Por que criticaram tanto a foto de Zuckerberg com a filha no médico?

Agora em janeiro, Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, postou uma foto inocente e fofa com sua filha no colo. A legenda dizia, em inglês: “Doctor Visit – Time for Vaccine (Visita ao médico – Hora da vacina!). Mal sabia o jovem pai, no entanto, que a foto geraria tanta polêmica. Até a publicação desse texto, eram mais de 3 milhões e 200 mil likes – os comentários, porém, não foram sempre elogiosos.

Os já esperados “linda” e “fofa” foram ofuscados por internautas que começaram a se debater nos comments. Motivo? O fato de Zuckerberg ter vacinado a filha. Alguns defendiam a escolha, dizendo que a proteção é importante; já outros começaram a descrever o perigo associado à vacinação e alertaram: Zuckerberg, você deve se informar.

Doctor’s visit — time for vaccines!

Publicado por Mark Zuckerberg em Sexta, 8 de janeiro de 2016

Um dos comentários antivacina, por exemplo, relatou ser a vacina a causa de uma série de enfermidades: 

“A vacina para recém-nascidos e lactentes é uma ciência repugnante que fere milhões a cada ano. Autismo, encefalite, lesão cerebral, doenças autoimunes de início precoce e tardio, asma, alergias, transtorno bipolar, déficit de atenção … Todas essas doenças neurológicas que afetam as pessoas nos últimos 35 anos. Façam a lição de casa. A única coisa que estas crianças têm em comum é o esquema vacinal! É isso aí. (….continua). Que vergonha para todos vocês e a suas almas. Espero que Deus ajude a todos.” (tradução livre)

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Outro internauta retrucou o comentário, dizendo não haver nenhuma evidência para tal:

“Onde eu posso ler artigos científicos sobre esse assunto? Onde está a pesquisa que apoia a m*** que você acabou de dizer? Espere, deixa eu reformular isso… onde eu posso encontrar qualquer pesquisa científica QUE NÃO TENHA SIDO RETRATADA POR FRAUDE?” (tradução livre)

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Zuckerberg não se manifestou sobre o assunto, mas já havia deixado claro seu posicionamento favorável à vacina, nesse post de fevereiro de 2015. Ao comentar sobre um livro de imunidade, o “On Immunity”, Zuckerberg disse:  “A vacinação é um tema importante. A ciência é bem clara nesse aspecto: a vacina funciona e é importante para a saúde de todos na sociedade.”

My next book for A Year of Books is On Immunity by Eula Biss.Vaccination is an important and timely topic. The science…

Publicado por Mark Zuckerberg em Quarta, 18 de fevereiro de 2015


De onde vem essa polêmica? A origem do movimento antivacina

Pois bem. Mas de onde vem essa história que vacina faz mal? Ela tem raízes no movimento antivacina, que é mais prevalente em países desenvolvidos e, no Brasil, tem alguns representantes em algumas regiões mais ricas. Em 2011, por exemplo, 26 casos de sarampo foram registrados na Vila Madalena, região oeste e nobre de São Paulo. Tudo começou porque uma família havia decidido não vacinar o bebê. 

Por incrível que pareça, foi a própria ciência que deu respaldo ao movimento, com artigo publicado no Lancet em 1998. Nele, o gastroentorologista inglês Andrew Wakefield associou a vacina tríplice a um risco aumentado de autismo.

A vacina tríplice protege contra o sarampo, a rubéola e a caxumba. No Brasil, sua primeira dose é aplicada nos 12 primeiros meses de idade. Foi justamente pela vacina ser tão amplamente usada no mundo, que o “achado” de Wakefield causou uma polêmica enorme. E, por isso, muitos foram os estudos que tentaram replicar os resultados do pesquisador. Ninguém, contudo, conseguiu comprovar a relação para além da amostra de 12 crianças.  A história não vingou, embora o mito persista. E mais: 

Descobriram que o médico foi financiado por pais que processavam empresas produtoras de vacina e que ele havia forjado trechos do estudo (disse que algumas crianças eram autistas, quando na verdade não eram). Resultado: o médico foi acusado de fraudador, o artigo no Lancet foi retratado e ele perdeu o registro no Conselho Federal de Medicina da Inglaterra. Um artigo da época publicado no jornal Sunday Times descreve exatamente o que aconteceu.  Conta o jornalista: 

“Chamar uma coletiva de imprensa nacional para um estudo clínico é algo raro. E para um hospital de referência fazer isso em um estudo com apenas 12 crianças é algo sem precedentes (…) cópias do estudo foram distribuídas (…). Oito em 12 [crianças apresentaram sintomas graves]: era uma proporção inacreditável.”

“Mas o segredo [posteriormente revelado] era esse: o médico havia recebido 55.000 libras para investigar a relação”

A história, no entanto, se espalhou e perdura até hoje, como mostra os comentários no perfil de Zuckerberg e um estudo de 2013 que concluiu que cerca de 20% dos entrevistados ainda acreditam no link entre a vacina e autismo [1]. Apesar do escândalo, o médico até hoje diz que a relação encontrada nas 12 crianças é verdadeira, conforme relata esse perfil feito pela BBC.  


A vacina causa autismo?

Um dos argumentos centrais do movimento antivacina cita que a indústria farmacêutica e governos estão escondendo dados da população para conseguir controlar doenças e obter lucros. Os adeptos do movimento, no entanto, não costumam citar referências sólidas para validar seus argumentos, além do estudo de 1998 (já demonstrado ser fraudulento), conforme mostra essa pesquisa que mapeou o discurso do movimento na internet  [2]. 

No mais, uma série de estudos já demonstraram não haver relação entre a vacina e o autismo. Nesse informe, o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos, explica o porquê de negar a relação. Só o órgão patrocinou 9 estudos que não encontraram um link entre antígenos da vacina e a condição. 

Não foi só o CDC que reproduziu estudos sobre o caso. Vários países assim o fizeram. Esse artigo de 2009 publicado na Clinical Infectious Disease mostra a corrida científica para tentar entender que relação era essa que o inglês tinha achado e que ninguém tinha percebido.  O artigo mostra que as três principais premissas nas quais se baseavam o artigo de 1998 não podem ser verdadeiras. 

A principal crítica é a seguinte: o artigo do inglês supõe que a vacina causa uma inflamação intestinal que facilita a invasão na corrente sanguínea de agentes encefalopáticos (que teriam o potencial de causar danos ao encéfalo e, assim, deflagrar alterações comportamentais consistentes com o autismo). No entanto, nos diversos estudos feitos, não ficou demonstrado lesões no intestino de crianças que tomaram a vacina. Um dos estudos foi esse aqui


Mais referências

[1] Public Policy Polling (2013) Democrats and Republicans differ on conspiracy theory beliefs. Disponível em: http://www.publicpolicypolling.com/pdf/2011/PPP_Release_National_ConspiracyTheories_040213.pdf. Acesso em 2016. 

[2] Kata A (2012) Anti-vaccine activists, Web 2.0, and the postmodern paradigm – An overview of tactics and tropes used online by the anti-vaccination movement. Vaccine 30: 3778–3789doi:10.1016/j.vaccine.2011.11.112 [PubMed]


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