Era uma festa em Paris. O auditório da pirâmide do Louvre sacudia ao som do DJ Thy San, convidado pela badalada cantora Camille Dalmais, carte blanche do museu para este ano.
A tal “carta branca” é dada para que artistas realizem trabalhos multidisciplinares com total liberdade. O tema proposto por Camille foi O Poder das Mulheres no Cinema Mudo, representado por 11 curtas da cineasta francesa Alice Guy Blaché (1873-1968), considerada a primeira mulher diretora de cinema e a primeira pessoa a dirigir um filme de ficção.
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O tema da noite de Thy San foi Madame a Des Envies (A Senhora Tem Vontades) que ele pontuou com as vozes de Elza Soares, Maria Alcina, Angela Ro Ro e vocalizes gravados por Tulipa Ruiz. Pois, apesar de confundido com um oriental ou indiano de ascendência misteriosa, Thy San, na verdade, é o brasileiro Thiago Henrique dos Santos, que começou a fazer festas em São Carlos, interior de São Paulo.
Thiago chegou à capital paulista em 2000, com um diploma em Audiovisual da Universidade Federal de sua cidade. Logo encontrou seus pares e trabalhou com música de teatro a convite do diretor Renato Andrade. O clique que faltava surgiu ao discotecar em uma festa na qual a dona tinha como música favorita Ressuscita-me, de Gal Costa. As festas Ressuscita-me viraram um sucesso. Thiago agitou, durante anos, o Augusta Internet Point, futuro Sarajevo, que virou ponto de encontro de músicos, jornalistas e artistas.
Naturalmente, chegou uma hora em que o DJ irrequieto, hoje com 33 anos, precisou de coisas novas. O que fazer? Descobrir a Europa. Na França, ele se encontrou com a fotógrafa Gaby Benicio, sua ponte para o Favela Chic. Situado no centrão de Paris, no République – “Igual à Praça da República em São Paulo”, brinca Thiago -, o Favela Chic foi criado há mais de uma década pela brasileira Rosane Mazzer e passou de ponto de encontro de brazucas com banzo a um dos endereços in da moçada. Coube ao DJ recuperar a brasilidade, criando a noite Pombagira, às terças-feiras, que não funcionou muito bem porque as francesas não entenderam o conceito nem o dia ajudou – um dos primeiros da semana, frequência zero.
O fato é que, sem perder o contato com Rosane, nosso herói hoje é responsável pela balada brasileira da Rosa Bonheur, novo endereço das criadoras da célebre Pulp, fechado em 2007. Rosa Bonheur, que batiza a balada, é o nome de uma pintora do século XIX que fumava, se vestia como homem – usava calças compridas antes da Chanel – e viveu com mulheres.
Situada em uma espécie de casa do caseiro do parque Buttes Chaumont, o que permite fumar cercado por árvores, em vez de confinado em um chiqueirinho, a balada faz as francesas “se jogarem” – algo que a educação retraída, apesar de permissiva, não ajuda -, praticando a nova mania local: pole dance, a dança no mastro, variante global do “trepa no coqueiro”, ao som de… fanfarras!
Thy San coloca o Brasil em tudo o que faz, sem apelar para a patriotada ou a breguice. Camille, por exemplo, uma apaixonada por nosso país, adotou trejeitos dos amigos do grupo Barbatuques e exige que o Thy a abasteça com balinhas salgadas de gengibre, contou com ele para apimentar sua carte blanche. Os títulos eram apresentados pela própria, em português do Brasil. Assim, Madame a Des Envies virou A Mocinha Tá Com Vontade; La Femme Doit Suivre Son Mari foi apresentado como A Mulher Deve Seguir Seu Macho; e Une Femme Vraiment Bien Très Men Bien foi traduzida, acreditem, para Uma Moça Gostosa Muito Muito Gostosa de Parar o Quarteirão! No momento, além do Favela Chic e da Rosa Bonheur, Thy San prossegue com o Ginga – grupo multirracial de música brasileira -, arranha um violão, realiza performances com Carneiro, percussionista brasileiro do St. Germain, confabula com as amigas Camille, a cantora cabo verdiana Mayra Andrade (sua vizinha) e a atriz portuguesa Maria de Medeiros, e sonha com a realização de uma coletânea só com independentes brasileiros, de Tulipa a Ro Ro, incluindo Thiago Pethit e Tiê, para continuar fazendo de Paris sua festa particular.
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