário seria quase todo rodado no Brasil, no Aterro Metropolitano de Gramacho, no Jardim Gramacho, bairro de Duque de Caxias, no Rio, houve a necessidade de chamar diretores brasileiros e outros profissionais locais. O filme foi rodado durante três anos. Nessa produção, o artista fez suas criações inspiradas em retratos dos catadores de lixo. Como matéria-prima, usou os resíduos recolhidos do lixão. Depois de prontas, as obras foram fotografadas e viraram quadros, vendidos em leilões londrinos. O dinheiro arrecadado foi para a Associação dos Catadores de Gramacho.
A outra polêmica que envolveu o filme ocorreu durante sua estreia no Festival de Paulínia (SP), em julho do ano passado. O filme foi considerado pela crítica como “um documentário institucional da carreira do artista”. Mas, por outro lado, foi recebido com muito entusiasmo pelo público – que lotou o Theatro Municipal de Paulínia – e saiu do festival com o prêmio de público (o filme recebeu mais de uma dezena de prêmios de público pelos festivais ao redor do mundo, comprovando sua empatia com o expectador que se envolve não só com a criação do artista, mas principalmente com as histórias de vida dos catadores de lixo).
Versão do artista
Brasileiros conversou com Vik Muniz no dia seguinte à exibição em Paulínia. Questionado sobre o que ele achava de o filme estar sendo atacado pela crítica, ele respondeu: “Eu não sei, cara. Às vezes, você faz um trabalho… Eu já participei de projetos sociais que não foram documentados dessa forma. O fato de ser documentado talvez tenha gerado isso… Tenho um projeto profissional no qual quero ser não só artista como também um bom professor. Você não consegue passar nada para alguém sem ser um bom exemplo. Imagino, se eu for uma pessoa melhor, uma pessoa mais completa, talvez, seja um melhor artista e possa influenciar os outros de forma mais positiva. As pessoas vão querer ser como eu sou. Para isso, eu tenho de ser bom. Não posso ser uma pessoa ruim e querer influenciar os outros. Acho que isso vale, cara, e muito. Se eu puder influenciar jovens artistas a se envolverem com projetos enriquecedores, bacanas, sempre vai valer a pena. Para mim, foi enriquecedor esse projeto de Gramacho, talvez mais do que para eles que participaram (referindo-se aos catadores de lixo que foram escolhidos pela produção e participaram do documentário). Então, não tenho nem como responder a esse tipo de acusação, pois não procede e nada tem de verdade. Estou feliz com o que fiz e extremamente realizado. Não foi nenhum dinheiro para mim (com a venda das obras geradas no projeto Gramacho) e não vai nenhum dinheiro para meu bolso dos projetos sociais que me envolvo.
NO FOGO CRUZADO |
João Jardim, que afirma que já sabia que seu nome não seria citado em Lixo Extraordinário, caso o documentário fosse indicado ao Oscar, não se diz ressentido. Pelo contrário. O diretor brasileiro que codirigiu o filme fica feliz que se aponte o holofote para a questão da reciclagem e só lamenta que as críticas negativas possam prejudicar futuros projetos de parceria entre o Brasil e outros países. Cineasta de olhares múltiplos, estudou cinema na Universidade de Nova York e começou a carreira como assistente de direção de cineastas do porte de Cacá Diegues (Dias Melhores Virão) e de Murilo Salles (Uma Faca de Dois Gumes). Sua estreia foi em 2002, em Janela da Alma, trabalho que ele codirigiu com o fotógrafo Walter Carvalho. O trabalho solo seria realizado três anos mais tarde, quando dirigiu o documentário Pro dia Nascer Feliz, título de uma música de Cazuza, e que trata das deficiências da educação brasileira. Seu novo filme, Amor?, que estreia em abril, vai falar sobre a violência nos relacionamentos amorosos. Brasileiros – Ficou chateado por seu nome não ter entrado nos créditos do filme, quando foi inscrito no Oscar? João Jardim – Na época em que participei do filme, em determinado momento, o produtor decidiu dar o crédito de direção para Lucy Walker. Cabia a mim concordar ou contratar um advogado. Então, se o filme fosse indicado na categoria de documentário do Oscar, meu nome não entraria, já sabia disso. Mas fiquei muito feliz. Acho que essa indicação é uma maneira de chamar a atenção para o tema da reciclagem e para aquelas pessoas que trabalham ali. A indicação joga um holofote para essas questões. E isso é de suma importância. Tem o problema que até agora não tem solução que é a desativação do Lixão de Gramacho e do destino que será dado para as pessoas que trabalham lá. Brasileiros – O que mais o impressionou na vida daqueles catadores de lixo? J.J. – A forma positiva como enfrentam os preconceitos e adversidades da vida. Essa construção da autoestima faz com que o público se identifique com o filme, pelas histórias positivas de vida daquelas pessoas. Brasileiros – O que acha das críticas feitas ao filme e ao artista Vik Muniz? J.J. – Acho que faz parte do jogo, de a gente fazer nosso trabalho e da crítica avaliar. Tenho a impressão de que não vale a pena perder tempo em torno dessa polêmica. Em todo trabalho de arte há a possibilidade de a crítica não gostar. Tem gente que não gosta mesmo do filme. Às vezes as pessoas são grosseiras. Não me interessa ficar lendo esse tipo de coisa, nem quando é bom, nem quando é ruim. Eu fico só com pena um pouco, nem sei se o termo correto é esse, quando atacam o filme por ter sido idealizado e concebido lá fora. Quando dizem que o filme não é nosso, acho lamentável, porque pode prejudicar futuros projetos de coparceria. Se há filmes feitos 100% no Brasil, por que não pode ter filmes feitos em coparceria? Não podemos descartar essas parcerias no mercado internacional, que são extremamente importantes para toda a indústria do cinema brasileiro. É importante também para a divulgação da nossa cultura, dos nossos produtos, das nossas histórias. O que me incomoda nesse tipo de crítica é não saber diferenciar um produto 100% nacional com outro produzido de forma híbrida. Há provincianismo na visão desses críticos, que implica inclusive o filme ser falado em inglês em várias partes. O filme é um produto estrangeiro, feito em cima de um artista brasileiro e de uma história passada no Brasil. É aquilo ou não existiria o filme. Existe o tabu de sempre fazermos arte pura, que é sempre bem-vinda. Mas não podemos descartar, como falei, um produto híbrido que atenda ao mercado externo. Lamento também as críticas pessoais ao artista Vik Muniz. A crítica pode até falar de algumas questões do filme, mas eles são ignorantes do ponto de vista do que o Vik já conquistou na vida. E tudo o que ele não precisa é se promover à custa daquelas pessoas. Ele já é um artista de sucesso e ganhou dinheiro suficiente. Penso que a crítica foi dura demais com o filme, por se tratar de uma pessoa bem-sucedida. E o Brasil tem essa mania de botar pra baixo tudo que é bem-sucedido lá fora. É uma característica bem brasileira. |
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