Pontes sonoras

Entre julho e outubro de 1981, a jovem cantora portuguesa Eugénia Melo e Castro recebeu o brasileiro Wagner Tiso em Lisboa, para assinar a direção musical de seu primeiro álbum, Terra de Mel. Acompanhado dos irmãos Kleiton e Kledir, que dividiram violões e guitarras, o maestro mineiro fechou a equipe que registraria o álbum com o baixista Luís Duarte e o flautista Luís Caldeira, ambos portugueses. Reunindo composições de Kleiton com letras de Eugénia – que é filha da escritora Maria Alberta Menéres e do poeta E.M. de Melo e Castro –, Terra de Mel foi celebrado pela imprensa local como um dos mais importantes títulos de 1982 e o marco zero de uma carreira dedicada a estabelecer pontes musicais entre Brasil e Portugal.

Trinta anos depois, em Um Gosto de Sol, seu 25o álbum, a cantora presta tributo ao Clube da Esquina, movimento musical liderado por Milton Nascimento e Lô Borges, eternizado em canções emblemáticas, como Nada Será Como Antes, Um Girassol da Cor do Seu Cabelo,  O Trem Azul e Tudo Que Você Podia Ser.

A escolha do repertório mineiro para celebrar as três décadas de carreira, reflete a estreita relação de Eugénia e a geração de Tiso, que reuniu compositores e instrumentistas brilhantes, como Milton, Lô e todo o clã dos Borges, Beto Guedes, Flávio Venturini, Fernando Brant, Ronaldo Bastos e Toninho Horta, amigos com quem Eugénia até hoje compartilha afinidades musicais, melódicas e algo mais: “Nasci na Covilhã, na Serra da Estrela, e cresci imaginando como seria a vida além-montanha. Essa coisa de dar força à linha do horizonte é uma sensação que os mineiros também têm. Acho que toda criatividade represada e a energia contida em um único lugar, deu nisso”, defende ela.

Além de clássicos registrados no disco de estreia do Clube, como Cais e Um Gosto de Sol, o novo álbum, lançado pelo selo SESC com produção e arranjos requintados de Robertinho Brant, traz 12 canções, algumas delas lado B, como Luz e Mistério, composta por Beto Guedes e Caetano Veloso; Vaga no Azul, poema de Fernando Pessoa musicado por Milton; e O Cerco, parceria de Eugénia com Tiso. Reverente, o álbum é marcado por uma contenção da emissão vocal e traz arranjos impregnados da atmosfera etérea do piano elétrico Fender Rhodes, presente em muitas faixas: “Queria fazer algo que respeitasse a sonoridade dos jovens mineiros e não pretendia propor novidades harmônicas. Essas canções foram escritas de forma definitiva e acho que consegui trazer uma linguagem que defende essa tradição”.

Falando em tradições lusitanas, questionada sobre o atual cenário musical em Portugal, Eugénia se diz otimista, mas lamenta a falta de um impulso renovador de grandes proporções. “Milhões já tentaram modernizar o fado, mas ninguém conseguiu encontrar ‘a coisa’. Surgem novas cantoras com uma nova postura, roupas coloridas, longe do estereótipo do xale preto, mas ainda estamos à espera de alguém que invente ou descubra uma espécie de bossa nova para o fado.”


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