Por trás da internet

Foto: Montagem sobre take de vídeo de Eli Pariser no TED 2011

Quanto tempo você passa conectado na rede? Duas, três horas por dia? Mais? Pesquisa feita no ano passado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República revela que o brasileiro gasta quase quatro horas por dia navegando na internet. É fato que as pessoas estão cada vez mais on-line e a tendência é de crescimento à medida que soluções são criadas para integrar tudo à internet. A expectativa é a de que todos os aparelhos – termostatos, carros, eletrodomésticos e até roupas e calçados – estejam conectados à rede mundial de computadores. Essa tendência vem sendo chamada de “Internet das Coisas”, uma dinâmica que prevê que o mundo físico e o digital se tornem um só, por meio de dispositivos que se comuniquem uns com os outros. Em outras palavras, não precisaremos acessar a internet – ela nos acessará.

Mas quem controla esse meio de informações? A internet seria um grande espaço onde todos têm voz? Na verdade, enquanto ferramenta, a internet não tem uma vocação tão romântica assim. Grandes empresas de tecnologia, como Google, Facebook, Apple e Microsoft estão de olho nas informações que seus usuários compartilham na web – nesse contexto, nossos dados se tornam uma espécie de moeda.

O ativista digital e escritor Eli Pariser, autor do livro O Filtro Invisível – O que a Internet está Escondendo de Você, defende que, à medida que empresas de internet se esforçam para fornecer serviços adequados para os gostos e necessidades de cada usuário, há uma inevitável consequência: cair nos chamados “filtros-bolha”, que selecionam informações que poderiam desafiar ou ampliar a visão de mundo de quem navega pela internet.

“O monitor do nosso computador é uma espécie de espelho que reflete nossos próprios interesses, baseando-se na análise dos nossos cliques feita por observadores algorítmicos”, Pariser escreve. Segundo ele, a internet não é mais a mesma desde dezembro de 2009, quando o Google anunciou mudanças em seu software de busca, iniciando a era da personalização. A teoria – e a prática também – é que duas pessoas com perfis semelhantes podem buscar por um mesmo assunto no Google e terem resultados totalmente diferentes.

Os algoritmos são utilizados para tentar adivinhar quem é a pessoa que usa um serviço na web. A fórmula se baseia nas rotinas on-line: quais links foram acessados com frequência, localização dos usuários, com quem eles interagem… Eles são responsáveis também por selecionar nosso comportamento virtual e nos recomendar certos anúncios. Você já deve ter reparado que, ao realizar pesquisas sobre tênis de corrida, por exemplo, acaba sendo “bombardeado” por promoções do gênero. Para Pariser, a personalização em excesso pode conduzir usuários a viverem em redomas, onde os compartilhamentos são semelhantes, reforçando opiniões equivalentes.

Hábito social?
Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio e um dos principais idealizadores do Marco Civil da internet, defende que os algoritmos tornaram-se um dos principais filtros da esfera pública para quem está conectado nas redes sociais. E que o movimento de customização da rede é inevitável. “Há uma tendência nos serviços majoritários de se ‘customizarem’ de acordo com quem os utiliza. Isso torna a rede mais atraente. O essencial é equilibrar a atuação dos algoritmos com a possibilidade de outros filtros editoriais. Quanto mais modelos editoriais conviverem, melhor será para a esfera pública.”

De acordo com alguns pesquisadores, esse comportamento pode ser um reflexo social e não somente um avanço tecnológico. Para Daniel Oppermann, doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e cientista político pela Universidade Livre de Berlim, é preciso considerar que os serviços que usamos na internet são desenvolvidos por empresas. Logo, ele diz, o interesse econômico é uma questão prioritária. “O objetivo é que o usuário fique contente com os serviços e os resultados, e volte a acessá-lo na próxima vez.”

Apesar de anunciar constantemente mudanças em seus algoritmos, Facebook e Google, por exemplo, não detalham abertamente qual é a fórmula que usam para personalizar conteúdos por razões mercadológicas. “A tecnologia que as empresas utilizam para atingir esses objetivos é mantida em segredo. Elas não divulgam seu algoritmos, assim como uma empresa de açaí não revela a receita que deixa seu produto mais gostoso que o da concorrência.”

Érica Anita Baptista Silva, mestre em Comunicação Social e doutoranda em Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais, acredita que o movimento de reforço de predisposições que ocorre na web é apenas um reflexo do que acontece no dia a dia. “Tendemos a nos relacionar com pessoas que, normalmente, compartilham das mesmas opiniões, buscamos assuntos que já nos interessam em alguma medida. E por outro lado, fazendo isso, evitamos o embate de ideias, os posicionamentos contrários. Mas não considero que seja uma ameaça.”

Discussão
Recentemente, o Facebook anunciou que está negociando com empresas de comunicação para hospedar conteúdo jornalístico em sua própria página. Dessa forma, leitores não seriam redirecionados para links externos, como acontece. Em artigo para o Columbia Journalism Review, a jornalista Alexis Sobel Fitts defendeu que o novo modelo de negócio pode prejudicar o jornalismo, lembrando que o Facebook oferece, como um de seus recursos, o impulso de conteúdos mediante pagamento.

Para o jornalista Diogo Rodriguez, fundador do Me Explica, site que se propõe a averiguar pautas controversas e boatos, é preciso entender que a internet não é um meio altruísta. “Não acredito que seja uma questão técnica, de algoritmos que filtram o conteúdo. O problema é que a internet foi ‘vendida’ como um meio de democratização de informação”, argumenta. “Sem senso crítico, pesquisa e formação, não adianta nada ter todas as ferramentas porque o usuário acaba incorrendo nos mesmos vícios.”

Daniel Oppermann defende bom senso para usar a internet de forma produtiva, para diferenciar entre informação de entretenimento e jornalística. “Uma sociedade que busca a multiplicidade de ideias nos debates precisa ensinar pluralismo e pensamento crítico a partir da infância. A pré-seleção de informações na internet via empresas não é automaticamente uma ameaça, caso outras informações estejam disponíveis.”


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